Olho por olho…

Engolir o sapo ou a justiça estrita do dente-por-dente? Nas irônicas circunstâncias desta história, o grande escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), em O Idiotaaponta a saída…

…estou sòzinho no vagão. Fumar não é proibido mas também não é permitido; ou seja, é semipermitido, como de costume; e isso dependendo da pessoa. A janela está aberta. De repente, instalam-se duas damas com um totó, bem à minha frente; chegaram atrasadas; uma estava vestida de forma mais elegante, de azul claro; a outra, mais simples. Eu sou bem apessoado, elas olham com desdém, falam inglês. Eu, é claro, não ligo; continuo fumando para fora da janela. O totó está no colo da senhora de azul claro, é pequeno, cabe na minha mão, preto, patinhas brancas, até uma raridade. Coleira de prata com uns dizeres. Eu não ligo. Observo apenas que as damas, parece, estão zangadas com o charuto, é claro. Uma aponta para mim o lornhão, de osso de tartaruga. Não falam nada mesmo! Se avisassem, se pedissem, porque para isso existe finalmente a linguagem humana! No entanto, se calam […] Sem o mais mínimo aviso, todavia como se tivesse ficado totalmente louca, a de azul claro me arranca da mão o charuto e o joga pela janela. O trem voa, fico olhando como um louco. Uma mulher selvagem; selvagem mulher, os olhos brilham na minha direção, e eu, sem dizer palavra e com uma gentileza incomum, com a mais perfeita gentileza, gentileza refinada, por assim dizer, aproximo dois dedos do totó, pego-o delicadamente pela nuca e o arremesso janela afora atrás do charuto! Ele dá apenas um ganido! O trem continua voando…

Preciosa — o filme!

O diretor e autora do livro formaram uma parceria de talentos. Ambos transformaram o sofrimento de suas vidas em arte e catarse! Deve ser visto.

De Philadelphia (USA), Lee Daniels teve uma infância duríssima. O violento pai policial jamais aceitou a homossexualidade do filho. Inteligente e sensível, o jovem superou inúmeros obstáculos. Tornou-se competente diretor ou produtor de outros bons filmes: A Última Ceia (2001), O Lenhador (2004), Os Matadores de Aluguel (2005), Tennessee (2008) e O Mordomo da Casa Branca (2013).

PF2500Lee Daniels sempre considerou o cinema europeu intrigante e detesta, em geral, o cinema americano. Não pensa em fazer filmes para as massas. O objetivo, para ele, é levar o espectador à reflexão. Especialmente quanto ao Preciosa (2009), revelou: “retrata o meu mundo, é uma tentativa de cicatrizar as feridas deixadas pela conduta abusiva do meu pai.

Oprah Winfrey, coprodutora, revela a aprovação cheia de entusiasmo ao exclamar, na estréia:

It was primal! Wow!

PF1500Gabourey Sidibe — a excelente atriz principal — foi escolhida entre 500 candidatas. Foi o primeiro filme e até o dia anterior era estudante de psicologia e recepcionista.

A comediante Mo’Nique, também com uma parcela de abusos na infância, interpreta muito bem a mãe, cúmplice nos tormentos familiares.

O filme foi baseado no livro Push de Ramona Lofton, nascida na Califórnia; retrata alguns traços autobiográficos e o comum na vida de muitas filhas. Ramona passou a se chamar Sapphire e mora em Nova York.

A autora Sapphire foi professora por sete anos numa escola alternativa no Harlem, tal como no filme. Essa experiência torna o filme ainda mais duro e desnuda um submundo no qual mulheres vegetam sem ao menos saber que são pessoas. Perversamente a situação é quase sempre alimentada por outras mulheres.

O filme Preciosa — irônica provocação de ser este o nome do meio da protagonista “Claireece Precious Jones” — é uma intrigante mistura de feiura, violência, redenção e esperança.

A princípio, Preciosa não conseguia formular uma frase com sujeito e verbo, nem mesmo no dialeto do Harlem. Aí, o talentoso diretor Lee Daniels segue as pegadas magistrais de Sapphire ao mostrar o lento e significativo progresso da fala de Preciosa: a fase do balbucio equivale ao não-ser; ao elaborar frases, torna-se pessoa.

