Freud explica… mais lapsos de linguagem

Continuando

  • Um político, um tanto pão-duro, ofereceu uma festa. Bem mais tarde, em um momento, em que se supôs, fosse servida a ceia, vieram uns parcos sanduíches. Um correligionário, discursando, exclamou:
    “Neste anfitrião podemos confiar! Há-de nos garantir sempre uma sólida refeição.” (queria dizer orientação).
  • Uma senhora, certamente preocupada com os custos do tratamento:
    “Dr., não me dê grandes contas [bills], pois não posso engolí-las.” (ao invés de pílulas [pills]).
  • Um pai para os filhos:
    “Não devem imitar o seu tio, um idiota. Ops! Queria dizer, patriota!
  • Uma mulher, ansiosa por ter filhos, sempre escrevia “cegonhas [storks]” quando se referia a “estoques [stocks]”.
  • Numa tradução da bíblia, publicada em Londres em 1631, no 7º mandamento, não constava a partícula “não”:
    “Furtarás”. Consta que o impressor pagou duas mil libras de multa pela omissão.
  • Numa tradução alemã, o pronome de tratamento “Herr [Senhor]” foi substituída por “Narr [Mentecapto]”.
  • Ernest Jones relata a carta de um paciente:
    “O meu mal é todo devido àquela maldita esposa [wife] frígida.” Mas referia-se a uma onda [wave] de frio que lhe destruíra a colheita de algodão.
  • Um paciente enviou uma nota de desculpa por não comparecer à consulta:
    “Devido a circunstâncias previstas não pude comparecer.” (obviamente pensava em escrever imprevistas).
  • Ernest Jones deixou uma carta sobre a sua mesa durante vários dias; finalmente, colocou-a no correio. Foi-lhe devolvida por não ter colocado o endereço do destinatário. Corrigido o lapso, foi devolvida novamente porque, agora, se esquecera dos selos. Foi forçado a reconhecer que não queria enviá-la.

O mestre da psicanálise resume os lapsos de forma magnífica: “o inconsciente nunca mente.”

Freud explica… lapsos de linguagem

O processo dos lapsos de linguagem é interessantíssimo. Para quem os comete, o melhor é dar uma risadinha… explicar, justificar, apenas complica e constrange, pois são, indiscutivelmente, reveladores; para quem os recebe pode ser uma boa fonte de descobertas.

O livro “Psicopatologia da Vida Cotidiana” (ed. 1966 Zahar Editores) é delicioso!

Freud narra os próprios lapsos, os de outros psicanalistas e os de clientes, além de apresentar, claro, os valiosos e lúcidos fundamentos psicanalíticos.

Ficamos aqui com a parte lúdica de alguns lapsos de linguagem, leitura e escrita:

  • um cliente disse:
    “Não gosto de dever, especialmente a médicos. Prefiro jogar [play] já.” (ao invés de pagar [pay])
    Freud ficou de sobreaviso, mas tranquilizou-se quando o cliente pagou em dinheiro a metade da consulta, prometendo enviar um cheque da diferença. Dias depois, a carta de cobrança voltou com a indicação de “destinatário desconhecido”; neste momento, Freud percebeu que aquele lapso entre “jogar” e “pagar” traiu o cliente.
  • Certa ocasião, Freud repreendia uma cliente, cujo marido estava ouvindo atrás da porta; no fim do sermão, que causara visível impressão à esposa, o próprio Freud põe tudo a perder, despedindo-se dela:
    “Até logo, Senhor.”
  • Uma mulher disse à outra em frente à farmácia:
    “Se aguardar alguns movimentos, eu voltarei.” Iria comprar um purgante para o filho; queria dizer “momentos”.
  • Um psicanalista, ao comentar sobre um possível tratamento:
    “Poderei, com o tempo, remover todos os seus sintomas, pois é um caso durável.” Queria dizer “curável”.
  • Uma jovem esposa disse sobre a dieta do marido:
    “O médico disse que meu marido pode comer e beber o que eu desejar.”
  • Uma respeitável senhora exprimiu-se numa roda:
    “A mulher tem de ser bonita se quiser agradar. Os homens tem mais sorte, basta que tenham cinco membros.”
  • O psicanalista Sándor Ferenczi, quando estudante, preparara-se arduamente para recitar, pela primeira vez, um poema. Ao começar, foi interrompido por sonora gargalhada da turma: dissera o título e, ao mencionar o autor, cita o próprio nome.

Continua na próxima…

Terapia Hoffman

Melhor que uma livraria, só o sebo! Nas escavações, com aquele cheiro peculiar, é possível descobrir livros já perdidos e injustamente abandonados.

A gente vai pulando de pilhas em pilhas e a tarde se esvai num virar de páginas…

Do fundo da estante aparece Bob Hoffman, autor de “Terapia Hoffman da Quaternidade” (1982).

Para quem vivenciou a “febre do Processo” em Belo Horizonte, é ótimo para matar as saudades. Foi uma fase interessantíssima; ninguém ficou indiferente.

Ainda que a origem da técnica de Hoffman tenha sido mensagens recebidas de um neurologista falecido, Dr. Siegfried Fischer, fenômeno no qual não acreditamos, a técnica e métodos não podem ser invalidados. Os resultados são surpreendentes e especialistas recomendam “uma leitura crítica, análise e investigação”, pois no progresso científico não tem lugar para verdades absolutas. Porém não é esta a questão destas linhas.

Queremos relembrar aos participantes e apresentar para quem não conhece a aventura do Fischer-Hoffman.

Bob esteve aqui em Belo Horizonte; era cordial, simpaticíssimo, de um bom humor contagiante e irresistível. O Processo se espalhou pelo Chile com Claudio Naranjo, Espanha, Israel, Índia, Estados Unidos e, claro, Brasil.

Era uma maratona de 13 (!) semanas. Depois, este esquema foi bem reduzido. Preferencialmente, os participantes teriam de ficar, nestas semanas, longe da família… amigos se hospedaram nas casas uns dos outros e as experiências compartilhadas intimamente.

O Processo se fazia por estágios e só se passa ao seguinte se bem resolvido o anterior. Havia acusação e defesa da mãe e do pai separadamente. Havia, inclusive, o catártico enterro simbólico da mãe e do pai, que levavam consigo o amor negativo.

Os pais são absolvidos e a hostilidade infantil a eles desaparece totalmente. (pag.92, 1ª Ed. Bras.)

Havia, ainda, o renascimento em que o divórcio amoroso da mãe e do pai se confirmam. O ponto culminante era a festa para as brincadeiras, preparada com carinho, onde tudo é repartido. Os que não sabiam, ou não conseguiam brincar, são contagiados e participam.

O Processo descobre o “eu alegre, escondido há muito tempo”; saber ou aprender a brincar juntos é um bem valioso. Se a criança não experienciou “a brincadeira positiva”, é impossível desfrutar a riqueza do divertimento adulto (pag.182, op.cit.).

Testemunhamos em amigos e em nós mesmos mudanças profundas depois do Processo. Bons tempos, boas lembranças!

Jean-Yves Leloup: Os rins

No livro O Corpo e Seus Símbolos, já citado, a lição de Leloup é escutar o corpo “que não mente”; o corpo é “nossa memória mais arcaica… nele nada é esquecido”; cada acontecimento deixa no corpo uma marca profunda.

Leloup nos ensina que um atento observador pode constatar em si mesmo e nos outros a incrível simbologia dos rins. Nesta linha de pensamento, os rins são locais de “escuta” no interior de cada um; os rins escutam e filtram as mensagens do sangue, purificando-o.

Atualmente, vivemos sobrecarregados e estes excessos tornam impossíveis aquela filtragem… por isso, tantos problemas renais.

As dificuldades da função renal podem ser indicações de que estamos na direção errada, de que nos fatigamos inutilmente… a nossa vida está sem ou perdeu o objetivo.

Alguns problemas renais indicam desperdício, perda de energia e, muitas vezes, omissão em atender “a solicitação do corpo para mudar de direção… e a maneira de viver”.

A doença é um esforço do corpo para se curar, é o aspecto positivo de maladie – em francês, um mal a dizer -. Finalmente, a sábia conclusão do mestre:

Os rins são um espaço para a palavra que temos de escutar.

Mario Vargas Llosa

Travessuras da Menina Má

Mais um presente deste peruano idealista que, um dia, sonhou em apontar outros rumos ao Peru. Como já aconteceu e se repetirá incontáveis vezes, o povo preferiu o caminho falacioso e inconsequente apresentado por Fujimori… deu no que deu. 🙂

Bem, interessa-nos agora as peripécias de um grande amor retratadas de uma forma envolvente; Vargas Llosa consegue realizar o desejo máximo de um escritor: manter o leitor preso irresistivelmente às suas páginas.

A trama tecida por Vargas Llosa se passa em Lima, Paris – aqui, os endereços conhecidos acrescentam uma atração a mais – e Londres; retrata magistralmente as transformações sociais da época dos hippies, da revolução cubana, das origens do movimento Túpac Amaru. Para quem leu outros livros de Vargas Llosa pode-se reconhecer claramente traços autobiográficos e isto enriquece a leitura.

Interessante também uma outra faceta do livro: os motivos, as pulsões, as escolhas dos personagens rendem assunto para tardes inteiras numa boa roda… de uma forma ou de outra todos nós estamos lá!

Jean-Yves Leloup: Os pés

Observando os pés podemos sentir se há problemas: são muito frágeis, há ferimentos ou marcas, os odores são agradáveis ou não; os pés podem responder as questões sobre o prazer de viver, de sentir prazer e amar. Há pessoas que nunca sentem prazer. Esta sensação é dificil para elas.

Os pés são raízes; se recebemos raízes talvez possamos transmiti-las aos outros. Os pés têm plantas; a “planta dos pés” clama por raízes:

— de onde venho? Nunca me sinto em meu lugar? É dificil, para mim, ter os pés na terra? O meu mundo não é a minha pátria, minha mátria… É necessário reencontrar os nossos dois pés, os dois pés na terra…

Para o psicólogo Paul Diel, o pé é o símbolo da nossa força. É o suporte para permanecermos eretos.

Hermes, o mensageiro dos deuses, tinha os pés alados. Esta simbologia é a da individuação. Podemos passar do pé de Édipo – do grego Οauuδίπους, ter tornozelos inchados – para o pé alado de Hermes. É o caminho da transformação!

Os cuidados, os banhos, as massagens ajudam a escorrer as fadigas e tensões dos pés, para as pessoas doentes é um verdadeiro alívio.

Se escutam a terra, os pés nos enraizam. Na África, o pé é o ponto de apoio do corpo no mundo. É um símbolo de poder. Se os pés estão bons, a cabeça funciona bem.

E Leloup conclui: o equilíbrio do corpo depende de nossas raízes, se o enraizamento é sadio, toda a árvore é sadia!

(vide resenha anterior de O Corpo e Seus Símbolos)

A Cabana

Penso ser preocupante este livro, de W. P. Young, ocupar o primeiro lugar em vendas na última semana na lista da Livraria Leitura.

Certamente o marketing de promoção do tal é o melhor do mundo! Conseguiu uma vendagem extraordinária para um livro medíocre. Há tantos livros nacionais mais úteis, mais divertidos e substanciosos.

A Cabana foi reescrita quatro vezes antes de ser recusada por 26 editoras. Finalmente, dois produtores de cinema criaram uma editora e, então, publicaram o barraco (ops!).

A primeira parte tem enredo razoável, mas o desenrolar da visita ao casebre é piegas; o consolo é uma sequência de chavões e duvidosas respostas de cunho religioso; a solução do crime é um mix de revelação sobrenatural, adivinhação e muitas coincidências… inclusive a conservação de indícios por um tempo longo.

Há quem diga que é um livro “para os sofredores”; gosto não se discute… lamenta-se.

Outros o indicam como auto-ajuda, parece ser este o grande lance marqueteiro: o livro trará a receita para todos os males da tristezas…

Para as Erínias, o sofrimento, às vezes, é inevitável, mas o masoquismo é opcional!

Os bons livros de “auto-ajuda” são os de Amyr Klink, família Schürmann, Oliver Sacks, Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro, Arnaldo Jabor, Isabel Allende e outros maravilhosos! 😉

São depoimentos corajosos e inspiradores, idéias inteligentes; pessoas que escolheram o próprio caminho e assumiram as responsabilidades.

Este livro é puramente comercial; nisto foram muitos bons; inclusive criaram um site de relacionamento com “Missy”, a personagem desaparecida… …argh!

Luis Fernando Veríssimo

Ver!issimo (Comédias Brasileiras de Verão)

Nestas linhas, o nosso mais bem humorado escritor ( o bom humor é sinal explícito de inteligência!) se esmera e vai fundo na carência das relações humanas:

O mistério

Ou como dizia aquele samba do Nelson Sargento, numa adaptação livre:

Nosso amor é bonito.

Ela finge que me ama e que todos os seus orgasmos são múltiplos, espasmódicos, gloriosos, com fogos de artíficio, revoada de pombos e a orquestra dos Fuzileiros Navais em uniforme de gala.

E eu finjo que acredito.

Olho por olho…

Engolir o sapo ou a justiça estrita do dente-por-dente? Nas irônicas circunstâncias desta história, o grande escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), em O Idiotaaponta a saída…

…estou sòzinho no vagão. Fumar não é proibido mas também não é permitido; ou seja, é semipermitido, como de costume; e isso dependendo da pessoa. A janela está aberta. De repente, instalam-se duas damas com um totó, bem à minha frente; chegaram atrasadas; uma estava vestida de forma mais elegante, de azul claro; a outra, mais simples. Eu sou bem apessoado, elas olham com desdém, falam inglês. Eu, é claro, não ligo; continuo fumando para fora da janela. O totó está no colo da senhora de azul claro, é pequeno, cabe na minha mão, preto, patinhas brancas, até uma raridade. Coleira de prata com uns dizeres. Eu não ligo. Observo apenas que as damas, parece, estão zangadas com o charuto, é claro. Uma aponta para mim o lornhão, de osso de tartaruga. Não falam nada mesmo! Se avisassem, se pedissem, porque para isso existe finalmente a linguagem humana! No entanto, se calam […] Sem o mais mínimo aviso, todavia como se tivesse ficado totalmente louca, a de azul claro me arranca da mão o charuto e o joga pela janela. O trem voa, fico olhando como um louco. Uma mulher selvagem; selvagem mulher, os olhos brilham na minha direção, e eu, sem dizer palavra e com uma gentileza incomum, com a mais perfeita gentileza, gentileza refinada, por assim dizer, aproximo dois dedos do totó, pego-o delicadamente pela nuca e o arremesso janela afora atrás do charuto! Ele dá apenas um ganido! O trem continua voando…