África do Sul – A Rota Jardim #4

  • Swartberg Pass – saímos para o passeio ainda com a névoa cobrindo as montanhas. Este lugar superaria qualquer expectativa em grandeza, força e imensidão.
    A estrada e a alta muralha de pedras coloridas que a delimita foram muito bem construídas em 1877-88, por prisioneiros. Apesar de árduo e intenso, o trabalho era muito disputado por ser ao ar livre, ter refeições fartas e desconto na duração da pena.
    A “lavoura” de Protea — a flor símbolo da África do Sul – enche as encostas de pétalas coloridas e, apenas nesta época, brancas. A diversidade da floração lembra a do cerrado brasileiro.
    O guia africâner e geólogo tem uma Van em sociedade com o motorista. Aqui, segundo ele, predomina o negócio próprio. Os empregados ganham mal e nos empregos públicos a prioridade é dos blacks.
    O Swartberg Pass serpenteia até o topo a 1530m e desce em dramáticas contorções até Prins Albert, oferecendo vigorosas caminhadas. Vimos, em muitas rochas, incontáveis conchas e fósseis marinhos.
    Penhascos, aclives, cortes circulares em camadas de quartzito colorido confirmam os movimentos geológicos; é como se esta região tivesse sido sacolejada em um liquidificador por diversas vezes. Essa vívida figura de linguagem do geólogo se apresenta diante de nós numa magnífica realidade.
    Swartberg Pass guarda, entre outras, a Meiringspoort: uma cachoeira que despenca lá do alto numa enorme bacia redonda e se espraia pedreira abaixo. Suas águas límpidas e frias recompõem a energia, transmitem calma e bem-estar.
  • Prins Albert – no vale da montanha Swartberg está a cidadinha fundada em 1762; produz o melhor presunto cru — jámon espanhol — da África do Sul. Almoçamos no Lazy Lizard, um restaurante simples com a melhor comida da qual nossas papilas guardam o sabor. Pelas artes do destino, o peruano Juan Pastrana encontrou em Buenos Aires uma sulafricana e, há anos, dirigem muito bem o melhor restaurante nestas bandas. Os pratos são variados, saborosos, fartíssimos. Além dos doces de frutas, tortas, merengues, a sobremesa inclui deliciosos e suculentos figos roxos.

África do Sul – A Rota Jardim #3

  • P1090553Cango Caves — as cavernas estão a 29 Km de Oudtshoorn, numa variante da “Garden Route“. Serviram de abrigo para os povos ancestrais da África do Sul por mais de 80 mil anos, antes da descoberta em 1780. É um lugar incomum. Aqui, diante das espetaculares e coloridas formações de estalactites e estalagmites, a gente se sente um ratinho.
    P1090552Esta coluna, jovem de 275 mil anos, inspira reverência. As outras figuras impõem silêncio cheio de admiração. Aliás, é a postura única e possível naquelas profundezas.
    Na década de 60 foram realizados concertos ali e, quando foram suspensos, os danos dos atos de vandalismo eram irreparáveis. O controle de visitantes é alternativa de preservação. Grande parte da vida na caverna já morreu, como na nossa Gruta de Maquiné (MG), infelizmente. Nas seções mais profundas, onde há ainda formação de estalactites e estalagmites e, num efetivo cuidado para preservá-las, as visitas são proibidas.
    Recebemos um presente da guia: apagou as luzes — exceto uma pequena lanterna — e, afinadíssima, cantou N’kosi Sikelele’ iAfrika, o hino da África do Sul, seguindo simples e espontaneamente a inspiração, fora do “programa oficial”. Guia Mathilda Ewerts, nós a bendizemos mil vezes!
  • P1090679Swartberg — uma moldura para Oudtshoorn. O hotel Swartberg Country Manor é um jardim ao pé das montanhas. A cerca viva, em toda a extensão, é de lavanda/alfazema; a gente só acredita quando aquele cheirinho azulado enche a tarde e chega à varanda. A comida é muito saborosa; o restaurante, à parte da casa central, no meio do gramado de veludo. Uma das sobremesas é “waffle” ainda quente com sorvete e creme de amarula!
    P1090693As árvores são centenárias e uma figueira, com galhos até o chão, está cheia de frutos macios, já abertos de maduros e pudemos degustá-los, ali mesmo. Os agaves ficam cheios de caramujos para um farto café da manhã.
    Os hibiscos parecem nativos do hotel, são gigantescos e despencam em cachos.
    P1090684Aqui tem uma multidão de pássaros. No final do dia fazem uma festa, uma movimentação inusitada nas árvores e palmeiras. Melodiosos, os passarinhos pulam pra lá e pra cá sem parar; é como se, de repente, chegassem ao ninho ou parceiro errados… saem em disparada e voltam mais uma vez!