É uma transformação de dentro para fora e tornou-se possível quando, através dos rudimentos da escrita, algumas meninas percebem uma fresta dentro de si mesmas. Com a ajuda imprescindível e paciente da dedicada professora — interpretada por Paula Patton — Preciosa começa a descobrir, contra todas as expectativas, forças para buscar outro caminho.

O filme escancara as relações familiares nos moldes estabelecidos desde sempre. Não há, praticamente, homens; é um universo de mulheres onde se revela a crueldade dos adultos. A exposição da comunidade do Harlem, que Sapphire conheceu bem, é o retrato da hipocrisia familiar, do mito da inata disposição materna, da ignorância absoluta dos deveres paternos.

Aplicável ao quotidiano a explicação da professora para as suas alunas:

esta escola [a armadilha familiar, dizem as Erínias] é uma porta giratória, umas conseguem sair… outras não…

Impressões de Viagem: Islândia

As Erínias também estão fascinadas com as erupções na ilha. É esta mistura de assombro e encantamento, que alimentou o sonho de infância de Alecto, que intrigada percorria os paises mais distantes e exóticos num velho e mágico Atlas…

Aquela pequena ilha perdida no oceano Atlântico, dependurada no círculo Polar Ártico, era a misteriosa terra do gelo, dos vulcões, das cascatas de água fervente brotando das fendas. Naquela época, a Islândia ficava, ainda, mais longe e inacessível para o dedo bem pequeno, que viajava naquelas páginas…

Como todo desejo costuma se realizar, as Erínias, numa clara manhã, temperatura média em julho de 2°C, aportaram em Akureyri para os revigorantes banhos em água sulfurosa, abertos desde o ano de 1300; são divisões das placas continentais que expelem águas sulfurosas a mais de 130°C; antes de chegar às piscinas naturais precisam ser resfriadas; a água azulada com a consistência cremosa de xampu provoca uma deliciosa sensação! Dos poços sulfurosos a vista das rochas vulcânicas multicoloridas naquela imensidão vazia…

As usinas geo-térmicas estão funcionando a todo vapor. 🙂 A água quente na Islândia é praticamente gratuita e distribuida à vontade; a energia elétrica tem duas fontes: termo-életrica(vapor) e hidro-életrica(represa), portanto é muito barata e não poluente. O ar é puro e, quase, não existe poluição. Que ironia agora!

Há um programa do governo, já bem adiantado, para substituir o diesel pelo hidrogênio; já funcionam ônibus movidos a hidrogênio.

A Islândia é a democracia mais antiga da Europa; eleições há mais de MIL anos; a penúltima presidenta ficou 16 anos (muitos políticos por aqui ficariam verdes de inveja),  escolhida em eleições livres sem manobras, manipulação ou outros tipos de pressão conhecidos nestas pl(r)agas sul-americanas; até bem pouco tempo não havia residência “oficial”; os presidentes continuavam a morar na própria residência.

O atual presidente foi reeleito e, possivelmente, irá para o terceiro mandato por única vontade popular! Há, sim, muitos partidos políticos, que se interessam pelo bem estar da população; alguns se limitam a um único município. É comum, na Islândia, um governo de coalização.

A capital Reykjavík é bem arborizada, apesar de as árvores crescerem mais vagarosamente por causa do vapor d’água sulfurosa. Em plena praça, há fontes que exalam vapor. A cidade é moderna mas conserva, com cuidado, a parte antiga do centro e algumas casas ainda são originais (1786). A antiga prisão é hoje o escritório do primeiro-ministro.

Os icebergs fazem parte da paisagem, são majestosos e inigualáveis recortando o horizonte.

Urtiga: o Outro Lado da Folha

É sinônimo de queimação; da pobre urtiga (Urtica dioica) brotam os dolorosos derivados urticar, urticação, pois contém ácido fórmico e suas enzimas são parecidas com o veneno de cobra… mas é rica em vitamina C, ferro e magnésio; é diurética e antidiarréica, cura as infecções da boca e as aftas. Além de bonita, a urtiga é boa companheira para outras plantas, protegendo-as de predadores e atraindo insetos úteis.

Claro, as suas folhas devem ser manipulados com cuidado, pois podem irritar severamente a pele. Contudo, seu valor nutritivo equivale ao do espinafre e uma sopa de urtigas com batatas enriquece qualquer refeição.

A urtiga é uma erva ótima para a pele e os cabelos, combatendo eficazmente a caspa; um chá bem forte na água do banho deixa a pele macia e estimula a circulação. A máscara de urtiga rejunevesce e clareia a pele. Extratos podem ser usados para tratar artrite e anemia.

Curiosamente, algumas tribos usavam a planta como anestésico antes de cirurgias ou para aliviar a dor. Na Escandinávia, serve para fazer linha; na Sibéria, para papel e óleo. No Nepal e no norte da Índia é muito popular na cozinha combinada com temperos indianos. Na Europa, o extrato de urtiga é um ingrediente em vários doces, xaropes e licores.

No mundo mágico, as folhas atiradas ao fogo afastam os perigos e são poderosas como amuleto. Uma crença muito antiga diz que um ramo de urtiga debaixo da cama faz com que o paciente se recupere mais depressa.

Também as plantas nos ensinam: quem só enxerga espinhos não aproveita do coração!

Fontes: “As Plantas do Sítio” de Rosy Bornhausen (1995), Словари и энциклопедии на Академике (foto), Encyclopedia of Organic Gardening (2005).

Jean-Yves Leloup

…é maravilhoso da cabeça aos pés! Dá gosto ler e ver…

No livro O Corpo e Seus Símbolos (a edição poderia ser bem melhor; a revisão também; o conteúdo valioso merece maiores cuidados), Leloup diz:

há palavras que permanecem presas em nossa garganta e nos impedem de respirar […] pode ser uma palavra de reprovação, de medo, mas pode ser também uma palavra de amor. […] O papel da psicanálise é encontrar a palavra e o jeito de dizer essa palavra. […] E o papel do terapeuta é o de convidar a pessoa a deixar sua palavra nascer. Não a palavra dos pais, não a palavra da sociedade, não a palavra herdada de todo um passado, não repetições, mas encontrar […] o seu próprio nome. E conhecer, então, o próprio desejo.

Para isso

[…] precisamos sair do desejo de nosso pai, do desejo de nossa mãe. […] do desejo proposto pela sociedade. […] é preciso sair das palavras que aprendemos, das palavras que nos impuseram. Às vezes, é apenas um sussurro que nasce em nós. Não é um rio caudaloso […] mas é como um pequeno regato de águas límpidas.

Ponto de Vista

Três homens trabalhavam numa pedreira.

Um deles reclamava sempre, o outro era indiferente;
o terceiro trabalhava alegre com afinco.

Certa vez perguntaram-lhes o que faziam:
—quebro pedras, cuspiu o primeiro;
—carrego blocos para pagar as contas, mastigou o outro;
—estou construindo catedrais, sorriu o terceiro!

Adaptação de história de domínio público, Copyright©2010 Maria Brockerhoff

Doris Lessing

Sou assaltante de livros: se a vítima está nas mãos de um amigo sem tempo para ler ou aguardando o próximo final de semana para isso, zás! tomo-o de assalto e cumpro o prometido, devolvo o volume encapadinho dois dias depois.

O último butim foi As Avós de Doris Lessing, inglesa, nascida na antiga Pérsia, de 91 anos.

O livrinho (os autores devem se arrepiar com o diminutivo) somente pelo volume bem fino, é instigante, profundo. Descreve um invejável estado de felicidade e a solução amorosa dos amantes incomuns.

Mostra, com maestria, o emaranhado das relações humanas, assim como quem não quer nada… sem lições… sem propósitos… Lessing se dá ao luxo de, às vezes, deixar no ar frases do diálogo!

Do assunto “avós” passa longe. Li, reli. Ao terminar voltava ao início consecutivamente.

A cada leitura um novo ângulo, um outro lado do personagem, uma faceta não apreendida…

Quem já aprendeu a ler subtextos enxerga a interpretação que Lessing dá ao esquecido adágio “os incomodados que se mudem”. É que, nos triângulos desamorosos, quando a pessoa tem a sensacão de não pertencer ao grupo, à tribo, ao mundo do parceiro e não sente ter importância naquele ninho, se tiver auto-estima, bate em retirada! Irá buscar o seu lugar afetivo longe dali, sem exigências, sem “indenizações”.
Se, ao contrário, for ressentida e invejosa tentará destruir o parceiro, o grupo, a tribo… não importam as feridas, os golpes, ainda que na própria pele… Lessing demonstra, com lucidez, estas duas escolhas.

Este é apenas um dos insights que o livro provoca… há muitos outros… descubra-os!

Língua à Brasileira – S.O.S.

Pobre Língua Pátria! Assaltam cada vez mais o coitado do vocábulo plural: juntos.

