Freud explica! Lapsos de linguagem

O processo dos lapsos de linguagem é interessantíssimo. Para quem os comete, o melhor é dar uma risadinha… explicar, justificar, apenas complica e constrange, pois são, indiscutivelmente, reveladores; para quem os recebe pode ser uma boa fonte de descobertas.

O livro “Psicopatologia da Vida Cotidiana” (ed. 2023 Editora Autêntica) é delicioso!

Freud narra os próprios lapsos, os de outros psicanalistas e os de clientes, além de apresentar, claro, os valiosos e lúcidos fundamentos psicanalíticos.

Ficamos aqui com a parte lúdica de alguns lapsos de linguagem, leitura e escrita:

Sigmund Freud, 1921 — Domínio público — Max Halberstadt
  • um cliente disse:
    “Não gosto de dever, especialmente a médicos. Prefiro jogar [play] já.” (ao invés de pagar [pay])
    Freud ficou de sobreaviso, mas tranquilizou-se quando o cliente pagou em dinheiro a metade da consulta, prometendo enviar um cheque da diferença. Dias depois, a carta de cobrança voltou com a indicação de destinatário desconhecido; neste momento, Freud percebeu que aquele lapso entre jogar e pagar traiu o cliente.
  • Certa ocasião, Freud repreendia uma cliente, cujo marido estava ouvindo atrás da porta; no fim do sermão, que causara visível impressão à esposa, o próprio Freud põe tudo a perder, despedindo-se dela:
    “Até logo, Senhor.”
  • Uma mulher disse à outra em frente à farmácia:
    “Se aguardar alguns movimentos, eu voltarei.” Iria comprar um purgante para o filho; queria dizer momentos.
  • Um psicanalista, ao comentar sobre um possível tratamento:
    “Poderei, com o tempo, remover todos os seus sintomas, pois é um caso durável.” Queria dizer curável.
  • Uma jovem esposa disse sobre a dieta do marido:
    “O médico disse que meu marido pode comer e beber o que eu desejar.”
  • Uma respeitável senhora exprimiu-se numa roda:
    “A mulher tem de ser bonita se quiser agradar. Os homens tem mais sorte, basta que tenham cinco membros.”
  • O psicanalista Sándor Ferenczi, quando estudante, preparara-se arduamente para recitar, pela primeira vez, um poema. Ao começar, foi interrompido por sonora gargalhada da turma: dissera o título e, ao mencionar o autor, cita o próprio nome.

Continua na próxima…

Freud explica! Mais lapsos de linguagem

Continuando

  • Um político, um tanto pão-duro, ofereceu uma festa. Bem mais tarde, em um momento, em que se supôs, fosse servida a ceia, vieram uns parcos sanduíches. Um correligionário, discursando, exclamou:
    “Neste anfitrião podemos confiar! Há-de nos garantir sempre uma sólida refeição.” Queria dizer orientação.
  • Uma senhora, certamente preocupada com os custos do tratamento:
    “Dr., não me dê grandes contas [bills], pois não posso engolí-las.” Ao invés de pílulas [pills].
  • Um pai para os filhos:
    “Não devem imitar o seu tio, um idiota. Ops! Queria dizer, patriota!”
  • Uma mulher, ansiosa por ter filhos, sempre escrevia cegonhas [storks] quando se referia a estoques [stocks].
  • Numa tradução da bíblia, publicada em Londres em 1631, no 7º mandamento, não constava a partícula não:
    Furtarás. Consta que o impressor pagou duas mil libras de multa pela omissão.
  • Numa tradução alemã, o pronome de tratamento Herr [Senhor] foi substituída por Narr [Mentecapto].
  • Ernest Jones relata a carta de um paciente:
    “O meu mal é todo devido àquela maldita esposa [wife] frígida.” Mas referia-se a uma onda [wave] de frio que lhe destruíra a colheita de algodão.
  • Um paciente enviou uma nota de desculpa por não comparecer à consulta:
    “Devido a circunstâncias previstas não pude comparecer.” Obviamente pensava em escrever imprevistas.
  • Ernest Jones deixou uma carta sobre a sua mesa durante vários dias; finalmente, colocou-a no correio. Foi-lhe devolvida por não ter colocado o endereço do destinatário. Corrigido o lapso, foi devolvida novamente porque, agora, se esquecera dos selos. Foi forçado a reconhecer que não queria enviá-la.

O mestre da psicanálise resume os lapsos de forma magnífica: “o inconsciente nunca mente.”