África do Sul – A Rota Jardim

A rodovia — The Garden Route — é um colar de paisagens inesperadas. A N2 corta o sul entre Port Elizabeth e Cidade do Cabo, interligando montanhas, parques, cachoeiras, canyons, praias e cidadinhas.
A Rota Jardim foi habilmente traçada ao pincelar o litoral do Índico com dramáticos recortes de pedra e a renda das ondas.

Aqui, basta deixar-se levar…  nada de guia, de “explicação” de paisagens! Aliás, cada vez mais e, infelizmente, fotos e obras de arte são legendadas; peças de teatro, filmes, etc. são descritos… isto significa ver pelos olhos do outro! Fica-se com uma leitura de segunda mão.
Assim, perde-se o prazer indescritível da surpresa absoluta da primeira vez… aqueles poucos e preciosos segundos de encantamento, antes de qualquer definição em palavras! São momentos inefáveis de emoção antes dos substantivos e adjetivos.

  • A baía de Jeffrey é uma praia de surfistas; a pequena cidade tem ótima estrutura, premiada com altas ondas convidativas. É beleza a perder de vista.
  • Tsitsikamma é um parque muito bem preservado, com passarelas, cortado por canions e abriga a celebrada árvore mais velha da África, belíssima nos seus 1000 anos. Animador ver os filhotes arbustos ao redor. No Tsitsikamma, a foz do Rio Storms forma um conjunto espetacular de canions, florestas e bravas ondas do mar; a soberba ponte pênsil tira o fôlego. Nesta época as águas do Índico ficam avermelhadas devido à proliferação de um tipo de algas… o resultado é inacreditável!
  • Plettenberg, a praia na cidade mais rica da África do Sul. Ironicamente, perto dali, há um grande aglomerado de barracos, moradia dos trabalhadores de hotéis, restaurantes, etc.. Plett — é o apelido — recebe os turistas mais abonados, que podem escolher os mais variados esportes aquáticos. E as casas são hollywoodianas.
  • Knysna — pronuncia-se “naisna” — é a região formado pelo estuário do rio homônimo. O lago Knysna deságua no Oceano Índico e tem belas praias, ilhas, marinas com elegantes iates. A recepção do hotel Belvidere Manor, às margens do lago, é uma antiga fazenda com varandas na parte menor de um retângulo. De cada lado, chalés confortáveis e, no centro, um gramado com gazebo, piscina e jardins que se estendem até o lado. Mesas para o coquetel de ostras — o forte da região — e jantar de boas-vindas à luz das estrelas. Sim, dá pra ouvir e vê-las!
    A cidade de Knysna é uma pequena Veneza. No cais, pode-se encontrar um artesanato finíssimo. A “Porcupine” é uma fábrica de talentos em cerâmica Raku; a “Original Metal Art” é um assombro!
    Antiga mina de ouro/1876, hoje a região é um tesouro para quem curte caminhadas pelas Montanhas Outeniqua e outros prazeres da natureza generosa.

Viagem na Sexta

O piloto: Cassiano Ricardo — 1895-1974. Embarque neste…

Soneto da Ausente

É impossível que, na furtiva claridade que te visita sem estrela
nem lua
não percebas o reflexo da lâmpada
com que te procuro pelas ruas da noite.
É impossível que, quando choras, não vejas que
uma das tuas lágrimas é minha.
É impossível que, com teu corpo de água jovem,
não adivinhes toda a minha sede.
É impossível não sintas que a rosa
desfolhada até os pés, ainda há um minuto,
foi jogada por mim, com a mão do vento.
É impossível não saibas que o pássaro,
caído em teu quarto por um vão da janela,
era um recado do meu pensamento.

África do Sul – A Rota Jardim #2

Continuando na “Garden Route“:

  • P1090498Wilderness — a rodovia N2 corta a montanha Outeniqua até Wilderness, perto da cidade de George. Wilderness é pequena e serpenteia pelo morro, cheia de cascatas, trilhas e montanhas. As praias são limpíssimas, desertas e a areia cor de neve.
    As águas cristalinas cobrem milhares de caramujos coloridas passeando por ali; um deles, certamente trazido pelas ondas, estava bem longe do mar, já afundando na areia fofa. Ah! Foi uma dupla alegria — a minha e a dele — a retomada do fôlego ao cair na água. Aqui, a galeria de arte de Peter Pharoah é impressionante e inusitada.
  • Little Karoo — de George, pela N2, chega-se a Oudtshoorn, conhecido centro de criação de avestruzes e emas, desde 1860, por imigrantes judeus. A região é semidesértica e, por isso, essas aves enormes estão muito bem lá.
    P1090530Nas fazendas, há currais divididos com vegetação própria para cada etapa do desenvolvimento das aves. É interessantíssimo o processo de criação dos pintinhos, que ao saírem das dezenas de incubadoras são adotados por Jack e Suzy, um casal de pai-e-mãe-avestruzes. O avestruz Jack e a avestruz Suzy, cuidadores dos filhotes, transmitem aos recém-incubados os hábitos ancestrais da espécie.
    As/os avestruzes são muito agressivas e capazes de matar um leão à unha, a sua possante defesa. Essas aves tem o pescoço, esôfago e traquéia móveis, assim podendo girar sua cabeça 360° para cada lado e engolir pedras e tudo que vir pela frente. Os ovos suportam peso de até 150 Kg.
    P1090532O negócio já passou por altos e baixos mas os resultados positivos são maiores. Os “barões das plumas” construíam palacetes — vimos um deles, de 1910, ainda bem conservado — com os lucros da exportação de plumas coloridas para as madames de todo o mundo. Sempre foi bom negócio investir na vaidade feminina! 🙂
    Da avestruz se aproveita tudo. As bolsas de couro são caríssimas. O restaurante serve a suculenta carne e ovos ali mesmo do quintal.

África do Sul – KwaDukuza

É a terra do lendário rei Shaka Zulu. Essa região, próxima de Durban, é um livro de história da África. Os respeitáveis Zulus trazem consigo rica herança de crenças e costumes. Estão na raiz do povo sulafricano. Nos 1800s a batalha entre os Zulus, os Boers — fazendeiros holandeses — e os ingleses pelos “direitos” da terra foi feroz; a determinação do rei Shaka foi vital para a sobrevivência dos Zulus.

Shaka reinou de 1816 a 1828. Na conquista de novos territórios, há registro de massacres cruéis de tribos vizinhas, dispersando-as em grandes migrações. Por outro lado, parecia ser um visionário progressista e uniu o povo Zulu; levou desenvolvimento e bem-estar aos súditos. A partir da influência funesta de dois inglêses canalhas e desonestos a serviço do governo inglês, o reino despencou morro abaixo, quando Shaka foi assassinado pelas costas por seus dois meios-irmãos e um auxiliar de confiança.

Na cidade de KwaDukuza, parecida com Contagem/MG, há um museu e monumento dedicados a Shaka; conservam, também, a pedra onde se sentara para meditar e na qual foi morto.

O nome antigo de KwaDukuza era Stanger; nota-se o interessante processo da troca de nomes europeus para os de língua nativa, aliás, por toda a África do Sul. É um ótimo sinal da recuperação da cultura, da estima e das raízes dos legítimos donos da terra. Os Zulus estão na África do Sul desde 250 d.C.

Perto dali, Hermannsburg, um pequeno povoado com uma excelente escola de ensino maternal, fundamental e médio. É muito bem organizada, são sobrados arejados, cercados de extensos campos de gramas e jardins à margem de um lago. A escola foi fundada por 8 missionários e 6 fazendeiros alemães em 1857. Funciona até hoje. São luteranos mas não há restrição a qualquer culto.

A limpeza faz gosto! Há piscina, quadras de esporte e internato. Os pais tem condições financeiras para os custos escolares e o ensino é de alto nível. Frequentemente os alunos vão para a Alemanha, sendo diretamente aprovados no “Abitur”, uma espécie de vestibular.

O museu da escola é uma viagem pelo túnel do tempo; revela o trabalho árduo, contínuo e determinado destes pioneiros. Ainda que questionável o despropósito de qualquer catequização os benefícios resultantes da cultura alemã são visíveis.

Os alunos Zulus e Africâners estudam inglês, africâner e alemão. Essa convivência mista, impensável há apenas 20 anos, é um grande avanço; contudo, a convivência de igual para igual ainda demorará muito. Parece que os africâners se sentem, ainda, os reis da cocada preta…

 

Brasil, um grande lixão?

É desanimador o resultado da celebração do reveillon. As pessoas saem às ruas para a festa de passagem do ano, bem vestidas, confraternizam-se, fazem planos e projetos, têm alegres expectativas… e o saldo em 2014? Centenas de toneladas de lixo nas ruas, praias e praças!

O Estadão, em maio/2013, publicou os dados alarmantes: as cidades brasileiras não cuidam do lixo. Por ano, são 168 (!) estádios do porte do Maracanã cheios de lixo despejados em condições impróprias, em lugares inadequados.

