A repetição irrefletida de citações, poesias, letras de músicas e, até, fatos cria disparates. Algumas pérolas:
a primeiríssima do hino nacional uvirundum — um clássico!
batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão Popular – esparrama pelo chão
quem não tem cão, caça como gato. Popular – caça com gato.
corro de burro quando foge. Popular – cor de burro quando foge.
Elis Regina: mas é você que ama o passado e que não vê Popular – mas é você que é mal passado
Paralamas do Sucesso: entrei de gaiato no navio. Popular – entrei de caiaque no navio.
Djavan: amar é um deserto Popular – amarelo é o deserto.
O nosso Drummond não escapou: hoje é domingo pede cachimbo… Popular – hoje é domingo pé de cachimbo. Quantos pés de cachimbo existem no quintal? Domingo pede cachimbo, como pede descanso, pede calma.
Inclui-se nestas esquisitices a expressão “a sopa no mel” sem significado ou sentido. A origem desta idiossincrasia está no provérbio português:
sopa de mel não se faz para boca de asno.
Este, sim, rico em significado e fina ironia. Com a troca da preposição de por no a voz do povo misturou tudo e deu lambança.
Raul Seixas botou a boca no mundo: eu sou a mosca que pousou na sua sopa… uma forte metáfora no contexto político-militar.
A expressão a mosca no unguento já se usava na Grécia, final séc.XIX, para assinalar um defeito, incômodo ou gafe para estragar plano perfeito ou… quase. Este sentido permanece em várias outras línguas na variação a mosca na sopa. Há centenas de charges, de tiradas inteligentes. Aqui uma versão: A mosca — “garçon, tem um humano na minha sopa!”
A abelha no mel significa atração, imã, o equivalente a peixe na água: • na feira, os visitantes caíram como abelhas no mel; • as mulheres acorriam à liquidação de sapatos como abelhas no mel. Lô Borges, Paula Fernandes cantam: “feito abelhas no mel”.
Agora, a escolha certa na situação concreta a mosca na sopa a abelha no mel jamais sopa no mel.
O pequi tem cabeça dura — faca martelo pedrada — nada o fura naquele momento amadurece se abre fácil em estrela de cinco pontas e oferece o fruto dourado perfuma o cerrado
A caminho de Crucilândia, a 100Km de Belo Horizonte, a lanchonete do Compadre — Paineiras da Serra — tem o pastel mais gostoso do mundo! A parada faz parte do roteiro-surpresa.
Em Itaguara a Santa Casa de Misericórdia, administrada por eficientes colaboradores e o provedor Edvar Mamede, presta valiosos serviços a sete municípios da região. A visita à Santa Casa nos mostra o poder da dedicação em minorar a dor e o sofrimento.
Aqui em Crucilândia a organização de festas religiosas, cavalgadas, Enduro da Cachaça, Festa do Peão Boiadeiro e Carro de Bois e outras comemorações é uma importante valorização dos costumes e da cultura dessa boa gente.
Este agradável lugar lembra, pelo acolhimento, as cidadinhas do Bhutan. Não é preciso ir tão longe para curtir um lugar tão especial, a generosidade de nossos anfitriões, o entorno ondulado ao amanhecer na nossa varanda
… a prosa relaxante e rica em volta da mesa com a cheirosa comida mineira, a incomum flor de jade, ameaçada de extinção
…as hortaliças também são generosas e fazem inveja às pobrezinhas de sacolão. Parte desta folha polpuda de couve vale por um caminhão de nutrientes!
O ponto alto nesta viagem é a visita à ASSOPOC — Associação dos Protetores das Pessoas Carentes —, destinada ao cuidado exemplar de idosos, jovens e crianças. É um programa avançado, inteligente e, claro, muito bem administrado. O mundo carece de mais doadores! Cada um de nós pode doar: alfabetização, ensino de trabalhos manuais, ajuda financeira, proteção, uma boa palavra na medida do possível. A doação e o trabalho voluntário são as maiores fontes de gratificação interior. Sartre concluiu: o inferno são os outros; nestes momentos de boa convivência, vem a nossa certeza: os outros podem ser o paraíso!
Nossos amigos conseguiram transformar a fazenda florida…
…em um refúgio. Assim, parodiando Manuel Bandeira: estamos em Pasárgada somos amigos do rei!
Pé na estrada é a opção para evitar aeroportos, mas as rodovias por estas bandas desanimam. A malha rodoviária brasileira, em geral, há anos clama aos céus.
De Belo Horizonte a Prado, sul da Bahia, são aproximadamente 780km: 12 horas; alternativa de pernoite em Teófilo Otoni. As rochas escarpadas na região de Nanuque formam esculturas espetaculares.
Prado, às margens do rio Jucuruçu, aldeia indígena antes de 1755, cerca de 28 mil habitantes, é muito agradável, principalmente pelos cumprimentos dos amáveis pradenses e poucos turistas nesta época.
Aqui é o ponto de partida para as praias de Tororão, Paixão, Cumuruxatiba, Barra do Cahy e mais uma fileira a perder de vista.
Estivemos no Tororão, a 12km da cidade, a praia das falésias, muito boa para longas caminhadas:
A Pousada Novo Prado, a meio quarteirão da praia, tem uma equipe atenciosa e boas acomodações. Daniel Craide, o gerente-proprietário, cultiva variadas hortaliças do outro lado da rua. É um projeto inteligente e útil, um bom exemplo.
As barracas ocuparam parte da praia do Centro, próxima à pousada; o mar tem avançado aproximando-se da orla. Há registros, em alguns pontos, de erosão e avanço do mar em ±50 metros.
O enigma deste mar infinito é renovador…
A nota dissonante da viagem foi o corte de duas fortes e saudáveis árvores na praia do Centro. Vimos outros cortes na avenida próxima. Lamentável o despreparo dos órgão municipais na preservação destes preciosos seres vivos. Tais danos irreparáveis causaram perplexidade e tristeza a outros hóspedes e moradores. A cidade está com dezenas de visitantes: os urubus! Eficientes faxineiros sinalizam a má qualidade da limpeza ambiental.
A elegante igreja de N.S. da Purificação foi instalada por alvará em 1795. O término da obra levou quase 100 anos.
O alerta na tabuleta da praia — atribuído a Frida Kahlo — nos leva mais fundo:
Tanto duvidaram dele, da teoria daquele jovem gênio musical, que ele resolveu provar pra si mesmo, empiricamente, a teoria de que não existem animais selvagens. Que os animais são tão ou mais sensíveis do que os seres humanos. E que são sensíveis sobretudo ao envolvimento da música, quando esta é competentemente interpretada.
Por isso, uma noite, esgueirou-se sozinho pra dentro do Jardim Zoológico da cidade e, silenciosamente, se aproximou da jaula dos orangotangos. Começou a tocar baixinho, bem suave, a sua magnífica flauta doce, ao mesmo tempo em que abria a porta da jaula. Os macacões quase que não pestanejaram. Se moveram devagarinho, fascinados, apenas pra se aproximar mais do músico e do som.
O músico continuou as volutas de sua fantasia musical enquanto abria a jaula dos leões. Os leões, também hipnotizados, foram saindo, pé ante pé, com o respeito que só têm os grandes aficionados da música. E assim a flauta continuou soando no meio da noite, mágica e sedutora, enquanto o gênio ia abrindo jaula após jaula e os animais o acompanhavam, definitivamente seduzidos, como ele previra.
Uma lua enorme, de prata e ouro, iluminava os jacarés, elefantes, cobras, onças, tudo quanto é animal de Deus ali reunido, envolvidos na sinfonia improvisada no meio das árvores. Até que o músico, sempre tocando, abriu a última jaula do último animal – um tigre.
Que, mal viu a porta aberta, saltou sobre ele, engolindo músico e música – e flauta doce de quebra. Os bichos todos deram um oh! de consternação. A onça, chocada, exprimiu o espanto e a revolta de todos:
– Mas, tigre, era um músico estupendo, uma música sublime! Por que você fez isso? E o tigre, colocando as patas em concha nas orelhas, perguntou: – Ahn? O quê, o quê? Fala mais alto, pô!
MORAL: OS ANIMAIS TAMBÉM TÊM DEFICIÊNCIAS HUMANAS.
Millôr Fernandes, autodidata, é um dos maiores jornalistas e chargistas da imprensa brasileira, século XX. Carioca do Méier, Milton Viola Fernandes foi registrado como Millôr devido a uma dúvida na caligrafia. Na revista O Cruzeiro publicava sob o pseudônimo Vão Gôgo! Inteligentíssimo, como o demonstra o seu senso de humor. A vastíssima escrita de Millôr é atemporal, como toda obra-prima.
De Santiago do Chile fomos a Valparaíso — por uma carretera ao pé da majestosa Cordilheira dos Andes — um dos portos mais importantes do Pacífico Sul. Perambulamos pelas ruas largas e limpas da cidade bem antiga; foi destruída por um terremoto em 1906, apenas o edíficio da Alfândega sobrou. Esta praça é o resultado da pitoresca mistura de estilos.
Preciosas descobertas de artistas desconhecidos:
Embarque no MS Columbus. Depois de algumas horas uma imensidão azul… um círculo infinito… apenas o navio nesta bola ondulante. A viagem se transforma em um exercício para experimentar, tão só, o presente.
Rapa Nui — em língua nativa — o reino dos Moais gigantes e misteriosos, à vista:
Um holandês, em 1722, espalhou para o mundo ocidental a notícia desta ilha misteriosa. São preocupantes as causas, ainda que controversas, do colapso ecológico na ilha. Uma das teorias é a exploração exacerbada dos próprios recursos. Um poderoso alerta para nós, do lado de cá, do prejuízo irreparável da queima das florestas e poluição das águas.
Moai-vigia vê tudo na ilha, como nos contou um gentil pascoense.
Em determinada época na lua cheia o Moai-vigia se ilumina integralmente — é o início da semeadura. Toda a ilha se involve. É consolador constatar a força destes costumes ancestrais.
Esta é a terra encantanda dos espantos e dos sustos…
Do porto fomos a pé ao vilarejo — lembra Trancoso — e contamos com a amabilidade de uma carona, além de informações, pela professora que jamais saiu daqui: na sua infância, não havia água corrente nem luz nem dinheiro! Tudo era troca. Um paraíso? Pedimos e essa professora nos ensinou a falar Iorana / obrigado. Aliás, é a palavra essencial em qualquer terra estrangeira.
O cemitério…
Os muros todos são de pedras empilhadas, ao estilo celta. O artesanato é bem rico. Cultivam abacaxis, goiabas, abacates e hortaliças. Os professores têm uma queixa justificada: os jovens estão resistindo ao aprendizado da língua Rapa Nui. É uma inestimável perda cultural. Há 4 colégios, um para cada nível escolar; lá é servido almoço. A segurança e tranquilidade são inerentes à ilha.
Reviver boas lembranças é um bálsamo. Esta páscoa há de ser a passagem para a alforria…
Neste mundo à mingua de silêncio e abarrotado de whatsapp, os rabiscos de pedidos. Entrega imediata: — calma para estar no presente — o toque de despertar nas fibras do peito — a surpresa de rever o mar como na primeira vez — abraços inteiros de corpos ensaboados com cravo e canela…
Principalmente agora, nem é preciso voar… lugares surpreendentes estão na porta de casa!
Cada um se sente atraído por um tipo de lugar: muitos curtem o burburinho das noites e as luzes da cidade! Outros adoram as novidades da moda, da eletrônica, os cassinos, o mufurufo da Disney e adjacências. Alguns se aventuram pelas trilhas, florestas, montanhas e desertos. Cada qual escolhe a aventura que lhe dá na telha e, assim, todos se divertem. É o mais importante.
Este passeio é especial para os amantes de cachoeiras. É mágico. A Roncador Expedições nos leva ao Complexo do Bateia. Está a 60km de Barra do Garças, Goiás; parte asfalto, a outra melhor parte é por 4×4 e um tanto de caminhada. A natureza se esmera em curvas, rochas de arenito, cavernas e boas subidas; as flores daqui fazem inveja às pobres produzidas nas floras na cidade.
Melhor ainda não haver infras — como resumiu um guia de outras paragens — nada de lanchonetes, é mato puro: a água é a dos riachos cristalinos, potável e fresca. O lanche vai na mochila e passa-se muito bem. Aliás, nem há espaço para fome diante de tanta beleza.
As cachoeiras são como seus apelidos: Caldeirão da Bruxa, Pedra Furada, Esmeralda… e vão surgindo mais e mais! Cada uma mais fascinante e convidativa. A próxima cachoeira forma uma graciosa curva, despenca numa bacia revolta e… desaparece! Isto mesmo. Alguns metros abaixo, reaparece, toda faceira, sob uma pedra. Um capricho só.
O dia voa. A cabeça completamente esvaziada. É aqui o nirvana!
Na volta, a compra do queijo fresquinho e delicioso de D. Dalvina. Aí o abrigo dos animais:
Ao anoitecer, a mais bela das surpresas: o campo se ilumina com centenas de luzinhas no pisca-pisca dos vagalumes. A orquestra de luzes é emocionante, inigualável. Com a alma lavada pelo banho nas águas cristalinas e fortes tudo está completo!