Insistem em tirar-lhe a última e valiosa letra S!

Influência do Planalto Central, o comedor-mor de SSS?

Exemplos corretos, onde o plural é rigorosamente exigido:

  • Saímos juntos.
  • Meu namorado e eu moramos juntos/fomos morar juntos.
  • Fomos juntos/juntas ao cinema.
  • Assinamos o contrato juntos.
  • Os amigos foram ao aeroporto juntos.

Sempre que houver mais de uma pessoa ou coisa, usa-se o plural juntos/juntas.
Exemplos corretos:

  • As sandálias estão juntas embaixo da cama.
  • Coloquei juntos no prato o arroz e o feijão.
  • Sentaram-se juntos os noivos e os pais à mesa.
  • Os soldados e o povo cantaram o hino nacional juntos.
  • Faremos a peça juntos/juntas.

Se for singular, aí sim, será correto o uso junto (aqui sem s):

  • Vai sair? Irei junto com você (Veja o plural: iremos juntos/juntas até ao porto).
  • O casal voltou junto de táxi (Veja o plural: Os dois voltaram juntos de táxi).
  • O pessoal saiu junto em procissão. (Veja o plural: as pessoas sairam juntas em procissão).

Basta um pouco de atenção e o nosso Machado de Assis não levará tantos sobressaltos…

Calendário Chinês

O calendário chinês é o mais antigo registro cronólogico que há na história, começa em 2637 A.C.

Segundo a lenda, Buda chamou todos os animais à sua presença antes de partir da terra; somente doze vieram dizer-lhe adeus. Em recompensa, Buda deu a cada ano o nome do animal na ordem em que chegaram:

rato (“Shǔ” 鼠); boi (“Niú” 牛); tigre (“Hǔ” 虎); coelho (“Tù” 兔);
dragão (“Lóng” 龍); serpente (“Shé” 蛇); cavalo (“Mǎ” 馬); carneiro (“Yáng” 羊);
macaco (“Hóu” 猴); galo (“Jī” 雞); o cão (“Gǒu” 狗); o porco (“Zhū” 豬).

Assim temos os doze animais-signos da atualidade; o animal regente do ano em que você nasceu, dizem os chineses, exerce profunda influência sobre a sua vida: “esse é o animal que se esconde em seu coração”.

Cada um dos signos-animais aparece combinado com um dos cinco elementos principais: madeira, fogo, terra, metal e água.

O calendário chinês é curioso; traz, em si mesmo, boa dose de humor; é ótimo assunto numa roda e costuma desmonstrar as mais interessantes coincidências.

O calendário lunar oriental registra, com mais acertos, as mudanças das estações e os fazendeiros chineses o usavam para procurar os dias mais favoráveis à semeadura, colheita e previsão de chuvas.

Ainda hoje, muitos ainda o consultam para saber a época mais propícia para construir a casa, para o casamento, para uma decisão importante e, principalmente, para os festivais chineses.

O calendário chinês é enriquecido pelas interpretações de adivinhos chineses, lendas, mitologias e livros bem antigos.

Podem-se fazer divertidas e, às vezes úteis, observações entre a maneira de ser dos amigos e as características do signo-animal correspondente. Por exemplo:

  • aquele cliente caprichoso e volúvel deve ser do ano do cavalo;
  • as pessoas nascidas no ano do carneiro “comem papel”, ou seja, esbanjam dinheiro;
  • os nativos de serpente são encantadores, mas também podem ser frios e impiedosos;
  • aquele tio, capaz de consertar tudo, nasceu no ano do habilidoso macaco;
  • o marido lento, conservador e seguro pertence ao fidedigno boi;
  • alguém confiável e diplomata é coelho;
  • o otimista é tigre;
  • o forte é dragão;
  • o infatigável é rato…

Curiosidades:

  • Ano do boi: Adolf Hitler; Charlie Chaplin;
  • Ano do coelho: Albert Einstein; Fidel Castro; Josef Stalin;
  • Ano do Dragão: John Lennon; Ringo Starr;
  • Ano da serpente: Pablo Picasso, Johannes Brahms, John Kennedy, Indira Gandhi;
  • Ano do cavalo: Barbra Streisand; Paul McCartney.

Se quiser saber sobre o seu signo-animal, coloque a data de nascimento, se possível a hora, no comentário. As Erínias adoram uma boa brincadeira 🙂