A Cruel dona das Rosas

Na rua de pedra da cidade de concreto há um jardim de roseiras de todas as cores.

Aquele canteirão em frente à penúltima casa antiga, esquina da avenida do contorno é, ainda, um jardim de vovó, onde as roseiras fartas, já troncudas e altas, se enrolam, se estendem pelas grades das janelas e da cerca. Alguns “matinhos” rastejam aos pés das rainhas vermelhas, rosas, amarelas, grandes, pequenas, que atraem os olhos de quem os tem!

Aqueles buquês abertos, semi-fechados, os botões são uma belíssima miragem ali na esquina de asfalto, de carros barulhentos, da selva citadina. Uma paradinha ali, em frente ao roseiral, é uma pausa deliciosa!

Outro dia, um jardineiro com um tesourão. Em volta, o chão forrado de folhas e pétalas coloridas.

— Por que? Foi a pergunta incrédula. O jardineiro abaixou os olhos, parecendo envergonhado, respondeu:

— A dona não quer roseiras altas…

Copyright©2013 Maria Brockerhoff

A moça da Academia…

…a roupa de ginástica branca colante, o top bem decotado realça os seios fartos e o bronzeado; a risada alta, os dentes clareados, a boca carnuda… sente-se a dona do pedaço.

Com gestos amplos e requebros atrai os professores à sua volta e todos os olhares do salão.

Dá até gosto observar os volteios, a maquiagem perfeita, a satisfação de reinar ali entre os equipamentos de fortalecer o corpo, absolutamente invisíveis para a morena bonita, de bunda arrebitada.

… a voz — uma pena! — uma oitava acima, desafinada… com um mínimo de percepção ficaria caladinha.

A moça-corpo, acompanhada do personal trainer, finge malhar, disfarça com pesos leves, desfila a malha bem justa; mais gritinhos e, cumprida a pantomima, vai-se…

Copyright©2012 Maria Brockerhoff

Calendário Chinês – Tigre

O Tigre é o símbolo das virtudes reais: coragem, lealdade e generosidade. Os chineses o consideram protegido pelos deuses que lhe trazem muita sorte nos momentos difíceis.

Em linhas gerais, o nativo de tigre gosta de aventuras, é dinâmico, costuma lançar-se, de corpo e alma, em projetos diversos. É impulsivo, curioso e aproveitador da boa vida. Muitas vezes rebelde, não suporta uma vida rotineira. No trabalho o tigre precisa de espaço para se desenvolver, mas nem sempre tem paciência para isto; não gosta de obedecer horários e raramente pensa antes de agir. Contudo, ao invés de reclamar sai em busca de novos caminhos.

No seu aspecto negativo, o tigre é indeciso e cheio de caprichos, tendendo a decisões precipitadas. Interessante é que nem sempre fracassa em suas aventuras, pois a sorte parece viver ao seu lado. Se os seus talentos não são reconhecidos, o tigre pode tornar-se agressivo, briguento e mesquinho.

Na vida profissional, o tigre se adapta muito bem às vendas, às artes plásticas, administração de empresas e turismo. O tigre é romântico, bem-humorado, às vezes ciumento. A duração de uma relação sentimental com o tigre dependerá muito da liberdade que lhe é dada; a melhor maneira de afugentá-lo é querer prendê-lo, pois detesta pessoas dependentes. Gostam de companheiros/as fortes.

Compatibilidades: o tigre não se dá bem com boi, tigre, coelho e serpente. É incompatível com carneiro e galo. Boas possibilidades com dragão e cão. O relacionamento com cavalo e porco é muito bom. Boa relação profissional com o rato.

O tigre de terra (elemento do signo de Bruno) é responsável, com uma grande força de vontade. Interessa-se pelas pessoas, utilizando seus talentos na defesa de causas justas. A característica do tigre de terra é ser menos ousado que os outros tigres, preferindo manter-se dentro de um estilo de vida bem definido e ser socialmente bem aceito.

Poema – Mapa

A sutil descrença de Wisława Szymborska:

Mapa

Plano como a mesa
na qual está colocado.
Debaixo dele nada se move
nem busca vazão.
Sobre ele —meu hálito humano
não cria vórtices de ar
e deixa toda a sua superfície
em silêncio.

Suas planícies, vales, são sempre verdes,
os planaltos, montanhas, amarelos e marrons
e os mares, oceanos, de um azul delicado
nas margens fendidas.

Tudo aqui é pequeno, próximo, acessível.
Posso tocar os vulcões com a ponta da unha,
acariciar os polos sem luvas grossas.
Com um olhar posso
abarcar cada deserto
junto com o rio logo ali ao lado.

Selvas são assinaladas com arvorezinhas
entre as quais seria difícil se perder.

No Ocidente e Oriente
acima e abaixo do equador —
assentou-se um manso silêncio.
Pontinhos pretos significam
que ali vivem pessoas.
Valas comuns e súbitas ruínas
não cabem nesse quadro.

As fronteiras dos países mal são visíveis
como se hesitassem entre ser e não ser.

Gosto dos mapas porque mentem.
Porque não dão acesso à dura verdade.
Porque, generosos e bem-humorados,
estendem-me na mesa um mundo
que não é deste mundo.

(Tradução: Regina Przybycień)

Wisława Szymborska

…polonesa, Prêmio Nobel de Literatura (1996). A poeta, ensaísta e tradutora tem a modéstia proveniente da grandeza e competência. Certa vez, quando lhe perguntaram a razão de publicar tão pouco, respondeu:

Porque tenho uma lata de lixo em casa.

Considerava-se simplesmente uma mulher que escrevia versos; uma vez, ao ver uma enorme fila de pessoas aguardando o lançamento de seu livro, disse: “toda essa gente deve estar indo assistir a um jogo de futebol”. Ficou desesperada, quando recebeu o Nobel, ao enfrentar filmagens, convites, entrevistas de várias partes do mundo, impossibilitando-a de exercer o seu ofício. Levou quase 6 anos para se recuperar do susto do Nobel… o grande José Saramago também se queixou deste “mal”! 🙂

Como às vezes acontece, os grandes não são bem reconhecidos na terra natal. No caso de Wisława (pronuncia-se “vissuava”) católicos poloneses da direita não se esqueceram da homenagem que a jovem escritora fizera aos líderes comunistas Stalin e Lenin. Contudo, Wisława não se curvou às críticas, tornando-se importante ativista em prol da liberdade política e de expressão. Irrespondível a sua declaração ao receber o Prêmio Goethe na Alemanha:

Minha adesão aos ideais socialistas fez parte da minha geração pós-guerra, que acreditou na Utopia.

Fazendo um parênteses: aqui no Brasil, quando o Partido dos Trabalhadores apresentou um programa “democrático e limpo”, uma grande parte de nós acreditou, também, na Utopia.

Enviou para o seu editor alguns poemas em janeiro de 2012 com o título “Chega”. Veio a falecer logo depois, em 1º de fevereiro do mesmo ano. Possuía, sim, uma veia de fina ironia e humor. Gostava, ainda, de Ella Fitzgerald e de rifar entre os amigos os presentes “kitsch” recebidos às dúzias! Casou-se com um poeta, separou-se, embora tenham continuado amigos. Amou um outro escritor, cuja morte inspirou o poema “Kot w pustym mieszkaniu“:

Gato num apartamento vazio

Morrer – isso não se faz a um gato.
Pois o que há de fazer um gato
num apartamento vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos móveis.
Nada aqui parece mudado,
e no entanto algo mudou.
Nada parece mexido,
e no entanto está diferente.
E à noite a lâmpada já não se acende.

Ouvem-se passos na escada,
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe no pratinho,
também já não é a mesma.

Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e esteve,
e de repente desapareceu
e teima em não aparecer.

Cada armário foi vasculhado.
As prateleiras percorridas.
Explorações sobre o tapete nada mostraram.
Até uma regra foi quebrada
e os papéis remexidos.
Que mais se pode fazer.
Dormir e esperar.

Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender,
que isso não se faz a um gato.
Para junto dele
como quem não quer nada,
devagarinho,
sobre patas muito ofendidas.
E nada de pular miar no princípio.

(do livro Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycień. Companhia das Letras, 2011)

Jean-Yves Leloup

…é maravilhoso da cabeça aos pés! Dá gosto ler e ver…

No livro O Corpo e Seus Símbolos (a edição poderia ser bem melhor; a revisão também; o conteúdo valioso merece maiores cuidados), Leloup diz:

há palavras que permanecem presas em nossa garganta e nos impedem de respirar […] pode ser uma palavra de reprovação, de medo, mas pode ser também uma palavra de amor. […] O papel da psicanálise é encontrar a palavra e o jeito de dizer essa palavra. […] E o papel do terapeuta é o de convidar a pessoa a deixar sua palavra nascer. Não a palavra dos pais, não a palavra da sociedade, não a palavra herdada de todo um passado, não repetições, mas encontrar […] o seu próprio nome. E conhecer, então, o próprio desejo.

Para isso

[…] precisamos sair do desejo de nosso pai, do desejo de nossa mãe. […] do desejo proposto pela sociedade. […] é preciso sair das palavras que aprendemos, das palavras que nos impuseram. Às vezes, é apenas um sussurro que nasce em nós. Não é um rio caudaloso […] mas é como um pequeno regato de águas límpidas.

Trovas

Brincando de trovador:

Ilusão coisa estranha
sempre nos acompanha
quando parece finda
surge mais forte ainda

*

O bem se transforma em ódio
como fruto de grande dor
Mas o ódio, meu amigo
é forma intensa de amor

*

A vida nos deu com ternura
tesouros encobertos
deu-nos a grande ventura
sonhar de olhos abertos

Copyright©2012 Maria Brockerhoff

Amour

Amour…é um filme forte pra gente forte! Michael Haneke, diretor e roteirista austríaco é bem conhecido pela competência e pelos temas perturbadores e inquietantes.

Haneke estudou filosofia, psicologia e dramaturgia na universidade de Viena. Foi diretor de TV em 1974, estreou no cinema em 1989, já no estilo arrojado que tornaria a sua marca. Entre grandes sucessos, destacam-se “A Professora de Piano” (2001) e o surpreendente “Fita Branca” (2009). Dirige, também, óperas em Berlim, Munique e Viena. Costuma filosofar: “filmes devem oferecer espaço para a imaginação e reflexões; filmes muito explicativos com lições de moral são para mentes vazias e consumistas”.

O ator Jean-Louis Trintignant tem 82 anos e sua parceira Emmanuelle Riva tem inacreditáveis 85. Uma surpresa do filme é a apresentação pessoal do pianista Alexandre Tharaud, no papel de si mesmo – uma gentileza do diretor.

Em “Amour”, Haneke teria se baseado em fatos da própria família. Aliás, o drama do filme está agora, praticamente, em cada família, ali mesmo no vizinho…

É um retrato sem pieguices de um casal idoso que consegue tomar as rédeas das suas emoções e dificuldades com lucidez e coragem. Ali nenhum deles “deixa na mão de Deus, Alá, Jeová” ou de quem quer que seja a solução de suas vidas.

O filme mostra incisivamente a arrogância, a pretensão, em geral, de filhos distantes em querer impor, ditar o que lhes parece acertado. É instigadora e lúcida a resposta do pai para a filha:

— a sua preocupação nós é inteiramente inútil —

Isto porque a dita preocupação nada mais era do que falta de sensibilidade e de empatia com os pais. Na realidade, a desnecessária preocupação é um discurso vazio para encobrir profunda indiferença e o consequente sentimento de culpa.

O filme é imperdível. Contudo, não se lhe aplica o adjetivo “lindo”, nem é para relaxar. Muitas vezes, é bom mesmo e válido enfiar a cabeça na areia como a avestruz :-); neste caso, Haneke cortando com precisão cirúrgica a hipocrisia, mostra, a quem quiser ver, outros rumos para a vida.

Aventuras de Pi – filme de Ang Lee

Não, não é para o público infantil. E isto se comprovou quando três mocinhas conversaram, se levantaram, ficaram inquietas durante toda a sessão. Infelizmente as pré-adolescentes nem tentaram aproveitar a beleza da história. Uma pena!

piMelhor seria se o nome original tivesse sido preservado: “A Vida de Pi“, pois Ang Lee vai muito além de aventuras. É uma novela de 2001, de autoria de Yann Martel e o talentoso Ang Lee, entre muitos diretores, foi escolhido para dirigir o filme. As fotografias são da Índia e a equipe ficou em Taiwan por cinco meses e meio, com tomadas no zoológico, aeroporto, no Kenting National Park (próximo ao lugar onde Ang Lee nasceu) e em Montreal no Canadá.

As cenas do oceano foram feitas num tanque construído num aeroporto abandonado, sendo o maior do mundo capaz de gerar ondas (4800 m³). A animação pesquisou e trabalhou durante um ano para desenvolver o tigre Richard Parker.

Surpreendente a filmagem na Piscine Molitor, nos arredores de Paris, construída em 1929, inaugurada pelo atleta olímpico Johnny Weissmuller, o saudoso Tarzan. Foi lá a apresentação do tão abrasileirado biquini em 1946, bem avançadinhos! O belo complexo em art deco foi fechado em 1989, hoje está todo grafitado por vândalos; ameaçado de demolição, o parque aquático, graças ao movimento “SOS Molitor” de cidadãos franceses, está sendo restaurado. Incluirá duas piscinas, centro médico e de saúde, restaurantes e um hotel 4 estrelas. A abertura está prevista para 2014. Alvíssaras!

O ator Suraj Sharma, no papel de Pi aos 17 anos, é estreante e se submeteu a intensivos treinos de sobrevivência no oceano, bem como à prática de yoga e meditação. Valeu todo o esforço e dedicação.

A “Vida de Pi” mostra vivamente a força da motivação interior, a crença de um jovem muito sensível, inteligente e determinado; Ang Lee transformou o filme em um conto de fadas trágico repleto de poesia, magia e simbolismo. A interpretação das histórias de Pi ficou, deliberadamente, para a imaginação e sensibilidade do espectador.