Museu John Kennedy

Dallas desperta a curiosidade sobre o assassinato.

O prédio de 7 andares, estrategicamente na esquina, era um depósito de material escolar, onde Lee Oswald fora trabalhar 40 dias antes (!). Perto da janela do 6º andar ainda estão empilhadas as caixas de livros (cercadas por vidro temperado) que serviram de apoio e mira.

O prédio todo foi transformado em museu e conserva a aura de suspense e mistério.

É muito interessante acompanhar a trajetória dos ilustres visitantes, o contraste entre o povo vibrando nas ruas, a elegância de Jacqueline, o recebimento de flores, os acenos e efusivos cumprimentos e, segundos depois, o imponderável (ou não?) desfecho na curva da Elm Street com Dealey Plaza. Há marcas (X) na pista onde os tiros alcançaram o presidente.

Este filme já foi visto inúmeras vezes, ainda assim, a sequência dos acontecimentos e a tragédia ainda é emocionante. Já foi dito que Jacqueline – ela disse não se lembrar absolutamente – foi de gatinhas recolher os miolos de Kennedy; contudo, a intenção era ajudar um segurança a subir no carro.

A visita ao museu mostra claramente:

  • o conflito entre as autoridades federais, estaduais e locais para lidar com o caso, prejudicando a investigação;
  • o corpo de Kennedy foi disputado “a tapas” do instituto médico legal por diferentes departamentos reivindicadores;
  • teorias divergentes sobre o número de balas; inexplicavelmente apenas uma bala foi encontrada na maca do hospital para onde foi levado o governador do Texas, gravemente ferido;
  • Jack Ruby – o assassino de Lee Oswald – tinha livre trânsito na delegacia que investigaria o caso;
  • a discordância sobre quais peritos fariam a autópsia e a escolha inicial de apenas um deles;
  • o trajeto do presidente, com a posição e o número de automóveis, foi publicado detalhadamente nos jornais com bastante antecedência.

Estas questões, dentre muitas outras, deixam mais dúvidas do que respostas. Ninguém poderá fornecer, com certeza, as conclusões elucidativas.

Curiosamente, consta John Kennedy ter comentado com Jacqueline “nós estamos numa terra de malucos;” (“nut country”, em tradução livre), “se alguém quiser me matar, ninguém poderá impedir”.

Fica, à saída do museu, a sensação de desperdício de vidas humanas e as imagens do funeral trazem profundo sentimento de desvalia…

Poema

Guilherme de Almeida

Minha melhor lembrança é esse instante no qual
Pela primeira vez me entrou pela retina
Tua silhueta provocante e fina
Como um punhal.

Depois passaste a ser unicamente aquela
Que a gente se habitua a achar apenas bela
E que é quase banal
Agora que te tenho em minhas mãos e sei
Que os teus nervos se enfeixam todos em meus dedos
E os teus sentidos são cinco brinquedos com que brinquei
Agora que não mais me és inédita
Agora compreendo que tal como te vira outrora
Nunca mais te verei…
Agora que de ti por muito que me dês
Já não podes dar a impressão que me deste
A primeira impressão que me fizeste.
Louco talvez
Tenho ciúme de quem não te conhece ainda
E cedo ou tarde, te verá, pálida e linda
Pela primeira vez!

Jean-Yves Leloup: Os pés

Observando os pés podemos sentir se há problemas: são muito frágeis, há ferimentos ou marcas, os odores são agradáveis ou não; os pés podem responder as questões sobre o prazer de viver, de sentir prazer e amar. Há pessoas que nunca sentem prazer. Esta sensação é dificil para elas.

Os pés são raízes; se recebemos raízes talvez possamos transmiti-las aos outros. Os pés têm plantas; a “planta dos pés” clama por raízes:

— de onde venho? Nunca me sinto em meu lugar? É dificil, para mim, ter os pés na terra? O meu mundo não é a minha pátria, minha mátria… É necessário reencontrar os nossos dois pés, os dois pés na terra…

Para o psicólogo Paul Diel, o pé é o símbolo da nossa força. É o suporte para permanecermos eretos.

Hermes, o mensageiro dos deuses, tinha os pés alados. Esta simbologia é a da individuação. Podemos passar do pé de Édipo – do grego Οauuδίπους, ter tornozelos inchados – para o pé alado de Hermes. É o caminho da transformação!

Os cuidados, os banhos, as massagens ajudam a escorrer as fadigas e tensões dos pés, para as pessoas doentes é um verdadeiro alívio.

Se escutam a terra, os pés nos enraizam. Na África, o pé é o ponto de apoio do corpo no mundo. É um símbolo de poder. Se os pés estão bons, a cabeça funciona bem.

E Leloup conclui: o equilíbrio do corpo depende de nossas raízes, se o enraizamento é sadio, toda a árvore é sadia!

(vide resenha anterior de O Corpo e Seus Símbolos)

Mario Vargas Llosa

Travessuras da Menina Má

Mais um presente deste peruano idealista que, um dia, sonhou em apontar outros rumos ao Peru. Como já aconteceu e se repetirá incontáveis vezes, o povo preferiu o caminho falacioso e inconsequente apresentado por Fujimori… deu no que deu. 🙂

Bem, interessa-nos agora as peripécias de um grande amor retratadas de uma forma envolvente; Vargas Llosa consegue realizar o desejo máximo de um escritor: manter o leitor preso irresistivelmente às suas páginas.

A trama tecida por Vargas Llosa se passa em Lima, Paris – aqui, os endereços conhecidos acrescentam uma atração a mais – e Londres; retrata magistralmente as transformações sociais da época dos hippies, da revolução cubana, das origens do movimento Túpac Amaru. Para quem leu outros livros de Vargas Llosa pode-se reconhecer claramente traços autobiográficos e isto enriquece a leitura.

Interessante também uma outra faceta do livro: os motivos, as pulsões, as escolhas dos personagens rendem assunto para tardes inteiras numa boa roda… de uma forma ou de outra todos nós estamos lá!

Getúlio Vargas, 24 de Agosto de 1954

…tenho nítida na memória aquela manhã tão clara como a de hoje; todas as alunas do curso ginasial – o nome era este – reunidas no anfiteatro para a aula de canto orfeônico (alguém ainda diz isso?); a madre interrompeu a cantoria para informar que as aulas estariam suspensas: o presidente Getúlio Vargas se matara…

Após o impacto de dois segundos, a explosão foi de alegria; estaríamos livres por uns dias! Doce irresponsabilidade da infância…

Gente Valente

Fomos ao Texas e, descuidados, não consultamos o poderoso Sr. Clima; de costa a costa, com raras exceções, as temperaturas beiravam 104°F (40°C). Foi a primeira vez que estivemos lá no verão… e fizemos meia volta para fugir do calor escaldante.

Não comunicamos nossa volta a ninguém; assim tínhamos mais dias de férias, fomos para um hotel e experienciamos certo exílio: sim, pois sabíamos que o telefone não tocaria, não haveria visitas – um dos bons hábitos em Minas – nada de almoços coletivos, nem cafézinhos com prosa…

Descobrimos, aqui mesmo, lugares interessantes num bairro completamente desconhecido. Vimos o quanto a gente se apega à padaria, ao sacolão, à cabeleireira, à próxima esquina; como limitamos o círculo de convivência!

Deste nosso venturoso degredo pude avaliar a valentia de dois queridos amigos: M. e R. (invejando Freud 😉 ). Ambos com faccia e coragem pediram as contas, juntaram um mínimo de tralha e foram-se… cada um, absolutamente, por sua conta e risco.

M. para Buenos Aires e R. para Paris. Estabeleceram-se nestas outras plagas, conquistaram amigos e boa colocação profissional (sem QI algum!). A certeza de ter as pessoas, o trabalho, a roda na pizzaria forma uma rede reconfortante que eles deixaram para trás.

Nas nossas andanças anônimas por aqui pude avaliar que a aventura dos meus amigos pode parecer meramente romântica, contudo os desafios da cidade grande e da língua estranha exigem boa dose de autosuficiência, determinação.

Este ir e vir solitário, incluindo todas as atividades e decisões, não é pra qualquer mortal. Certamente é uma bela aventura e pode ser um meio – talvez o único – de nos virar pelo avesso e de nos fazer sair de um mundinho morno e, muitas vezes, medíocre.

Amigos M. e R., posso concluir que o impulso para uma corajosa virada só pode ser

…ou uma lança atravessada no peito ou uma esperança desvairada…

Frida

Frida – A Biography of Frida Kahlo (Hayden Herrera, 1983).

A vida de Frida Kahlo é a mais arrojada ficção, ultrapassa qualquer criação imaginária.

As circunstâncias do acidente fazem refletir sobre a imponderabilidade da vida…

Frida e o namoradinho Alejandro pegaram um ônibus na tarde de 17/9/1925. Frida notou que havia perdido a sombrinha e desceram para procurá-la. Pegaram o próximo e logo depois se deu a colisão entre o bonde e o ônibus.

Frida quebrou a coluna em três lugares, a clavícula, a terceira e quarta costelas. A perna direita teve 11 fraturas, o pé direito foi deslocado e esmagado, o ombro direito deslocado, a pélvis quebrada em 3 lugares. O corrimão de aço atravessou a pélvis, empalando-a. Frida sofreu, pelo menos, 32 cirurgias. Na infância, já superara surpreendente e corajosamente, através de exercícios físicos, uma pólio.

Outra pitada surreal: alguém – provavelmente um pintor – trazia um pacote que estourou e um pó dourado cobriu o corpo ensanguentado de Frida, aí as pessoas gritaram “a bailarina! A bailarina!”

À época, Frida não encarou o acidente como tragédia; procurou direcionar, da melhor forma, a imobilidade forçada. Embora tivesse interesse em artes, a ambição maior era tornar-se médica. Como não podia nem sentar-se, decidiu aproveitar a “oportunidade” (expressão dela mesma) de estar por longo tempo na cama, pediu a caixa de pintura a óleo e pincéis que pertenciam ao pai e começou a pintar

A chuva

Para Heloísa…

Finalmente
na madrugada
a chuva pesada!

lavou a carência
da terra rachada

levou a poeira
limpou a cumieira

entumesceu as raízes
renovou os matizes

forte e com jeito
encharca o vale
seco do peito

Copyright©2010 Maria Brockerhoff