Wisława Szymborska

…polonesa, Prêmio Nobel de Literatura (1996). A poeta, ensaísta e tradutora tem a modéstia proveniente da grandeza e competência. Certa vez, quando lhe perguntaram a razão de publicar tão pouco, respondeu:

Porque tenho uma lata de lixo em casa.

Considerava-se simplesmente uma mulher que escrevia versos; uma vez, ao ver uma enorme fila de pessoas aguardando o lançamento de seu livro, disse: “toda essa gente deve estar indo assistir a um jogo de futebol”. Ficou desesperada, quando recebeu o Nobel, ao enfrentar filmagens, convites, entrevistas de várias partes do mundo, impossibilitando-a de exercer o seu ofício. Levou quase 6 anos para se recuperar do susto do Nobel… o grande José Saramago também se queixou deste “mal”! 🙂

Como às vezes acontece, os grandes não são bem reconhecidos na terra natal. No caso de Wisława (pronuncia-se “vissuava”) católicos poloneses da direita não se esqueceram da homenagem que a jovem escritora fizera aos líderes comunistas Stalin e Lenin. Contudo, Wisława não se curvou às críticas, tornando-se importante ativista em prol da liberdade política e de expressão. Irrespondível a sua declaração ao receber o Prêmio Goethe na Alemanha:

Minha adesão aos ideais socialistas fez parte da minha geração pós-guerra, que acreditou na Utopia.

Fazendo um parênteses: aqui no Brasil, quando o Partido dos Trabalhadores apresentou um programa “democrático e limpo”, uma grande parte de nós acreditou, também, na Utopia.

Enviou para o seu editor alguns poemas em janeiro de 2012 com o título “Chega”. Veio a falecer logo depois, em 1º de fevereiro do mesmo ano. Possuía, sim, uma veia de fina ironia e humor. Gostava, ainda, de Ella Fitzgerald e de rifar entre os amigos os presentes “kitsch” recebidos às dúzias! Casou-se com um poeta, separou-se, embora tenham continuado amigos. Amou um outro escritor, cuja morte inspirou o poema “Kot w pustym mieszkaniu“:

Gato num apartamento vazio

Morrer – isso não se faz a um gato.
Pois o que há de fazer um gato
num apartamento vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos móveis.
Nada aqui parece mudado,
e no entanto algo mudou.
Nada parece mexido,
e no entanto está diferente.
E à noite a lâmpada já não se acende.

Ouvem-se passos na escada,
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe no pratinho,
também já não é a mesma.

Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e esteve,
e de repente desapareceu
e teima em não aparecer.

Cada armário foi vasculhado.
As prateleiras percorridas.
Explorações sobre o tapete nada mostraram.
Até uma regra foi quebrada
e os papéis remexidos.
Que mais se pode fazer.
Dormir e esperar.

Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender,
que isso não se faz a um gato.
Para junto dele
como quem não quer nada,
devagarinho,
sobre patas muito ofendidas.
E nada de pular miar no princípio.

(do livro Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycień. Companhia das Letras, 2011)

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