Especial para Advogados

Uma Decisão de Peito

Estou acanhado, nem sei por onde pegar este assunto sucinto:
um solerte advogado, possivelmente de pasta preta, não sei, indo ao Forum da Justiça Federal no Rio para cuidar de processos, topou pela frente com determinada funcionária, cujos seios saltavam aos olhos.

Faço aqui um parêntese: vejam como a língua brasileira é safada. Quando escrevo que os seios saltavam aos olhos quero dizer os olhos é que pularam para os seios, visto que estes não saltam, pois a natureza os fez presos e seguros. Ao mesmo tempo, quero significar que os seios eram vistosos.

Entendido?
Fechar o parêntese.

Que faz o advogado? Em vez de requerer em juízo a juntada aos autos, conforme determina a boa processualística, quis fazer justiça pelas próprias mãos e agarrou-os (os seios), presa de incontida emoção, num arroubo que, francamente, só se entende perante jurados.

Não sei como qualificar o gesto.
Atentado violento ao pudor?
Apropriação indébita?
Tentativa de seqüestro?

Sei apenas que a funcionária, embora pública, teve bons motivos privados para protestar, e o fez, numa representação ao diretor do Forum.

Formou-se o processo, e imagino sua finura. Deve ter dado um romance, este opinando assim, aquele opinando assado, um outro pedindo que se ouvissem as testemunhas; enfim, essas coisas todas que a justiça é obrigada a suportar todos os dias.

Corria a coisa na órbita federal, até que os seios foram parar nas mãos do Tribunal Federal de Recursos, que não sabia onde botar aquilo. Reúnem-se os juízes, atarantados. Mexe daqui, mexe de lá, verifica-se que não há jurisprudência firmada sobre o assunto.

O que faz o Tribunal? Lava as mãos, sob a alegação de que a Justiça Comum é que deve cuidar do caso — da mesma forma como trataria, digamos, dos seios de uma comerciária, de uma fazendeira, de uma operária.

O entendimento do Tribunal Federal de Recursos é bastante claro:

“Quem se descontrola perante a beleza estética de uma funcionária pública federal e lhe agarra os seios não comete nenhum crime que deva ser apurado pela Justiça Federal, mas sim pela Justiça Comum dos Estados. Os seios da funcionária não são próprios da administração pública, nem quem os toca comete uma infração ao exercício normal da função.”

Decisão exemplar.

Vejam bem que não se trata aqui de permitir aos advogados o descontrole perante a beleza estética, isso não, pois haveria uma corrida aos cursos jurídicos, que já abundam, em busca de tão esdrúxulo privilégio. Amanhã estaria a enorme população de beca e capelo trocando os pés pelas mãos.

Em absoluto. Continua terminantemente proibido bulir nos seios no recinto do Forum, dentro ou fora do expediente. Este é o ponto que deve ficar bem claro: os infratores serão julgados pela Justiça Comum.

De outra parte, fica-se sabendo que não há seios federais.
Todos os seios são estaduais. E não são próprios da administração.

Cada funcionária deve, pois, administrar o que lhe pertence de direito. De resto, os seios não são públicos; antes, estão subordinados à iniciativa privada, que se encarregará de resguardá-los e defendê-los na medida das necessidades.
Que cada um saiba, pois, onde os deixa e onde bota a mão.

O Tribunal Federal de Recursos manifestou-se com sensatez. Provou, mais uma vez, que a Justiça é mulher experiente e de peito. O erro foi do advogado: acreditou naquela história de que a Justiça é cega.
No Forum, tudo se sabe, doutor.

Crónica de Lourenço Diaféria, 11/1976,
coletada em “Circo dos Cavalões”.

Gabriel García Márquez — Doze Contos Peregrinos

Estes “Doze Contos Peregrinos” foram escritos ao longo de 18 anos e são recordações de viagens pela Europa. Eram 64 e sobraram este doze contos da “incessante peregrinação de ida e volta ao cesto de lixo“, como nos conta García Márquez; acrescenta, ainda, o curioso episódio:

já que eu havia descrito de memória e à distância as diferentes cidades da Europa onde os contos acontecem, quis comprovar a fidelidade de minhas recordações de quase vinte anos depois e empreendi uma rápida viagem de reconhecimento a Barcelona, Genebra, Roma e Paris. Nenhuma delas tinha nada a ver com as minhas lembranças.

Estes depurados contos são preciosos. Cada um, entremeado com o realismo mágico, nos transporta a um mundo interior de sentimentos doloridos, ternos, disfarçados.
O mundo surreal do mago de Aracataca, Colômbia, retrata o cotidiano de cada um de nós com uma força tão grande, a tal ponto de nos obrigar negá-lo por insuportável.
Gabo, como os amigos o chamavam, íntimo de todas as grandezas e de todas as misérias humanas, é filósofo, xamã, poeta, pajé, mestre, artífice da palavra.

Dos subtextos surgem setas indicando, para quem quiser ver, o caminho ou a busca interior, muitas vezes desesperada. Tais escritos valem séculos de psicanálise.

Um outro livro de García Márquez, “A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada“, aponta o norte na bússola desorientada da vida.

Olho por olho…

Engolir o sapo ou a justiça estrita do dente-por-dente? Nas irônicas circunstâncias desta história, o grande escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), em O Idiotaaponta a saída…

…estou sòzinho no vagão. Fumar não é proibido mas também não é permitido; ou seja, é semipermitido, como de costume; e isso dependendo da pessoa. A janela está aberta. De repente, instalam-se duas damas com um totó, bem à minha frente; chegaram atrasadas; uma estava vestida de forma mais elegante, de azul claro; a outra, mais simples. Eu sou bem apessoado, elas olham com desdém, falam inglês. Eu, é claro, não ligo; continuo fumando para fora da janela. O totó está no colo da senhora de azul claro, é pequeno, cabe na minha mão, preto, patinhas brancas, até uma raridade. Coleira de prata com uns dizeres. Eu não ligo. Observo apenas que as damas, parece, estão zangadas com o charuto, é claro. Uma aponta para mim o lornhão, de osso de tartaruga. Não falam nada mesmo! Se avisassem, se pedissem, porque para isso existe finalmente a linguagem humana! No entanto, se calam […] Sem o mais mínimo aviso, todavia como se tivesse ficado totalmente louca, a de azul claro me arranca da mão o charuto e o joga pela janela. O trem voa, fico olhando como um louco. Uma mulher selvagem; selvagem mulher, os olhos brilham na minha direção, e eu, sem dizer palavra e com uma gentileza incomum, com a mais perfeita gentileza, gentileza refinada, por assim dizer, aproximo dois dedos do totó, pego-o delicadamente pela nuca e o arremesso janela afora atrás do charuto! Ele dá apenas um ganido! O trem continua voando…

A história de uma vaca

 

Esta, sim, foram doze dias e doze noites nos montes da galiza, com frio, e chuva, e gelo, e lama, e pedras como navalhas, e mato como unhas, e breves intervalos de descanso, e mais combates e investidas, e uivos, e mugidos, a história de uma vaca que se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha a agonia de viver no limiar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, as arremetidas bruscas, as cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por um animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. {…} Ao fim dos doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais.

…está, ipsis litteris, no livro de José Saramago, “A viagem do Elefante”; de uma profundidade infinita, simboliza a vida de mulheres e homens corajosos — e a reação do outro…

O Pensamento de José Saramago

O texto SaraMágico — assim como os dados —  apresenta múltiplas facetas.
Cada uma traz: perspectiva diferente, ângulo luminoso ou lucidez cortante.
Aqui, pinceladas extraídas do livro “A Caverna”, edição 2000:

Ainda que te possa parecer estranha a comparação, os gestos, para mim, são mais do que gestos, são como os desenhos feitos pelo corpo de um no corpo do outro.

 

As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar.

 

A pena pior, minha filha, não é a que se sente no momento, é a que se vai sentir depois, quando já não houver remédio.

 

É uma estupidez deixar perder o presente só pelo medo de não vir apanhar o futuro.

 

A boca é um órgão que será tanto mais de confiança quanto mais silencioso se mantiver.

 

Um pássaro numa gaiola pendurada à janela poderá imaginar que está em liberdade.

 

É preciso compreender que nas circum—navegações da vida uma brisa amena para uns pode ser para outros uma tempestade mortal, tudo depende do calado do barco e do estado das velas.

 

O tempo é um mestre-de-cerimônias que sempre acaba por nos colocar no lugar que nos compete.

João Ubaldo Ribeiro — Diário do Farol

DFEste polêmico livro do nosso baiano é de uma extrema e terrível lucidez.

O assunto é pesado, até assustador! Daí, talvez, a relutância de o leitor aceitar que a natureza humana é, sim, capaz de ultrapassar os limites do Bem e do Mal.

A parte final do livro é destoante e, mais uma vez, a gente desejou que um corajoso Editor tivesse usado, ali, um misericordioso bisturi…

Contudo, o objetivo aqui é, tão somente, transcrever — ipsis litteris — um trecho que, por si só, vale o livro. Cada releitura deste texto faz o coração saltar diante da perturbadora e dura verdade:

A vida é vitoriosa não quando se tem o que se costuma ver
como bênçãos, ou seja, beleza, dinheiro, honrarias e assim por diante.
Essas coisas podem perfeitamente conviver e entrar em simbiose
com a mais completa infelicidade.
Elas não representam uma vitória por mais que seus detentores
e os que erroneamente os invejam queiram pensar assim.
A vida é vitoriosa quando se satisfaz o que de fato há em cada um de nós,
aquilo que de fato ansiamos e quase nunca nos permitem,
nem nos permitimos, reconhecer.

Preciosa — o filme!

O diretor e autora do livro formaram uma parceria de talentos. Ambos transformaram o sofrimento de suas vidas em arte e catarse! Deve ser visto.

De Philadelphia (USA), Lee Daniels teve uma infância duríssima. O violento pai policial jamais aceitou a homossexualidade do filho. Inteligente e sensível, o jovem superou inúmeros obstáculos. Tornou-se competente diretor ou produtor de outros bons filmes: A Última Ceia (2001), O Lenhador (2004), Os Matadores de Aluguel (2005), Tennessee (2008) e O Mordomo da Casa Branca (2013).

PF2500Lee Daniels sempre considerou o cinema europeu intrigante e detesta, em geral, o cinema americano. Não pensa em fazer filmes para as massas. O objetivo, para ele, é levar o espectador à reflexão. Especialmente quanto ao Preciosa (2009), revelou: “retrata o meu mundo, é uma tentativa de cicatrizar as feridas deixadas pela conduta abusiva do meu pai.

Oprah Winfrey, coprodutora, revela a aprovação cheia de entusiasmo ao exclamar, na estréia:

It was primal! Wow!

PF1500Gabourey Sidibe — a excelente atriz principal — foi escolhida entre 500 candidatas. Foi o primeiro filme e até o dia anterior era estudante de psicologia e recepcionista.

A comediante Mo’Nique, também com uma parcela de abusos na infância, interpreta muito bem a mãe, cúmplice nos tormentos familiares.

O filme foi baseado no livro Push de Ramona Lofton, nascida na Califórnia; retrata alguns traços autobiográficos e o comum na vida de muitas filhas. Ramona passou a se chamar Sapphire e mora em Nova York.

A autora Sapphire foi professora por sete anos numa escola alternativa no Harlem, tal como no filme. Essa experiência torna o filme ainda mais duro e desnuda um submundo no qual mulheres vegetam sem ao menos saber que são pessoas. Perversamente a situação é quase sempre alimentada por outras mulheres.

O filme Preciosa — irônica provocação de ser este o nome do meio da protagonista “Claireece Precious Jones” — é uma intrigante mistura de feiura, violência, redenção e esperança.

A princípio, Preciosa não conseguia formular uma frase com sujeito e verbo, nem mesmo no dialeto do Harlem. Aí, o talentoso diretor Lee Daniels segue as pegadas magistrais de Sapphire ao mostrar o lento e significativo progresso da fala de Preciosa: a fase do balbucio equivale ao não-ser; ao elaborar frases, torna-se pessoa.

É uma transformação de dentro para fora e tornou-se possível quando, através dos rudimentos da escrita, algumas meninas percebem uma fresta dentro de si mesmas. Com a ajuda imprescindível e paciente da dedicada professora — interpretada por Paula Patton — Preciosa começa a descobrir, contra todas as expectativas, forças para buscar outro caminho.

O filme escancara as relações familiares nos moldes estabelecidos desde sempre. Não há, praticamente, homens; é um universo de mulheres onde se revela a crueldade dos adultos. A exposição da comunidade do Harlem, que Sapphire conheceu bem, é o retrato da hipocrisia familiar, do mito da inata disposição materna, da ignorância absoluta dos deveres paternos.

Aplicável ao quotidiano a explicação da professora para as suas alunas:

esta escola [a armadilha familiar, dizem as Erínias] é uma porta giratória, umas conseguem sair… outras não…

A Confissão de Guimarães Rosa

A genialidade de Rosa dispensa qualquer superlativo. Na centésima leitura ainda há segredos, mistérios e achados.

Em “Jardins e Riachinhos” (1983), Guimarães Rosa faz uma confissão preciosa. É de uma clarividência doída, é um grito de alerta:

Não gosto de falar da infância. É um tempo de coisas boas, mas com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo, estragando os prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá um excesso de adultos, todos eles, mesmo os mais queridos, ao modo de soldados e policiais do invasor, em pátria ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então. Já era míope e nem mesmo eu, ninguém sabia disso. Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia. Mas tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta.