Pelos padrões da Groenlândia é cidade grande com 4 mil habitantes. É um mundo de fiordes cheios de icebergs gigantes formados pela movimentação das geleiras; neste a magnífica visita de baleias jubarte.
Estes icebergs têm, pelo menos, 800m abaixo da superfície e 100m ou mais de altura. Em um barco pequeno navegamos entre os gigantes que nos levam a um perplexo silêncio.
Através dos fiordes, as catedrais, castelos, cavernas, rendas de gelo.
As fotos não captam toda a beleza e mistério desta Ilulissat — significa iceberg.
Diante destas esculturas fortes o ser humano é a menor das formigas.
Uummannaq — é outro espanto! O relevo da Groenlândia é uma sucessão inimaginável de pedras emoldurando a vila.
O monte tem 1175m e o formato, apelidado pelos nativos, de Coração de Foca, significado de Uummannaq. Realmente esta imagem nos emudece.
Em toda a Groenlândia não há uma árvore sequer: impressionantemente, não há terra apropriada além da cobertura extensa de gelo por quase todo o ano. Os icebergs daqui são maiores ainda. Alguns mais altos do que o navio.
No centro, as antigas moradas dos Inuit, uma construção penosa de pedras e turfa. O telhado será um adereço turístico?
Bem perto, um toque moderno.
Aqui, o sonho de todo menino é abater a primeira foca, cuja pele é macia como seda. É um rito de passagem, comemorado com muita festa.
Os topônimos são um quebra-língua, cheios de consoantes, vogais dobradas, lindos e… impronunciáveis. Vêm do groenlandês as palavras caiaque e anoraque. Qeqertarsuaq — a costa oeste da Groenlândia / Kalaallit Nunaat é de uma imponência dramática. Da escotilha, fachos de luz e céu muito azul cheio de gaivotas.
A vila de Qeqertarsuaq, com 873 pessoas, na Ilha Disko, foi um importante centro de caça às baleias. Por todo lado varais de peixes. A base econômica é turismo, caça e pesca.
A viagem de navio segura o tempo! Por terra a gente corre atrás da paisagem, do hotel, do restaurante… aqui temos a sensação de tudo vir à porta.
As igrejas têm um estilo bem caprichado. O povo inuit — ancestrais groenlandeses — cultivavam o shamanismo e rica mitologia centrada na deusa Sedna, protetora dos animais marinhos. Sob a influência da Dinamarca o protestantismo é largamente praticado.
Na pedreira colorida tivemos um presente inusitado e inesquecível: um gigante gelado…
Paamiut — 1742 — é cercada de pedras quebradas por martelos gigantes em diversos tamanhos.
Parece mais próspera e mais limpa do que Ammassalik. Supermercado com vinhos e outros produtos chilenos, italianos, franceses. Os nativos mais velhos são baixinhos, muito enrugados. Os dentes, em geral, como os dos chineses, são encavalados. Aqui a única escola naval da Groenlândia, bem como a maior fábrica de empacotamento de bacalhau. A maioria dos 1600 habitantes é luterana.
Maniitsoq — a formação de basalto é espetacular e as montanhas atingem 2000m.
As casas tem escadarias enormes. O exercício para chegar até lá vale por horas de academia.
Em Maniitsoq, o aconchego é de pedra.
É impossível cavar nesta “terra”, por isso as tubulações de água, esgoto e luz exigem estruturas bem elaboradas sobre as rochas.
Todos os passantes nos cumprimentam. Um taxista puxou prosa; ao saber da procedência brasileira, abriu um sorriso e imitou passos de samba. Agradeci em groenlandês: qujanaq! Ganhei um amigo. Crianças muito pequenas, sozinhas a caminho da escola. Outras, também pequenas e sem acompanhantes, pegaram o Bussii.
O navio sai do mar aberto e navega pelo Estreito Ikerasassuaq ou Prins Christian, ao sul. A beleza desta passagem é incomum.
São 100km recortados de fiordes com figuras bizarras, surpreendentes. Aqui o degelo está mais extenso do que na Antártida. Em alguns pontos, cascatas de areia e solo esfarelado.
Há pouco tempo todas essas montanhas eram cobertas de neve e gelo, mesmo no verão. Agora apenas estes retalhos.
O gentil comandante, em determinado ponto, gira o navio 360°, bem lentamente. As quedas d’água, os cortes na pedreira, os icebergs ficam bem pertinho. A cada olhar para fora é como se fosse a primeira vez.
A neblina surge de repente… logo o canal do príncipe desaparece na bruma densa. A gente duvida se aquilo tudo não foi, mesmo, um passe de mágica…
Costa da Groenlândia à vista. Pela escotilha desfilam castelos de icebergs, cordilheiras de gelo ao pôr do sol. Neste fim de mundo o ciclo de cor, de luz, de movimento é um espetáculo ímpar…
É a primeira cidadinha no nosso roteiro; fundada em 1894, tem dois mil habitantes. Cada um recebe auxílio financeiro da Dinamarca, parece não haver programa de incentivo ao trabalho e o nível de alcoolismo é muito alto.
Em cada casa vimos um trenó, daí a sinalização:
Os cães são hábeis no trenó, trabalham muito e não são para brincadeiras ou de estimação. O treinador deve conhecer bem a aptidão dos cães, adestrando-os especificamente para as funções de lateral, de fundo e, principalmente, de líder na condução do trenó.
É proibida a importação de cães para impedir a mistura de raças. O ponto negativo é a manutenção desses belos e úteis animais acorrentados.
Os meninos são amáveis e a curiosidade é mútua.
O cemitério ao pé da pedreira. Cruzes sem nome ou data. Sempre visitamos cemitérios; são lugares reveladores de costumes e histórias.
A pesca é a principal fonte de alimento e cada um bota o almoço para secar.
Apenas por navio ou helicóptero se chega aqui. É um lugar muito diferente. Esta quebra de paradigma traz um misto de espanto e de surpresa.
A Islândia até a II Guerra Mundial era um dos países mais pobres do ocidente. Hoje ocupa o topo do mundo em renda e o maior número de livrarias — ah, invejável! — per capita. Aqui o centro antigo de Reykjavík.
Para tal desenvolvimento, foram adotadas medidas simples e inteligentes. Aliás, estes adjetivos estão sempre juntos em bons resultados:
Trabalho em conjunto exportando largamente peixes e frutos do mar, matéria prima farta e de boa qualidade;
Investimento em turismo; cada cidadinha procurou valorizar os seus pontos interessantes;
Incentivos ao pessoal para morar na terra natal, ao invés de migrar para a cidade grande. Uma motivação para estas pessoas se tornarem guias e/ou hospedarem os visitantes;
Aproveitamento eficiente da energia hidroelétrica e geotérmica, fornecendo água a mais de 200°C e eletricidade grátis ou de custo mínimo para moradores e indústrias; destacam-se multinacionais de alumínio, com minério importado, inclusive do Brasil.
Nesta catedral, com o tocante formato de mãos postas, o organista, com todo o talento dos seus 80 anos, nos proporciona um momento mágico: a nave se enche com o som dos Beatles — Yesterday.
A Islândia já atravessou fases duríssimas: restrições religiosas em 1550, epidemias, erupções vulcânicas devastadoras, fome dizimadora da população e animais de criação; tudo isso temperou o caráter islandês, tornando-o receptivo às causas humanitárias, à proteção do meio ambiente e cultivador das artes. Esta emblemática escultura rende filosofias e babados, não?
O ensino é obrigatório, gratuito dos 6 aos 16 anos; a natação está na grade escolar. As escolas apresentam alto nível de excelência mundial em Linguagem e Matemática. É maciça a participação política, com mais de 80% de votantes nas últimas eleições.
Esta escultura no porto Hafnarfjörður é uma homenagem aos antepassados:
É proibida a concessão de privilégios de qualquer tipo aos governantes e servidores públicos. Não há forças armadas. Nem é preciso falar da segurança e da limpeza em todos os cantos.
Com 17 mil habitantes, a antiga Akureyri é uma cidade grande. Há um estudo para limitar a avalanche de turistas — convenhamos, uma praga! — a esta ilha civilizada.
Os islandeses têm razão, pois receberam quase 2 milhões de turistas em 2015 — seis vezes o número de habitantes! Outros países vêm adotando certas restrições ao turismo em massa. Quando estivemos no Bhutan, em 2015, a taxa de turismo era de 250 dólares por dia, per capita.
A paisagem lunar entrecortada:
• pelas tampas de mesa
• o parque Dimmiborgir, onde a erupção dos vulcões desenhou as mais bizarras e surpreendentes esculturas
• lama fervente nos poços fumegantes em Hverir, como no Chile
• geisers fortíssimos cobertos de pedra e, mesmo assim, fumarola brava
• fazendas de gado e cavalos de raça para exportação. Inclusive é proibida a importação para não interferir na excelente qualidade dos cavalos nativos.
Em 1918 a Islândia proclamou a independência formal da Dinamarca. É uma nação conservadora com surpreendentes práticas modernas, avançadas e instituições democráticas inabaláveis há 1000 anos. A própria língua, de origem escandinava, sofreu poucas modificações ao longo dos séculos; praticamente sem dialetos tem alguma semelhança com o alemão: não é grande consolo!
Tendo passado por período de privação, o povo aprendeu a comer tudo: de aves, peixes, testículos de carneiro a tubarão apodrecido… sabiamente transformaram os ingredientes da terra em saborosos pratos exóticos. A carne de rena experimentamos e repetimos. Ah! São consumidos 3 milhões de litros de cerveja por ano.
A cultura é permeada de sagas heróicas transmitidas oralmente através das gerações. Aqui, a cachoeira Goðafoss, onde segundo a lenda, é a morada dos deuses.
Pela segunda vez o encantamento é ainda mais forte.
Islândia tem aproximadamente 355 mil habitantes. Pode se constatar a incompatibilidade de um amontoado de gente com um bom nível de vida…
De Bremerhaven à Islândia são dois dias de navegação. Além da superfície azulada, os montes verdes deslizam gentilmente pela escotilha:
A Islândia é aveludada! Montes com tampa de mesa devido à solidificação das lavas. Berços de neve em contraste com as rochas bem escuras. É uma fartura de azul.
Embarcamos no MS Albatros, um quarentão bem conservado, mobília nova e confortável. Tem três mesas de pingue-pongue — uma festa! — sauna, bons aparelhos de musculação, além daqueles mimos dos bons navios de cruzeiro. A piscina com ondas nos descansa das peripécias da chegada e prepara-nos para o agora!
Em nossa mesa, dois casais com idade entre 75 e 82 anos são valentes velejadores. Isto mesmo! Uma disposição incrível para singrar os mares; suas histórias prendiam-nos muito além da sobremesa. É relaxante aproveitar a ausência de rotina, as pessoas e ambientes diferentes, as novidades de cada porto. O primeiro, Seyðisfjörður:
É a cidade mais antiga da ilha, 750 habitantes. Nos arredores fundou-se uma cidadinha para funcionários de grandes empresas; é um tipo de Brasília dos burocratas, com a diferença da eficiência e excelentes resultados dos islandeses.
Fomos ao parque Hengifoss, 450m acima do nível do mar; a caminhada forte de 2km começa por esta escadinha. É impressionante a limpeza, não vimos um saquinho plástico ou pedaço de papel. Dá uma inveja…
Por todo lado, panelas enormes onde fachos de água revolta formam cachoeiras; fios de água cristalina despencam e correm apertados entre os corredores de pedra. A primeira queda d’água de 30m de uma torre de basalto compensa todo o esforço.
A principal cachoeira Hengifoss, 118m de torrentes, em meio-círculo de camadas de rochas coloridas. Aqui, a gente experimenta sufocante e maravilhosa sensação: a tal de tirar o fôlego!
O navio fornece farto almoço-piquenique saboreado numa mesa infinita entrecortada de lagoas, de pedras vulcânicas… e silêncio.
O embarque em Bremerhaven, um dos maiores portos da Europa, às margens do Rio Weser, traz curiosa excitação.
De Bremen para este porto o trem leva 34 minutos cravados. No trem, e por todo lado, um universo de gente de todas as cores, tipos e etnias. Esta diversidade recente enriquece, traz vantagens para todos.
Aqui em Bremerhaven o Atlantic Hotel Sail City, à beira-mar, nos recebe com água de hortelã e maçãs. A sauna, toda de vidro, tem a forma de um barco e as duchas bem fortes, revigoradoras.
Bremerhaven, com 110 mil habitantes, limpíssima, agradável é, essencialmente, cosmopolita. Os belos e modernos edifícios —como o centro de conferências em forma de zepelim e o hotel — acentuam o contraste entre a tradição do museu e a história intrigante de navios antigos.
Um barco a vapor, pesadão — DE Wal, 1937-1990 — uma relíquia-navegante satisfaz o desejo dos saudosistas lançando-se ao mar, de vez em quando, com uma tripulação de voluntários: