Cabo Hornos — Cape Horn

De Ushuaia navegamos, por vinte e quatro horas, numa imensidão de águas revoltas do Cabo Hornos e Paso Drake. As portas do silencioso Continente Antártico são o prêmio compensador.

Cabo Hornos, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Contornamos o Cabo Hornos/Cape Horn na ilha do mesmo nome. O único lugarejo é Puerto Williams com 1600 habitantes. Em formato de meia-lua a ilha é coberta, em sua maior parte, por líquens, musgos; daí o nome bosques em miniatura e a observação deste rico microcosmos ser com lupa. O Parque Nacional Hornos é um lugar privilegiado na Reserva Mundial de la Biosfera.

Copyright©2011 University of North Texas Press

Aqui é abundante o arbusto Canelo ou Casca de Anta, cujas sementes atraem as aves austrais. Estas sementes devem ser saborosas, pois bandos de aves tropicais — fio-fio, Elaena Albiceps — viajam mais de 3500 km até Hornos para nidificar e encher o papo de Canelo.

Fio-fio – Copyright©2010 Flavio Camus

As correntes fortes no Hornos, os açoites de vento, as ondas altíssimas justificam-lhe o apelido de Cementerio Marítimo. Contam-se 800 naves desaparecidas com tripulação de, pelo menos, 10 mil marinheiros! Pelas condições de chuva, neve, granizo também chamam-no Cabo de las Tempestades e Cabo Donde se Acaba el Mundo. Em determinados momentos, deu para avaliar, minimamente, a força destas águas: o vento de 90 km/h nos impediu de abrir a porta da cabine para a varanda!

Cabo Hornos – Copyright©2014-2016 Sidetracked Travel Blog

Por essas e outras, escolhemos o grande navio MS Zaandam da Holland-America. É confortável, oferece concertos de piano e violino, música dançante, cassino, piscina, academia, pista de cooper, jogos de xadrez, bridge, além de fina gastronomia. A convidativa biblioteca tem mesas para quebra-cabeças coletivos que se tornaram um ponto de encontro nos finais de tarde. O lounge tem uma privilegiada vista panorâmica.

Lounge, MS Zaandam – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Tais navios são equipados com estabilizadores e, assim, pode-se minimizar a temida “gangorra” destas águas. Nos navios menores as histórias de seasickness/enjôos desta travessia não são animadoras. Numa viagem transoceânica, de Valparaíso à Austrália, a médica do navio, com bom humor, nos resumiu dois momentos deste incómodo:

inicialmente o passageiro pensa que vai morrer; depois, o pior: ele sabe que não vai morrer!

Com a abertura do Canal do Panamá em 1914, a navegação é praticamente de entretenimento e desportiva; são desafiadoras as competições entre solitários e experientes navegadores que se lançam numa tentativa de circumnavegar o globo terrestre. Para os aficcionados, contornar este cabo, onde Atlântico e Pacífico se encontram, equivale a atingir o cume do Everest.

Curiosa a aventura de um casal inglês em 1956; numa tentativa de contornar o Hornos do Pacífico para o Atlântico, o veleiro Tzu Hang naufragou. Não desistiram; no ano seguinte, lá vão eles! Novo naufrágio… mais uma vez, salvos miraculosamente. É… o Hornos não os quis lá!

Enfim, Antártida!

Além das águas do difamado Paso Drake, a sala de espera da Antártida! O recepcionista é este primeiro iceberg. Esta escultura traz uma beleza tão grande quanto o incomum silêncio envolvendo tudo e todos nós.

South Shetland Islands, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Distanciando-se do Cabo Hornos entramos na Passagem Drake; neste dia, para nossa sorte, muito calma! Foi descoberta por Francis Drake em 1578. O corsário, condecorado pelo governo inglês por suas duvidosas conquistas, foi arrastado por um forte vendaval até o fim da Terra do Fogo, encontrando-se em pleno mar aberto.

Da varanda do MS Zaandam, Paso Drake – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Francis Drake chegou às águas tormentosas onde os gigantes Atlântico e Pacífico se fundem. Modificou-se, então, toda a geografia da terra, pois supunha-se a América unida à Terra Australis/Antártida. Depois da descoberta dessa nova passagem a navegação por aqui aumentou consideravelmente, apesar das trágicas estatísticas. Drake fez a segunda circumnavegação da Terra. Contudo, sua memória é manchada de sangue pelo assassinato de nativos na Patagônia, saques em Valparaíso, tráfico de escravos e especiarias, a captura de navios. O destino reserva a cada um a morte que merece: o pirata morreu de disenteria em Portobelo, Panamá.

• Oceano Pacífico: é o primeiro em extensão e profundidade, cobre um terço da superfície do planeta.

Calmaria no Pacífico – Copyright©2011 Rainer Brockerhoff

No entorno do Pacífico, as cadeias de montanhas são de intensa atividade vulcânica. Foi batizado por Hernando de Magallanes pela ilusão de ser mais calmo do que o bravo Atlântico.

• Oceano Atlântico: vem de Atlas (Άτλας) — filho de Netuno — na mitologia grega, aquele que sustenta o mundo nos ombros. Os gregos acreditavam ser o Atlântico um grande rio em torno da Terra. Chamavam-no Mar Tenebroso. Curioso o relevo no fundo deste oceano: uma extensa cadeia de montanhas de norte a sul, com altura de 3 mil metros, a Dorsal Mesoatlântica.

Dorsal Mesoatlântica Copyright©NOAA

Os oceanos são de inestimável biodiversidade. Destoantes da riqueza destes mares são as manchas de 100 milhões de toneladas de lixo flutuantes. Charles Moore, em 1999, as descobriu por acaso, quando voltava de uma competição no Havaí. Estas ilhas de lixo se transformam em uma sopa tóxica levando peixes e aves à morte.

As perspectivas não são animadoras. Além do Pacífico norte, há grandes aglomerados de lixo a leste das Bahamas, leste do Rio de Janeiro, Madagascar e no Pacífico sul, entre outros. O biólogo Alexander Turra, da USP, qualificou de “moribundo” o estado dos oceanos.

Lixo no Pacífico – autor desconhecido, 2008

Resíduos de todos os tipos são provenientes dos esgotos urbanos, de rios poluídos por fertilizantes, das plataforma de petróleo, das embarcações e dos descartes dos insensatos moradores desta Terra.

Pesquisadores australianos estudam este processo de acumulação de lixo e o rastreamento de suas origens. O biólogico Erik van Sebille afirma: “é impossível limpar o oceano, o lixo permanecerá lá. É necessário, porém, identificar sua origem, para que os responsáveis possam criar estratégias para barrar a poluição.”

Ah! O continente antártico é uma riqueza inigualável. Ainda que pareça inverossímil, cada um de nós, indistintamente, é responsável pela conservação da vida neste misterioso reino gelado!

Passagem Drake, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Plena Antártida!

Uma imensidão gelada recortada por rochas vulcânicas. A navegação através de canais estreitos e baías é em câmara lenta. Aqui, os icebergs, as montanhas brancas, os pássaros, as orcas quase ao alcance da mão.

South Shetland Islands, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Cruzamos Dallman Bay

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Dallman Bay, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Canal Schollaert

Canal Schollaert, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Estreito de Gerlache

Estreito de Gerlache, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Canal Neumayer

Canal Neumayer, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

MS Zaandam contorna as ilhas, gira 360°, pára diante das rochas e glaciares, às vezes navega em marcha-a-ré; assim aproveitamos intensamente sem descer à “terra”. É uma medida protetora do meio ambiente. Hordas de turistas teriam devastadoras consequências.

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Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Do deck absorvemos o silêncio e a beleza deste lugar… e todo o tempo do mundo está suspenso!

Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

No verão, há luz por 24 horas. Aqui, a vista da nossa varanda à meia-noite:

Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O Deserto Antártico…

…é coberto por dunas de neve! A Antártida é considerada um grande deserto polar pelo índice mínimo de precipitação, além de ser o continente mais frio e mais seco. Aqui já se registraram ventos de até 320 km/h e a temperatura mais baixa da terra: –89,2°.

Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Sob o manto de gelo a vida é muito rica. A fauna cobre quase toda a cadeia alimentar; baleias, focas, lulas se alimentam de krill — pequenos crustáceos bem saborosos, também consumidos por russos e japoneses. As aves mais comuns são os pinguins, albatrozes e petréis; algumas espécies fazem seus ninhos em terra firme e migram, no inverno, para regiões mais quentes. O pinguim-imperador e o pinguim-de-adélia permanecem no continente. Os ventos fortes impedem o crescimento de vegetais, por isto florescem, no verão, os líquens, algas, fungos, briófitas.

Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A Antártida é considerada politicamente neutra. O Tratado da Antártida de 1959 transformou-a numa área de preservação científica, com proteção ambiental, proibição de exercícios militares e liberdade de investigação científica; há 29 países com bases científicas na Antártida. Aqui uma delas:

Base científica, Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

O continente tem 32 aeroportos, nenhum aberto ao público, pois estão sujeitos a severas limitações por causa das condições climáticas e geográficas. Daí o acesso, apenas, por navios.

MS Zaandam, Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

 

Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

A Isla Decepción é uma escultura vulcânica circular e surreal, com lagos termais; ainda expele lavas, a última erupção foi em 1991/92.

Isla Decepción, Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Uma enorme colônia de pinguins-de-barbicha adora viver nestas paragens. São esses pontinhos:

Isla Decepción, Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Em homenagem à sensibilidade do observador, despedimo-nos, sem palavras, destes desertos…

Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

 

Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Malvinas ou Falklands

O arquipélago abrange duas ilhas principais e mais de setecentas menores. Port Stanley, uma vila de pescadores, é a capital espraiada em baías e pequenas elevações sob um verão azul brilhante…

Port Stanley, Falklands — Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

…este céu é enganador! O clima é hostil, esparsas chuvas ao longo do ano, temperaturas podem cair abaixo de zero, ventos fustigam continuamente, moldando as poucas árvores da região.

Port Stanley, Falklands — Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Por mais de 150 anos os ilhotas viveram praticamente incógnitos, criando carneiros e servindo navios. Hoje a população é de, aproximadamente, 3 mil pessoas, a maioria vivendo em Port Stanley.

As versões sobre o domínio destas ilhas geram controvérsias e dividem as pessoas; contudo, há de pesar nesta balança a ambição colonialista do império britânico, usurpando, a qualquer preço, povos, terras, culturas, crenças, recursos em todos os tempos e lugares.

O cemitério argentino em Darwin é uma homenagem a “Los Caídos” em 1982, na disputa entre Argentina e Inglaterra, e reforça o fato — aceito como indiscutível — de ter sido arrematada insensatez a decisão do governo militar argentino de atacar as ilhas, infelizmente apoiado pela grande maioria dos argentinos. Mais uma vez ficou demonstrada a incapacidade humana de usar a Razão. Jorge Luis Borges teria resumido, magistralmente, a questão das Malvinas ou Falklands:

é a disputa de dois homens calvos por um pente.

Os telhados coloridos de Port Stanley dão um toque criativo neste paraíso de raras espécies de pássaros, onde existe um ecossistema com uma espantosa variedade de espécies subantárticas: pinguins, elefantes, lobos e leões marinhos.

Port Stanley, Falklands — Copyright©2016 Rainer Brockerhoff
Port Stanley, Falklands — Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

A sensação é a de um lugar atemporal, sem semáforos, poucos veículos; o passado envolve o cemitério dos veteranos das duas guerras mundiais…

Port Stanley, Falklands — Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

… a praça com a catedral anglicana e a escultura de ossos de baleia…

Port Stanley, Falklands — Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

…os pubs tradicionais, o museu do pescador…

Port Stanley, Falklands — Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Agora vale sentar-se aqui e deixar-se absorver:

Port Stanley, Falklands — Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

Puerto Madryn — Patagonia

As praias desertas, escarpadas e povoadas de relaxados leões e elefantes marinhos, são uma bela compensação à desolada cidade de Puerto Madryn, varrida pelos ventos; abrigado pelo Golfo Nuevo, o porto é a entrada do santuário da extensa Península Valdés.

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Península Valdés, Patagonia – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

Fundado por imigrantes galeses em 1865, é o segundo porto pesqueiro da Argentina. A industrialização começou com uma fábrica de alumínio e outras mais. A região enfrenta um sério problema com o descarte de sacos plásticos; milhares e milhares poluem os campos, matam animais, impedem a adubação. As gaivotas, devido ao lixo a céu aberto, devastam tudo: comem insetos, peixes, ovos, picam as baleias e, o pior, reproduzem-se espantosamente. Há um programa de conscientização para evitar o uso destes plásticos.

A Península Valdés — 4000 km² na província de Chubut — uma imensidão arenosa com vegetação rasteira boa para as ovelhas e um litoral selvagem com falésias belíssimas, é patrimônio natural da humanidade e o paraíso dos biólogos.

Península Valdés, Patagonia – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

Aqui, um zoológico natural, vivem também guanacos, tatus e mara, um roedor tipo lebre da Patagonia; além de ter um jardim especial:

Península Valdés, Patagonia – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

No Golfo Nuevo, principalmente em Puerto Piramides, entre junho e dezembro as espetaculares baleias-franca vêm acasalar-se aqui.

Puerto Piramides, Patagonia – Copyright©2013 Diario de Navarra

Punta Delgada é uma reserva de leões marinhos. Os adultos vão pro mar em busca de alimento e os adolescentes se estendem folgadamente ao sol… esta combinação lhe é familiar?

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Península Valdés, Patagonia – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

No passado recente estes animais quase foram extintos pela matança desenfreada. Felizmente, o governo tomou providências e hoje a região transformou-se em um parque protegido.

Caleta Valdés apresenta uma impressionante beleza e, entre fevereiro e abril, o dramático fenômeno da caçada aos lobos marinhos pelas orcas: surfam até a praia e os abocanham.

Península Valdés, Patagonia – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

Estes caminhos nos levaram a um mundo à parte, nos apresentaram uma vida rica! A adaptação ao clima, os diferentes costumes, a tosa das ovelhas, as grandes distâncias silenciosas são uma realidade desconhecida para nós, essa esquisita gente da cidade.

Transiberiana — o Mundo nos Trilhos

A Transiberiana, de Moscou a Vladivostok, uma das estradas de ferro mais longas do mundo, foi construída entre 1891—1916, pelos prisioneiros na Sibéria, principalmente. Foi uma obra monumental com florestas inteiras abatidas, rios desviados e centenas de pontes. O enorme custo de vidas humanas nunca foi revelado. É o mais importante meio de transporte na Rússia para exportação, turismo e passageiros domésticos.

Zarengold Beijing – Moscou ©LernIdee

Há três rotas principais:
• Moscou—Beijing via Mongólia, 7.621km;
• Moscou—Vladivostok, 9.289km;
• Moscou—Beijing via Harbin, Manchúria, 8.986km.
Os trens rodam nos dois sentidos. Podemos dizer que todos os caminhos de ferro levam à Transiberiana.

Estes trens públicos regulares fazem o trajeto entre 6 a 9 noites, parando rapidamente nas estações intermediárias. Passageiros perdidos nas estações são muito comuns. O passageiro também pode, claro, comprar separadamente os bilhetes para as cidades onde quiser pernoitar ou ficar mais tempo.

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Transiberiano em Erlian, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O filme “Transsiberian” — Brad Anderson, 2008 — retrata a viagem no inverno, época não recomendável para nós dos trópicos: chega a -50°C, ainda que a paisagem seja de tirar o fôlego. O filme dá uma idéia, nem sempre glamorosa, do ambiente no trem regular, pessoas de todos os tipos, níveis e temperamentos, além de constatar o atendimento até hostil das comissárias, aliás procedimento comum na Rússia, fora dos locais destinados a turistas.

Exclusivamente para turistas há os trens privados, à disposição dos passageiros, inclusive com pernoites em hotéis e permanência de até dois dias. Na rota Beijing—Moscou embarcamos no Zarengold, o charmoso trem dos Czares. O trem siberiano foi, desde sempre, sinônimo de elegância imperial: os garçons em black-tie, os passageiros em gala e a bebida oficial era o champagne da Geórgia.

Zarengold – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O Zarengold recebeu todo o conforto de um hotel, adaptando-se às exigências modernas. Há seis tipos de cabine. Nos extremos, a Standard, para 4 pessoas e 1 banheiro por vagão, e a Bolshoi Platinum, espaçosa para 2 pessoas e com banheiro privativo. Todas as refeições e algumas bebidas estão incluídas, bem como alguns passeios. O atendimento é muito bom, apesar de a tripulação só falar a língua russa, com exceção dos guias. Para a categoria Bolshoi há um excelente restaurante especial…

Zarengold, Restaurante Bolshoi – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

…bem como concertos e grupos de, no máximo, 8 pessoas para os passeios, além de farta degustação de vodka e caviar.

Zarengold – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Pegaríamos o trem em Beijing. É o trem chinês, com bitola especial, até a fronteira da Mongólia. Estivemos aqui em 2009; é impressionante o desenvolvimento de tudo neste curto espaço de tempo. A China está superlotada com 400 milhões de turistas… chineses! Sim, os nativos conseguiram permissão para viajar pelo próprio país, uma condição impossível na época de Mao e até recentemente.

Cidade Proibida, Beijing – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Agora, os chineses estão em todos os pontos turísticos e têm a preferência dos hotéis, pois até no Kempinski, uma das melhores redes do mundo, dificilmente algum funcionário fala inglês.

Jardim, Hotel Kempinski, Beijing – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Supreendentemente, o governo chinês suspendeu aquele embarque de turistas na Transiberiana, pois o trem fora requisitado para transportar altos funcionários. Como se pode fazer uma caipirinha de um limão, a Lernidee, nossa agência de viagens, substituiu, com muitas vantagens, o trem chinês por confortáveis ônibus e a compensação de 2 dias em Datong.

Também estivemos aqui em 2009, e a transformação do local é muito grande. Datong — com 1 milhão de habitantes era uma cidade pequena para os padrões chineses — tem agora mais de 3 milhões e até uma gigantesca muralha “antiga”, recém-construída para restaurar as glórias passadas da dinastia Wei há 1600 anos. Foi maravilhosa a surpresa de rever as cavernas dos Budas em Yungang!

Yungang, Datong – Copyright©2009 Rainer Brockerhoff

Impressionantes as imagens de até 15m, cavadas na montanha de arenito pelos monges no séc.V.

Yungang, Datong – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Estas imagens são espetaculares e, em um contraste especialíssimo com a sua grandeza, Buda nos transmite pelo olhar, pela postura, pelo gestual uma profunda sensação de calma. Este lugar está, para sempre, dentro da gente.

Yungang, Datong – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Mongolia — Transiberiana

Esta terra de grandes e cruéis conquistadores, como Genghis Khan, 1206, e Átila, o huno, era um grande império cobrindo partes da Rússia e da China. Hoje é uma soberania de estepes sem fim, de montanhas de pedra e de gente amável.

Genghis Khan – autor desconhecido

De Datong — China — chegamos à fronteira em Erlian. Na rodovia, estas curiosas esculturas em homenagem aos “nativos” descobertos pelos paleontólogos.

Dinossauros, Erlian, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Erlian é uma vila espalhada…

Erlian, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

… em torno dos trens do caminho transiberiano.

Estação de Erlian, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Repentinamente, não se sabe de onde, surgem dezenas de recrutas uniformizados que, agilmente, transportam as incontáveis malas para o Zarengold, trem privativo para turistas. As cabines não comportam bagagens volumosas. Então, a maior parte das malas é empilhada no estreito espaço entre os vagões. Assim, para aqueles turistas cujo maior prazer consiste no “peso” das malas, é uma decepção: roupas, preciosos adereços, mais sapatos etc. etc. ficam fechadinhos e inacessíveis!

Trem público, Erlian, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Mongólia recebe seus visitantes com um concerto de morin khuur, um instrumento típico com cabeça de cavalo e impressionante som gutural, uma técnica vocal chamada khoomei.

Hosoo & Transmongolia – vídeo Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Mongólia não tem saída para o mar, limita-se com o sul da Rússia e norte da China. É o pais menos densamente populado, com 3 milhões de habitantes; destes, 40% vivem na capital Ulanbataar. Em 1990, os mongóis conseguiram se livrar do comunismo, tornando-se uma república parlamentarista. O regime soviético arrasou os monastérios budistas tibetanos e mais de mil monges desapareceram. Essa ocupação comunista gerou situações curiosas: nossas duas guias frequentaram a universidade na Alemanha Oriental, formaram-se em engenharia e beneficiamento de couro e, por isso, falam alemão muito bem!

A mineração estrangeira de ouro, cobre, carvão e urânio tem devastado as terras, ameaçando, irremediavelmente, os camelos selvagens, ursos, gazelas e os últimos leopardos-das-neves do norte, além de gastar os recursos hídricos. O gentil povo mongol parece não saber avaliar as consequências destes danos ambientais. Certamente algo parecido aconteceu no Brasil; a terra sendo tão vasta, os campos e rios infinitos, as florestas densas pareciam perenes. Então pode-se, sem limites, gastar, queimar, cortar, vender para exploradores!

Às margens dos caminhos fitas coloridas amarradas às arvores e nas pedras empilhadas simbolizam pedidos e desejos; resquícios do xamanismo antigo.

Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

 

Mongolia — A Cultura Budista

Arruinados pelos comunistas, os templos foram reconstruídos e preservam a cultura, os bons costumes seculares. O budismo, por sua filosofia de inclusão, é a única saída — se houver — para o caos do mundo…

Gandantegchenling, Ulan Bator – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Escapamos do mufurufo de Ulan Bator, visitando a antiga residência de inverno de Bogd Khan, o último imperador antes da ocupação comunista. O palácio é, hoje, um inestimável acervo e uma história viva.

Palácio de Inverno, Ulan Bator – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Os bordados em seda são magníficos; neste museu, uma vivência muito rica dos costumes e cultura:

Palácio de Inverno, Ulan Bator – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O templo de Gandantegchenling / Гандантэгчинлэн (impronunciável! Aliás, estivemos em uma livraria sem sequer identificar uma só letra no alfabeto cirílico) é reverenciado:

Gandantegchenling, Ulan Bator – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Os monges recebem, aconselham qualquer pessoa que os procuram com mansidão e sabedoria, são excelentes terapeutas:

Gandantegchenling, Ulan Bator – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Mais tarde, o almoço em um fogão esperto:

Ulan Bator – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Saímos da cidade grande, ufa!, ansiosos para pernoitar no Parque Nacional Terelj, região apelidada de “Suíça da Mongólia”, a próxima parada. O pernoite em Ulan Bator é para quem curte compras e muita gente.

Mongolia — Sob a Luz das Estrelas

Zarengold permanece na estação, havendo as opções de pernoite no hotel em Ulan Bator ou no Parque Terelj. Escolhemos pernoitar sob a luz das estrelas no confortável acampamento. Esta escolha traz-nos surpresas: pode-se caminhar em todas as direções, absorver o por-do-sol, saborear lentamente os diferentes pratos no jantar, deitar na grama com o céu estrelado quase no nariz…

Camp Juulchin-Balayag, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O espetacular Parque Nacional Ghorki-Terelj é apelidado de Suíça da Mongólia. Até lá, “SÓ” paisagem! Envolvente silêncio, monumentos de pedras…

Gorkhi-Terelj National Park, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

…e este oportuno banheiro perdido no verde:

Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O parque está a 90km de Ulan Bator. A cidade vai ficando para trás; na saída, cavalos garbosos trotando ao lado de Mercedes-Benz. Logo, logo, o verde dos campos, a entrada do parque — uma das maiores áreas de vida selvagem protegida na Mongólia, apesar do avanço de acampamentos em vários pontos. Ao norte, no Khan Khentii, ainda há animais selvagens. Por aqui, os afáveis iaques.

Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A hospedagem neste acampamento é em iurte ou ger ; essas elegantes cabanas circulares nas planícies onduladas, é como estar num filme. Apropos, recomendamos o premiado documentário “Camelos Também Choram”, da diretora Byambasuren Davaa.

Gorkhi-Terelj National Park, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

No Camping Juulchin-Bayalag há este espaçoso iurte-restaurante, serviços de lavanderia, sauna e banheiros limpos.

Camp Juulchin-Balayag, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

ger é a casa dos nómades, é de fácil e rápida montagem e desmontagem. É bem aquecido; até dormimos com a porta aberta para refrescar!

Camp Juulchin-Balayag, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Visitamos uma das famílias nômades, experimentamos um tipo de creme de nata delicioso e a espontaneidade dos mongóis. Serviram-nos, também, o chamado airag, leite fermentado de égua, forte teor alcoólico. Tem um gosto entre doce e salgado, é mesmo o sabor da Mongólia.

Gorkhi-Terelj National Park, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O anoitecer é um momento inesquecível, ainda mais que não havia outros hóspedes. Nesta imensidão quieta, a espantosa luminosidade das estrêlas traz a boa e rara sensação de completude na despedida da Mongólia.

Camp Juulchin-Balayag, Mongólia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff