Paladas de Alexandria — poeta grego

Também filósofo, do século IV d.C., contestou, duramente, as consequências da transição da cultura grega para o cristianismo.

O tema Tyche — a divindade da má ou boa sorte, fortuna, adversidade, acaso, destino — é muito bem desenvolvido com laivos de humor e ironia. Aqui uns epigramas de Paladas, traduzidos por outro poeta, José Paulo Paes:

Muita coisa pode acontecer entre o cálice e o lábio. (X:32)

 

Enriqueces; e daí? Quando morreres, a riqueza por acaso
te seguirá ao te arrastarem para o túmulo?
No juntá-la gastaste o teu tempo de vida; não poderias
pagar por ela preço mais exorbitante. (X:60)

 

Um palco, a vida e uma comédia; ou aprendes a dançar
deixando a sisudez de lado ou
lhe aguentarás as dores. (X:72)

Autoestima — Poema Urbano

Uma árvore delicada
quase frágil
presa à calçada
se cobre de pendões
amarelos…
iluminam a avenida
cheia de ruídos
e gente distraída
se enfeita
ignora a desfeita
dos desiludidos.

Os galhos floridos
sob a chuva
ou sol matutino
estão plenos abertos
prontos e certos…

Admirável
esse destino!

À recém-formada paisagista Sonia, esta floração!

Copyright ©2013 Maria Brockerhoff

Desventura

Encostado num canto
o barco foi entretanto
belo, forte, altaneiro!
Sumiu a boa sorte
hoje virou canteiro.
É o retrato, talvez
de quem perdeu a vez.
Desistiu. Nem partiu…

Copyright ©2013 Maria Brockerhoff

Raimundo Correia

MAL SECRETO

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

O poeta é exímio conhecedor das emoções, buscando bem no fundo a verdadeira essência humana. “Mal Secreto” vale um mundo de psicanálise! Raimundo Correia, de família de classe média alta, nasceu a bordo do navio “São Luis” em águas maranhenses e por isso dizia: “sou um homem sem pátria, nasci no oceano”. Daí, com certeza, a universalidade da sua poesia.

Labirinto

Minh’alma perdida,
por aí sem guarida,
fecha-me a ferida:
onde está a saída
nesta luta bandida?
e a terra prometida
— bela e atrevida —
vive escondida
em funda jazida?

Copyright ©2013 Maria Brockerhoff

Luís Vaz de Camões

Ao Desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando ao cansar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado.

Poema – Mapa

A sutil descrença de Wisława Szymborska:

Mapa

Plano como a mesa
na qual está colocado.
Debaixo dele nada se move
nem busca vazão.
Sobre ele —meu hálito humano
não cria vórtices de ar
e deixa toda a sua superfície
em silêncio.

Suas planícies, vales, são sempre verdes,
os planaltos, montanhas, amarelos e marrons
e os mares, oceanos, de um azul delicado
nas margens fendidas.

Tudo aqui é pequeno, próximo, acessível.
Posso tocar os vulcões com a ponta da unha,
acariciar os polos sem luvas grossas.
Com um olhar posso
abarcar cada deserto
junto com o rio logo ali ao lado.

Selvas são assinaladas com arvorezinhas
entre as quais seria difícil se perder.

No Ocidente e Oriente
acima e abaixo do equador —
assentou-se um manso silêncio.
Pontinhos pretos significam
que ali vivem pessoas.
Valas comuns e súbitas ruínas
não cabem nesse quadro.

As fronteiras dos países mal são visíveis
como se hesitassem entre ser e não ser.

Gosto dos mapas porque mentem.
Porque não dão acesso à dura verdade.
Porque, generosos e bem-humorados,
estendem-me na mesa um mundo
que não é deste mundo.

(Tradução: Regina Przybycień)

Wisława Szymborska

…polonesa, Prêmio Nobel de Literatura (1996). A poeta, ensaísta e tradutora tem a modéstia proveniente da grandeza e competência. Certa vez, quando lhe perguntaram a razão de publicar tão pouco, respondeu:

Porque tenho uma lata de lixo em casa.

Considerava-se simplesmente uma mulher que escrevia versos; uma vez, ao ver uma enorme fila de pessoas aguardando o lançamento de seu livro, disse: “toda essa gente deve estar indo assistir a um jogo de futebol”. Ficou desesperada, quando recebeu o Nobel, ao enfrentar filmagens, convites, entrevistas de várias partes do mundo, impossibilitando-a de exercer o seu ofício. Levou quase 6 anos para se recuperar do susto do Nobel… o grande José Saramago também se queixou deste “mal”! 🙂

Como às vezes acontece, os grandes não são bem reconhecidos na terra natal. No caso de Wisława (pronuncia-se “vissuava”) católicos poloneses da direita não se esqueceram da homenagem que a jovem escritora fizera aos líderes comunistas Stalin e Lenin. Contudo, Wisława não se curvou às críticas, tornando-se importante ativista em prol da liberdade política e de expressão. Irrespondível a sua declaração ao receber o Prêmio Goethe na Alemanha:

Minha adesão aos ideais socialistas fez parte da minha geração pós-guerra, que acreditou na Utopia.

Fazendo um parênteses: aqui no Brasil, quando o Partido dos Trabalhadores apresentou um programa “democrático e limpo”, uma grande parte de nós acreditou, também, na Utopia.

Enviou para o seu editor alguns poemas em janeiro de 2012 com o título “Chega”. Veio a falecer logo depois, em 1º de fevereiro do mesmo ano. Possuía, sim, uma veia de fina ironia e humor. Gostava, ainda, de Ella Fitzgerald e de rifar entre os amigos os presentes “kitsch” recebidos às dúzias! Casou-se com um poeta, separou-se, embora tenham continuado amigos. Amou um outro escritor, cuja morte inspirou o poema “Kot w pustym mieszkaniu“:

Gato num apartamento vazio

Morrer – isso não se faz a um gato.
Pois o que há de fazer um gato
num apartamento vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos móveis.
Nada aqui parece mudado,
e no entanto algo mudou.
Nada parece mexido,
e no entanto está diferente.
E à noite a lâmpada já não se acende.

Ouvem-se passos na escada,
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe no pratinho,
também já não é a mesma.

Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e esteve,
e de repente desapareceu
e teima em não aparecer.

Cada armário foi vasculhado.
As prateleiras percorridas.
Explorações sobre o tapete nada mostraram.
Até uma regra foi quebrada
e os papéis remexidos.
Que mais se pode fazer.
Dormir e esperar.

Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender,
que isso não se faz a um gato.
Para junto dele
como quem não quer nada,
devagarinho,
sobre patas muito ofendidas.
E nada de pular miar no princípio.

(do livro Poemas. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycień. Companhia das Letras, 2011)

Trovas

Brincando de trovador:

Ilusão coisa estranha
sempre nos acompanha
quando parece finda
surge mais forte ainda

*

O bem se transforma em ódio
como fruto de grande dor
Mas o ódio, meu amigo
é forma intensa de amor

*

A vida nos deu com ternura
tesouros encobertos
deu-nos a grande ventura
sonhar de olhos abertos

Copyright©2012 Maria Brockerhoff

J. G. De Araújo Jorge

Tudo estranho…

Sim, quantas vezes, por íntimo pudor,
Por orgulho talvez, amor próprio, vaidade,
Escondemos no riso a nossa dor.
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— Coisa estranha a felicidade!
— Estranha coisa, o amor!