Em 1876 o francês Aleixo Gary criou o serviço de limpeza de rua no Rio de Janeiro, que só mais tarde passou para a administração municipal. Os coletores de lixo foram denominados “garis” em homenagem a este visionário, que não ficaria nem um pouco satisfeito ao constatar a situação do lixo no Brasil. Mais de um século depois, a cidade do Rio de Janeiro está em 9º lugar entre as 20 cidades mais sujas do mundo. Mais de um século depois, nós brasileiros não conseguimos fazer o ato mais simples, rudimentar, primário e elementar da civilização: colocar o lixo no lixo.
A consequência deste comportamento leva à irrespondível dúvida: se não conseguimos compreender e executar este ato básico, seremos capazes de exercer a cidadania? Haverá possibilidade de o povo brasileiro se desenvolver dignamente?

O primeiro sinal do grau de cultura e civilidade de um povo é a limpeza dos espaços públicos. Tóquio está em primeiro lugar na lista das cidades mais limpas do mundo. Vimos lá grupo de pessoas recolhendo, se houver, um mínimo de lixo às margens do rio, nas ruas e praças. Isto é uma rotina das famílias japonesas. Vimos, pela manhã, os proprietários de lojas e restaurantes limpando a poeira da porta de seus estabelecimentos. Aqui, “neste país”, quando alguém varre as calçadas, joga o lixo na rua, nos bueiros.

Nas copas do mundo de futebol, as equipes de limpeza entram nos estádios imediatamente após os jogos para recolher o lixo. Em 2006, na Alemanha, os garis tiveram uma grande surpresa: no lado da torcida japonesa não havia, sequer, um papelzinho de bala nas arquibancadas. Este fato nos traz uma ínfima e desesperada esperança:

Se outros povos podem, se outros conseguem, por que não os brasileiros?

África do Sul – Port Elizabeth

Voamos de Durban para Port Elizabeth. Os aeroportos  são muito amplos, arejados, com ótimos serviços a preços normais; parece não ser comum $explorar$ o passageiro nos restaurantes e adjacências.

Port Elizabeth ou “pi-i” (P.E.), como os nativos a apelidaram, é um dos melhores portos da África do Sul. A cidade é muito agradável, limpa, com pitorescos e belos edifícios em estilo vitoriano à beira-mar, as calçadas e ruas bem largas e belíssimos jardins. O nome é uma homenagem do governador inglês, em 1820, à esposa Elizabeth, que morreu muito jovem — em africâner, chama-se “Die Baai”. Já em 1488 o português Bartolomeu Dias passou por aqui; na navegação, a região era conhecida como lugar de água fresca.

P1090350Esta região é de gente muito rica. O espaçoso e confortável hotel era uma antiga residência. Os lençóis tem o nome/endereço 39 on Church bordado à mão em ponto-cheio perfeito. Os quadros de flores e especiarias são da melhor qualidade. De bom gosto, as toalhas verdes com bolas brancas no restaurante; daqui, a vista da piscina com uma explosão de azaléias… a sala de estar com macias poltronas tem um rico acervo de arte e literatura. Ao lado, um aconchegante “pub”, do próprio hotel, para uma boa conversa e bons uísques.

As pessoas recebem os turistas amigavelmente e a convivência entre os brancos e os “black” e “colored” já está superando os conflitos passados, tendo a população não-branca alcançado, em geral, um nível muito melhor do que no Brasil. Uma simpática garçonete black nos falou sobre o filho na universidade. Tem uma situação confortável, não se casou e diz estar muito bem assim… 🙂

Interessante é que as mulheres não alisam os cabelos, não fazem chapinha, apliques ou outras mazelas. Vimos, nas ruas, cabelos trançados em verdadeira arte, anelados, enroscados, ao vento! Todos muito bonitos e cheios de charme. Parece haver uma valorização das peculiaridades das raças e características das etnias.

P.E., além dos safaris, é a capital dos esportes aquáticos, os naufrágios e os corais fazem a festa para os mergulhadores nas águas mornas do Índico. O Nelson Mandela Bay Stadium — copa de 2010 — é uma beleza.

A Art Route 67 é uma atração, principalmente pelos mosaicos e os recortes em metal das figuras de Mandella com crianças. Significativa é uma escultura de uma mulher africana segurando uma cadeira… fica a cargo de cada um a interpretação. Para nós, é um gesto refletindo a grandeza de servir, de cuidar.

Port Elizabeth tem uma localização privilegiada na Algoa Bay, sendo ponto de chegada ou partida da “Rota Jardim” — Garden Route, uma das mais belas rotas turísticas do mundo.