Rubem Alves

Filósofo, psicanalista, escritor, educador. Despediu-se da Folha de São Paulo no início do mês…

Da crônica “Ganhei Coragem” de Rubem Alves:

“Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”. Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: “O povo unido jamais será vencido”: é disso que eu tenho medo.

…a democracia é o governo do povo… Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere.

…O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras.  As mentiras são doces. A verdade é amarga. Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.

…os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis” por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

…uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado.

…O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

…Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.

…O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos… Mas, que posso fazer?

…Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol…). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos…

Ah! Uma Ilha…

Quero uma ilha!
Chega de mim
Chega de gente
Agregado ou
Dependente
É só armadilha
Mar sem trilha
Canoa sem quilha.

O tal ser humano
Ignorante ou letrado
É bicho complicado
Não tem saída
Desta louca corrida
Tal qual boiada
Solta, sem destino
Em busca do nada!

Basta
Gente madrasta!
A vida é boa
Brisa na proa…
Sejam agora
Jogados fora
Os chatos, os mal-amados
Sem demora afogados
Todos os mal-acabados…

Copyright©2011 Maria Brockerhoff

Jardinagem: A Solução Verde

The Butchart Gardens — um lugar especial onde existem 5 estações: primavera, verão, outono, inverno e… natal!

Está localizado na costa oeste do Canadá, em Vancouver Island. A antiga mina de calcário e fábrica de cimento da família Butchart transformou-se, gradualmente, em um paraíso pela idéia original e trabalho incansável de Jennie Butchart, que se rebelou contra a aridez do terreno.

É indescritível a emoção de percorrer aquelas alamedas. Basta dizer que se alguém tiver apenas um dia no Canadá, a visita ao Butchart Gardens vale a viagem!

Clique aqui para ter uma pálida idéia dos 220 mil metros quadrados deste jardim.

O Porto (filme de Aki Kaurismäki)

A trama do filme coloca-nos na ponta da poltrona em contínuo suspense!

A postura da mulher Arletty é de uma clarividência invejável: não impor ao parceiro uma situação dolorosa e irreversível.

O diretor finlandês mostra facetas do sistema frio e indiferente da migração; e, por isso mesmo, o genial Aki Kaurismäki considera o seu filme como um “conto de fadas”. Aos 10 anos, diz o diretor, desencantou-se da vida; adulto, tornando-se “cético e cínico”, optou, interessantemente, por roteiros ternos e cheios de esperança.

Marcel é o vilão adorável, cujo senso de humor (obviamente um sinal explícito de inteligência) dirige todas as decisões naquelas dramáticas circunstâncias. O chefe de polícia, profundo conhecedor da alma humana, é de uma grandeza ímpar, raramente encontrada em alguém que detém poder e autoridade.

Idrissa, o personagem central, tem uma sensibilidade tão determinada que até o cão a reconhece e o protege.

A solidaridade dos vizinhos dá uma inveja… aqui, também, é um “conto de fadas”…

O filme mostra, indiscutivelmente, as escolhas das pessoas: de um lado, a generosidade, a compreensão incondicional do desamparo do outro; em sentido contrário, o preconceito, a indiferença, a denúncia.

Qual a sua opção?

Músicas do Espinhaço e…

Parque das Águas Burle Marx, no Barreiro de Cima (Belo Horizonte) foi uma bela combinação na gostosa tarde de domingo, 2/6.

O parque é uma agradável surpresa, um oásis na cidade grande: extenso gramado cortado por minicanais de água, canteiros floridos, cascata, riachinho cantante e belíssimas árvores! Lá se realizam atividades físicas, bem cedinho, embaladas pelo canto dos passarinhos, conforme nos contou Denise, uma gentil moradora, que num gesto espontâneo e cordial se transformou em “guia” do parque.

A banda do Bernardo (+ Zé Mauro, Gustavo, Matheus e Rafael) apresentou músicas novas — “Janelas”, por exemplo, é um poema — e foi atraindo as pessoas que, antes dispersas, foram se aproximando, silenciando-se e, finalmente, dançando… momentos deliciosos.

Adrilene, eficientemente, teve a feliz idéia de estender toalhas coloridas no gramado, onde o pessoal se sentou e degustou maçãs e laranjas oferecidas pelo grupo; as crianças adoraram! Não é um luxo?

A música do Espinhaço faz jus às suas raízes mineiras, à Estrada Real e à nossa “cordilheira”. As letras são substanciosas, valendo por si mesmas, até independentemente da melodia. A afinação é um dos fortes da banda, além de os rapazes, liderados por Bernardo, sentirem-se em casa no palco e com o público.

O apoio da Prefeitura para a apresentação destes shows em parques é louvável, sendo um avanço na distribuição de cultura.

Atacama e Salar de Uyuni

Os desertos são caprichosos e cheios de mistérios. O Saara, na Líbia/Tunísia, o Vale da Morte no Mojave (Califórnia) e, agora, o Atacama são majestosos e impressionantes. Os desertos de sal de Uyuni e o Chott el Djerid (também na Tunísia) nos deixam sem palavras diante daquela imensidão luminosa.

A cidadinha de San Pedro de Atacama, construções do Séc.XVI, conseguiu manter suas construções baixas em adobe e pedras avermelhadas do deserto com as ruas cobertas de areia e cheias de sotaques de todas as partes. A igreja tem um teto de cactus e é coberta com um tipo lustroso de sapé.

Cheia de simbolismo, a bandeira de quadradinhos coloridos representa os povos indígenas do Chile, Peru e Bolívia.

Em San Pedro de Atacama o “tour astronômico do francês” é a atração noturna. Lá estão todas as estrelas escondidas nas cidades grandes. O cara é bem didático, bem-humorado e tem dez telescópios de boa qualidade. No sítio, com luzes na penumbra, as estrelas, favorecidas pela altitude e pelo ar limpo e seco, são escandalosas em luminosidade! Ao final, na sala acolhedora, um chocolate quente deixa o frio lá fora. O ônibus (transporte incluso) deixa cada um no seu hotel, não é um luxo?

A viagem de ida e volta — San Pedro/Uyuni — é uma maratona de aventura em 4×4, entre montanhas coloridas, areias de veludo, lagunas esmeralda, vermelha, cristalizada e gostosas termas a 38°C. Em contínua vigilância, os vulcões em 360 graus com os picos nevados; um deles expelindo fumarola traz excitação e, incrivelmente, relaxamento.

O sol brilha forte durante o dia, resfriando à tardinha com o vento constante. No deserto, o esquema é “de cebola”: tira e põe camadas de agasalhos, camisetas, chapéus, luvas, etc. etc..

Os hotéis são bons para os níveis da Bolívia. Estavam enfrentando racionamento de gás. Servem café solúvel (importado do Brasil!) ao invés de fresco/feito na hora, biscoitos/bolachas do tipo água e sal, parece o continental dos americanos. A comida é boa, há sempre a cheirosa e escaldante sopa; os atendentes são atenciosos e amáveis. No Chile, o desayuno já é bem mais farto e variado.

Há quatro “refúgios”, hotéis administrados pelos pueblos indígenas; ficamos no Tayka del Desierto, que já tem aquecimento solar. Contudo, há de se levar em conta as diferenças entre o nosso “paístropical” e a altitude de 4600m. Por exemplo, a recepcionista, quando lhe perguntaram naquela noite de 4°C, se costumavam acender a lareira, respondeu prontamente:

— Acendemos, sim. No frio!!

O hotel de sal é muito interessante, com o piso em sal crocante, esculturas, lareira, tudo salgado! Para brasileiros, para quem a água congela a 15°C (este é o chiste que rola por lá), o pernoite… bem, o pernoite já é outro desafio, vencido com os fartos cobertores, incluindo o de orelha. 😉

Nossa agência, Andarilho da Luz, escolheu um roteiro criterioso, com os “highlights” da região, brindando-nos, ainda, ao final da tarde com um delicioso Carménère e guloseimas.

Atacama e Uyuni são lugares fortes, a natureza desafiadora, merecendo um olhar cuidadoso, momentos de reflexão e gratificante silêncio.

 

deus da carnificina (filme de Roman Polanski)

Baseado na peça teatral Le Dieu du carnage, da dramaturga francesa Yasmina Reza, aborda as relações humanas, com todas as incongruências, grandezas, temores e hipocrisia.

A interação das pessoas se complica porque cada um se conhece pouco e tem muito medo de fazer este mergulho.

O diálogo demonstra o endeusamento que os pais fazem de seus filhos e a dificuldade em assumir a inaptidão e a incapacidade de realizar a tarefa de botar alguém no mundo.

Na relação dos casais vem à tona aspectos ocultos, frágeis e, claro, cômicos. Roman Polanski ironiza muito bem a força do celular: “o guia de nossas vidas” na fala do personagem Alan. Transpondo para o cotidiano é patético verificar na academia pessoas com um haltere na mão e o celular na outra.

O filme pontua, também, aquela história antiga e malfadada da intromissão de pais em briga de filhos com colegas; aproveitam o pretexto para, até validamente, vomitarem — literalmente — suas angústias enquanto os meninos já aproveitam o recreio no parque.

O filme se passa numa sala de visitas e a gente só se dá conta disso muito depois que sai do cinema.

Índia Rego

Pedido

Deixem que eu seja eu
O eu que sonhava ser
Não este eu de mentira
Que todos me obrigam a viver!

Que caia a máscara usada
E surja a face desnuda;
Que, embora em pranto lavada,
Minh’alma não seja muda.

Deixem que eu seja eu
Não importa boa ou má:
Aquela que sei que sou
E que não sei onde está.