deus da carnificina (filme de Roman Polanski)

Baseado na peça teatral Le Dieu du carnage, da dramaturga francesa Yasmina Reza, aborda as relações humanas, com todas as incongruências, grandezas, temores e hipocrisia.

A interação das pessoas se complica porque cada um se conhece pouco e tem muito medo de fazer este mergulho.

O diálogo demonstra o endeusamento que os pais fazem de seus filhos e a dificuldade em assumir a inaptidão e a incapacidade de realizar a tarefa de botar alguém no mundo.

Na relação dos casais vem à tona aspectos ocultos, frágeis e, claro, cômicos. Roman Polanski ironiza muito bem a força do celular: “o guia de nossas vidas” na fala do personagem Alan. Transpondo para o cotidiano é patético verificar na academia pessoas com um haltere na mão e o celular na outra.

O filme pontua, também, aquela história antiga e malfadada da intromissão de pais em briga de filhos com colegas; aproveitam o pretexto para, até validamente, vomitarem — literalmente — suas angústias enquanto os meninos já aproveitam o recreio no parque.

O filme se passa numa sala de visitas e a gente só se dá conta disso muito depois que sai do cinema.

Músicas do Espinhaço e…

Parque das Águas Burle Marx, no Barreiro de Cima (Belo Horizonte) foi uma bela combinação na gostosa tarde de domingo, 2/6.

O parque é uma agradável surpresa, um oásis na cidade grande: extenso gramado cortado por minicanais de água, canteiros floridos, cascata, riachinho cantante e belíssimas árvores! Lá se realizam atividades físicas, bem cedinho, embaladas pelo canto dos passarinhos, conforme nos contou Denise, uma gentil moradora, que num gesto espontâneo e cordial se transformou em “guia” do parque.

A banda do Bernardo (+ Zé Mauro, Gustavo, Matheus e Rafael) apresentou músicas novas — “Janelas”, por exemplo, é um poema — e foi atraindo as pessoas que, antes dispersas, foram se aproximando, silenciando-se e, finalmente, dançando… momentos deliciosos.

Adrilene, eficientemente, teve a feliz idéia de estender toalhas coloridas no gramado, onde o pessoal se sentou e degustou maçãs e laranjas oferecidas pelo grupo; as crianças adoraram! Não é um luxo?

A música do Espinhaço faz jus às suas raízes mineiras, à Estrada Real e à nossa “cordilheira”. As letras são substanciosas, valendo por si mesmas, até independentemente da melodia. A afinação é um dos fortes da banda, além de os rapazes, liderados por Bernardo, sentirem-se em casa no palco e com o público.

O apoio da Prefeitura para a apresentação destes shows em parques é louvável, sendo um avanço na distribuição de cultura.

O Porto (filme de Aki Kaurismäki)

A trama do filme coloca-nos na ponta da poltrona em contínuo suspense!

A postura da mulher Arletty é de uma clarividência invejável: não impor ao parceiro uma situação dolorosa e irreversível.

O diretor finlandês mostra facetas do sistema frio e indiferente da migração; e, por isso mesmo, o genial Aki Kaurismäki considera o seu filme como um “conto de fadas”. Aos 10 anos, diz o diretor, desencantou-se da vida; adulto, tornando-se “cético e cínico”, optou, interessantemente, por roteiros ternos e cheios de esperança.

Marcel é o vilão adorável, cujo senso de humor (obviamente um sinal explícito de inteligência) dirige todas as decisões naquelas dramáticas circunstâncias. O chefe de polícia, profundo conhecedor da alma humana, é de uma grandeza ímpar, raramente encontrada em alguém que detém poder e autoridade.

Idrissa, o personagem central, tem uma sensibilidade tão determinada que até o cão a reconhece e o protege.

A solidaridade dos vizinhos dá uma inveja… aqui, também, é um “conto de fadas”…

O filme mostra, indiscutivelmente, as escolhas das pessoas: de um lado, a generosidade, a compreensão incondicional do desamparo do outro; em sentido contrário, o preconceito, a indiferença, a denúncia.

Qual a sua opção?

Meia-Noite em Paris

Woody Allen confirma, mais uma vez, a sua genialidade. O filme é riquíssimo pelas histórias paralelas de Hemingway, Dalí, Gertrude Stein, Picasso e muitos outros. A semelhança dos atores com os personagens é mais um ponto alto. A gente fica em suspenso na poltrona. Em cada encontro com os personagens do passado há um contexto especial e excitante. Conhecendo essas passagens, o filme se completa. As músicas são deliciosas.

Woody deve ter vivido muitas vezes aquela situação e, profundo conhecedor das ziguiziras humanas, retratou tão bem o personagem Gil Pender.

No meio daqueles americanos consumistas, superficiais e pedantes, Gil era mesmo um excêntrico. Também sensível, romântico e inteligente. Cada um nesta vida encontra a sua “turma” e Gil soube curtir, aproveitar as lições e a vida dos grandes escritores, artistas, gente bonita e interessante que não “aparece à meia-noite” para turistas idiotas… magistral a idéia de convidar a elegante e fina Carla Bruni. Quem mais conseguiria tamanha glória de levá-la a fazer uma ponta?

Como toda obra-prima, os insights posteriores continuam nos divertindo muito tempo depois da saída do cinema. A noiva de Gil tem os defeitos já apontados pelo poeta Trasíbulo Ferraz, na poesia “Orgulhosa”, cujo final se encaixa aqui. Gil encontra o caminho para os seus anseios e dúvidas; despacha, com firmeza e classe, a rica noiva:

Tola, vaidosa, atrevida
Soberba, inculta e banal.

 

Um Homem Que Grita…

…é um grito interior, triste, sem esperança, desesperadamente solitário.

O filme retrata a guerra civil no Chade. No país africano paupérrimo, populoso e, claro, o mais corrupto do mundo, os rebeldes se instalaram há 30 anos e, desde então, as novas rebeliões se sucedem. Em 2008, época do filme, o caos continua com multidões buscando saída para os países vizinhos.

O diretor nativo, Mahamat Saleh Haroun, de sensibilidade ímpar, também ferido numa das escaramuças, mostra sem retoques o cotidiano de uma família. É um mundo diferente, mas o drama, as injustiças, as desigualdades, o medo, a busca, as dúvidas, as traições, são comuns e presentes onde houver ser humano.

O filme é silencioso, duro, lento como o sofrimento, sem panos quentes. Deve ser visto.

O momento em que a atriz (ela própria, cantora) entoa um lamento no dialeto é emoção pura. Infelizmente, na platéia, algumas pessoas riem e conversam… estão muito aquém da profundidade do filme. Ou disfarçam o desconforto?

A cena final forte diz tudo, sem uma letra, sobre a inexorabilidade da vida… é uma imagem na retina para sempre.

Frida

Frida – A Biography of Frida Kahlo (Hayden Herrera, 1983).

A vida de Frida Kahlo é a mais arrojada ficção, ultrapassa qualquer criação imaginária.

As circunstâncias do acidente fazem refletir sobre a imponderabilidade da vida…

Frida e o namoradinho Alejandro pegaram um ônibus na tarde de 17/9/1925. Frida notou que havia perdido a sombrinha e desceram para procurá-la. Pegaram o próximo e logo depois se deu a colisão entre o bonde e o ônibus.

Frida quebrou a coluna em três lugares, a clavícula, a terceira e quarta costelas. A perna direita teve 11 fraturas, o pé direito foi deslocado e esmagado, o ombro direito deslocado, a pélvis quebrada em 3 lugares. O corrimão de aço atravessou a pélvis, empalando-a. Frida sofreu, pelo menos, 32 cirurgias. Na infância, já superara surpreendente e corajosamente, através de exercícios físicos, uma pólio.

Outra pitada surreal: alguém – provavelmente um pintor – trazia um pacote que estourou e um pó dourado cobriu o corpo ensanguentado de Frida, aí as pessoas gritaram “a bailarina! A bailarina!”

À época, Frida não encarou o acidente como tragédia; procurou direcionar, da melhor forma, a imobilidade forçada. Embora tivesse interesse em artes, a ambição maior era tornar-se médica. Como não podia nem sentar-se, decidiu aproveitar a “oportunidade” (expressão dela mesma) de estar por longo tempo na cama, pediu a caixa de pintura a óleo e pincéis que pertenciam ao pai e começou a pintar

Alice no País das Maravilhas

Vá ao cinema sem grandes expectativas, vá com disponibilidade para a aventura, para partilhar as peripécias de Alice com os seus amigos e inimigos, para se emocionar com o chapeleiro maluco e brincar de bandido e mocinho!

Uma curiosidade histórica: frequentemente os chapeleiros eram considerados malucos; eram experts em chapelaria de madames e, por isso, todas as excentricidades eram validas para agradar a “cabeça” feminina.

Talvez seja este o motivo mais forte da piração dos chapeleiros! 🙂 Porém, mais tarde descobriu-se que o infortúnio dos chapeleiros era causado pela absorção, pelas vias respiratórias, dos vapores de mercúrio, quando as peles para os chapéus eram curtidas.

Vamos ao filme: os efeitos especiais são engenhosos.
A versão de Tim Burton apresenta uma inteligente comparação entre os mundos: o dos sonhos e o mundo real. Daí a boa idéia de Alice já moça.

Nos sonhos, Alice aprende a lição fundamental: a escolha pessoal e intransferível de conduzir o próprio destino; certa disso, consegue vencer a hipocrisia e as convenções vazias do mundo dos lordes… o mesmo mundo de hoje.

O filme retrata bem a situação do casamento, ainda comum: é a porta de saída para a mulher, principalmente; através de um custoso evento social os pais concedem a alforria aos filhos; a partir daí os jovens embarcam numa relação, muitas vezes, insatisfatória; os corajosos conseguem se libertar e alçar vôo… é a grande façanha de Alice.

Ah! Não perca os créditos finais. São apresentados numa moldura, onde vão surgindo surpresas… os apressadinhos perdem…

Língua à Brasileira – S.O.S.

Pobre Língua Pátria! Assaltam cada vez mais o coitado do vocábulo plural: juntos.

Insistem em tirar-lhe a última e valiosa letra S!

Influência do Planalto Central, o comedor-mor de SSS?

Exemplos corretos, onde o plural é rigorosamente exigido:

  • Saímos juntos.
  • Meu namorado e eu moramos juntos/fomos morar juntos.
  • Fomos juntos/juntas ao cinema.
  • Assinamos o contrato juntos.
  • Os amigos foram ao aeroporto juntos.

Sempre que houver mais de uma pessoa ou coisa, usa-se o plural juntos/juntas.
Exemplos corretos:

  • As sandálias estão juntas embaixo da cama.
  • Coloquei juntos no prato o arroz e o feijão.
  • Sentaram-se juntos os noivos e os pais à mesa.
  • Os soldados e o povo cantaram o hino nacional juntos.
  • Faremos a peça juntos/juntas.

Se for singular, aí sim, será correto o uso junto (aqui sem s):

  • Vai sair? Irei junto com você (Veja o plural: iremos juntos/juntas até ao porto).
  • O casal voltou junto de táxi (Veja o plural: Os dois voltaram juntos de táxi).
  • O pessoal saiu junto em procissão. (Veja o plural: as pessoas sairam juntas em procissão).

Basta um pouco de atenção e o nosso Machado de Assis não levará tantos sobressaltos…