O Porto (filme de Aki Kaurismäki)

A trama do filme coloca-nos na ponta da poltrona em contínuo suspense!

A postura da mulher Arletty é de uma clarividência invejável: não impor ao parceiro uma situação dolorosa e irreversível.

O diretor finlandês mostra facetas do sistema frio e indiferente da migração; e, por isso mesmo, o genial Aki Kaurismäki considera o seu filme como um “conto de fadas”. Aos 10 anos, diz o diretor, desencantou-se da vida; adulto, tornando-se “cético e cínico”, optou, interessantemente, por roteiros ternos e cheios de esperança.

Marcel é o vilão adorável, cujo senso de humor (obviamente um sinal explícito de inteligência) dirige todas as decisões naquelas dramáticas circunstâncias. O chefe de polícia, profundo conhecedor da alma humana, é de uma grandeza ímpar, raramente encontrada em alguém que detém poder e autoridade.

Idrissa, o personagem central, tem uma sensibilidade tão determinada que até o cão a reconhece e o protege.

A solidaridade dos vizinhos dá uma inveja… aqui, também, é um “conto de fadas”…

O filme mostra, indiscutivelmente, as escolhas das pessoas: de um lado, a generosidade, a compreensão incondicional do desamparo do outro; em sentido contrário, o preconceito, a indiferença, a denúncia.

Qual a sua opção?

Meia-Noite em Paris

Woody Allen confirma, mais uma vez, a sua genialidade. O filme é riquíssimo pelas histórias paralelas de Hemingway, Dalí, Gertrude Stein, Picasso e muitos outros. A semelhança dos atores com os personagens é mais um ponto alto. A gente fica em suspenso na poltrona. Em cada encontro com os personagens do passado há um contexto especial e excitante. Conhecendo essas passagens, o filme se completa. As músicas são deliciosas.

Woody deve ter vivido muitas vezes aquela situação e, profundo conhecedor das ziguiziras humanas, retratou tão bem o personagem Gil Pender.

No meio daqueles americanos consumistas, superficiais e pedantes, Gil era mesmo um excêntrico. Também sensível, romântico e inteligente. Cada um nesta vida encontra a sua “turma” e Gil soube curtir, aproveitar as lições e a vida dos grandes escritores, artistas, gente bonita e interessante que não “aparece à meia-noite” para turistas idiotas… magistral a idéia de convidar a elegante e fina Carla Bruni. Quem mais conseguiria tamanha glória de levá-la a fazer uma ponta?

Como toda obra-prima, os insights posteriores continuam nos divertindo muito tempo depois da saída do cinema. A noiva de Gil tem os defeitos já apontados pelo poeta Trasíbulo Ferraz, na poesia “Orgulhosa”, cujo final se encaixa aqui. Gil encontra o caminho para os seus anseios e dúvidas; despacha, com firmeza e classe, a rica noiva:

Tola, vaidosa, atrevida
Soberba, inculta e banal.

 

Ali em Paris

…nem é preciso falar sobre Paris; basta deixar-se perder pelas ruas, contemplar a arquitetura secular e, incrivelmente, contemporânea; visitar, sem pressa, as galerias de arte, ouvir os músicos nas praças, perambular pelo Quartier Latin; ir passear, bem cedo, pelas alamedas do Père Lachaise… queremos falar de um lugar aliii pertinho — uma hora e meia de trem: Poitiers.

A cidade de Poitiers tem outras atrações, claro, mas para este passeio especial ao Parc du Futuroscope, localizado em Chasseneuil-du-Poitou, a 10km, pode-se adquirir um bilhete e passar um dia inteiro (equivalente a mil dias!). Parque temático sobre multimídia e tecnologia do cinema, algumas das atrações só podem ser vistas lá. A cidade abriga, ainda, um pólo tecnológico para empresas emergentes daquelas especialidades.

No Futuroscope, na década de 90, já podia-se assistir, por exemplo, a filmes 3D e até 4D! Era mesmo “o futuro” na ficção científica… foi um “Avatar” precoce. Muita gente deu pulos na sala, tentando se desviar de objetos voadores. 🙂 Outra demonstração impressionante: acendeu-se uma luz por detrás da tela, mostrando um funcionário limpando o palco; logo depois, a tela foi levantada, mostrando o palco vazio — era um filme 3D projetado a 60 quadros por segundo! Isto só uma palinha de nada…

… é um mundo encantado onde as salas de projeção de filmes de todos os tipos se transformam em florestas, em sacolejantes terremotos, em aquários com pisos de vidro… com os mais avançados recursos tecnológicos, o Futuroscope nos transporta a um universo onde a ciência brinca de magia e a realidade fantástica nos mantém suspensos e absolutamente admirados.

 

 

Um Homem Que Grita…

…é um grito interior, triste, sem esperança, desesperadamente solitário.

O filme retrata a guerra civil no Chade. No país africano paupérrimo, populoso e, claro, o mais corrupto do mundo, os rebeldes se instalaram há 30 anos e, desde então, as novas rebeliões se sucedem. Em 2008, época do filme, o caos continua com multidões buscando saída para os países vizinhos.

O diretor nativo, Mahamat Saleh Haroun, de sensibilidade ímpar, também ferido numa das escaramuças, mostra sem retoques o cotidiano de uma família. É um mundo diferente, mas o drama, as injustiças, as desigualdades, o medo, a busca, as dúvidas, as traições, são comuns e presentes onde houver ser humano.

O filme é silencioso, duro, lento como o sofrimento, sem panos quentes. Deve ser visto.

O momento em que a atriz (ela própria, cantora) entoa um lamento no dialeto é emoção pura. Infelizmente, na platéia, algumas pessoas riem e conversam… estão muito aquém da profundidade do filme. Ou disfarçam o desconforto?

A cena final forte diz tudo, sem uma letra, sobre a inexorabilidade da vida… é uma imagem na retina para sempre.

Alice no País das Maravilhas

Vá ao cinema sem grandes expectativas, vá com disponibilidade para a aventura, para partilhar as peripécias de Alice com os seus amigos e inimigos, para se emocionar com o chapeleiro maluco e brincar de bandido e mocinho!

Uma curiosidade histórica: frequentemente os chapeleiros eram considerados malucos; eram experts em chapelaria de madames e, por isso, todas as excentricidades eram validas para agradar a “cabeça” feminina.

Talvez seja este o motivo mais forte da piração dos chapeleiros! 🙂 Porém, mais tarde descobriu-se que o infortúnio dos chapeleiros era causado pela absorção, pelas vias respiratórias, dos vapores de mercúrio, quando as peles para os chapéus eram curtidas.

Vamos ao filme: os efeitos especiais são engenhosos.
A versão de Tim Burton apresenta uma inteligente comparação entre os mundos: o dos sonhos e o mundo real. Daí a boa idéia de Alice já moça.

Nos sonhos, Alice aprende a lição fundamental: a escolha pessoal e intransferível de conduzir o próprio destino; certa disso, consegue vencer a hipocrisia e as convenções vazias do mundo dos lordes… o mesmo mundo de hoje.

O filme retrata bem a situação do casamento, ainda comum: é a porta de saída para a mulher, principalmente; através de um custoso evento social os pais concedem a alforria aos filhos; a partir daí os jovens embarcam numa relação, muitas vezes, insatisfatória; os corajosos conseguem se libertar e alçar vôo… é a grande façanha de Alice.

Ah! Não perca os créditos finais. São apresentados numa moldura, onde vão surgindo surpresas… os apressadinhos perdem…