O Fogo

inquieto, espero
para olhar
teu olhar

ver nele o mesmo incêndio noturno
a dança
de brasas flutuantes

temo
que o fogo falhe
e não se espalhe
espoucando pelo bambuzal.

E seja tudo, novamente, natural.

©Copyright 1997 Nelson Vaz (do livreto “Lado Alado”, Coleção Poesia Orbital)

Frei Betto

Oração do Pássaro

Senhor,
Torna-me louco, irremediavelmente louco
Como os poetas sem palavras para os seus poemas
As mulheres possuídas pelo amor proibido
Os suicidas repletos de coragem perante o medo de viver
Os amantes que fazem do corpo a explosão da alma.

Dai-me, Senhor, o dom fascinante da loucura
Impregnado na face miserável do pobre de Assis
Contado nos filmes dionisíacos de Fellini
Resplandecentes nas telas policrômicas de van Gogh
Presente na luta inglória de Lampião.

Quero a loucura explosiva, sem amargura
Da razão ética das pessoas saciadas à noite pela TV
Da satisfação dos funcionários fabricantes de relatórios
Dos deveres dos padres vazios de amor
Dos discursos políticos cegos do futuro.

Fazei de mim, Senhor, um louco
Embriagado pelo vosso amor
Marginalizado do rol dos homens sérios
Para poder aprender a ciência do povo
Em núpcias com a cruz que só a fé entende
Como um louco a outro louco.

Dor de Cotovelo

Para um querido amigo… sofrendo disto!

Meu amigo, go back home
Volte pro seu lugar.
Volte pra sua casa
De mansinho sem alarde
Devagarinho.
Não precisa
Choro nem perdão
Nem pensar discutir a relação
Tampouco falar nada:
Há falta danada
De conserto de remendo
De roçar a mão.

Volte pro seu canto
Vá apertar o parafuso
Que ajusta o desencanto.
Vá sem promessas
Muito menos plano ou jura
Isto ninguém atura.

Volte pro seu posto
Aqueça o forno
Este fogo alimenta.
Deixe livro ou ferramenta
Pra buscar depois.
Deixe a chuva passar
Espere o sol a dois.

Vá preencher o vazio
Do lugar intocado.
Jogue fora
As tralhas do passado
A vida urge agora.
Não demore amigo
Não se feche
Abra o coração
Ostra sempre acaba
Em suco de limão…

Copyright©2011 Maria Brockerhoff

A Violência Contra A Mulher

A cada dois minutos, cinco mulheres sofrem violência doméstica no Brasil; é uma situação gravíssima da qual não se discute uma das principais causas, aliás nem é mesmo admitida:

SÃO AS MÃES AS EDUCADORAS DOS FUTUROS MARIDOS AGRESSIVOS.

Esta lição é diária e subliminarmente ensinada quando:

  • é do rapaz a chance de ir à faculdade se os recursos financeiros são insuficientes para cobrir as despesas da filha e do filho;
  • é da menina a obrigação de lavar as roupas e/ou esquentar a comida do irmão;
  • as mães, já desde cedo, preparam o enxoval de noiva das filhas;
  • o grande sonho inculcado nas meninas é o de um feliz casamento, com um “bom partido” ($$$);
  • o Papai Noel traz para as meninas bonecas, panelinhas, maquiagem; para os meninos, aviões, carrinhos, aparelhos eletrônicos que já exigem deles tirocínio e exercício motor;
  • as meninas usam, desde bebê, brincos, lacinhos, roupas de fru-fru, incômodos sapatinhos duros e já com saltos, meias-calças colantes, apetrechos “lindos” mas impeditivos de uma boa corrida ou alegres brincadeiras. Isto é o treinamento precursor para que as moças se submetam às tiranias da moda e às mais insanas dietas e cirurgias plásticas;
  • quando a litania do “ruim com ele, pior sem ele” é despejada na orelha das meninas sob as mais variadas formas;
  • a gravidez é o golpe seguro para a realização de um casamento ou a possibilidade de polpuda pensão.

Não é preciso enumerar mais toda a diferença da criação entre meninos e meninas; contudo, tais costumes e métodos levam à internalização da submissão feminina, trazendo, mais tarde, a aceitação passiva da violência física e/ou psicológica por parte dos maridos, companheiros e namorados.

É uma questão polêmica e muito grave, porque acobertada pela sociedade conivente e hipócrita, principalmente quando o número de mulheres que retiram as queixas contra os parceiros violentos tem aumentado consideravelmente. Fazendo assim, as mulheres ensinam a mais terrível das lições:

AOS FILHOS, O PODER ILIMITADO DOS HOMENS;
ÀS FILHAS, O CAMINHO, SEM SAÍDA, DA HUMILHANTE DEPENDÊNCIA.