Ponto de Vista

Três homens trabalhavam numa pedreira.

Um deles reclamava sempre, o outro era indiferente;
o terceiro trabalhava alegre com afinco.

Certa vez perguntaram-lhes o que faziam:
—quebro pedras, cuspiu o primeiro;
—carrego blocos para pagar as contas, mastigou o outro;
—estou construindo catedrais, sorriu o terceiro!

Adaptação de história de domínio público, Copyright©2010 Maria Brockerhoff

A chuva

Para Heloísa…

Finalmente
na madrugada
a chuva pesada!

lavou a carência
da terra rachada

levou a poeira
limpou a cumieira

entumesceu as raízes
renovou os matizes

forte e com jeito
encharca o vale
seco do peito

Copyright©2010 Maria Brockerhoff

Jean-Yves Leloup: Os rins

No livro O Corpo e Seus Símbolos, já citado, a lição de Leloup é escutar o corpo “que não mente”; o corpo é “nossa memória mais arcaica… nele nada é esquecido”; cada acontecimento deixa no corpo uma marca profunda.

Leloup nos ensina que um atento observador pode constatar em si mesmo e nos outros a incrível simbologia dos rins. Nesta linha de pensamento, os rins são locais de “escuta” no interior de cada um; os rins escutam e filtram as mensagens do sangue, purificando-o.

Atualmente, vivemos sobrecarregados e estes excessos tornam impossíveis aquela filtragem… por isso, tantos problemas renais.

As dificuldades da função renal podem ser indicações de que estamos na direção errada, de que nos fatigamos inutilmente… a nossa vida está sem ou perdeu o objetivo.

Alguns problemas renais indicam desperdício, perda de energia e, muitas vezes, omissão em atender “a solicitação do corpo para mudar de direção… e a maneira de viver”.

A doença é um esforço do corpo para se curar, é o aspecto positivo de maladie – em francês, um mal a dizer -. Finalmente, a sábia conclusão do mestre:

Os rins são um espaço para a palavra que temos de escutar.

Oásis

…avenida Pedro II, trânsito lento, casario feio, passeios cheios de lixo; à direita, avenida Bias Fortes; o viaduto enegrecido completa a paisagem desolada da cidade grande.

Logo depois da esquina, uma massa dourada à direita, um oásis de flores amarelas, algumas pétalas esvoaçando…
    a rua se iluminou
    a feiura sumiu
    os cachos coloridos penetram a retina
    um fio de esperança desponta.

Este Ipê magnífico, como o são todas as árvores, recebe em troca as queimadas, as serras elétricas e a derrubada para os blocos de cimento disfarçados em áreas de “lazer” e em espaços “gourmet”.

Oh! humanidade desvairada…
    Que venha o outro dilúvio!

Marilyn

O vestido de Marilyn Monroe, na noite de gala do aniversário de JFK em Nova York, em 1962, foi desenhado e cortado por Jean-Louis Berthauldt, estilista francês, que já inventara a incrível silhueta de Rita Hayworth em Gilda.

Marilyn deu-lhe uma única sugestão: “faça um vestido que somente Marilyn ousaria usar” – dito e feito!

O mago da costura desenhou um sonho; o vestido foi feito com tecido tão leve e transparente como uma nuvem de seda, foi fabricado especialmente para este dia.

Foi necessário sobrepor 20 camadas de seda nos seios e entre as pernas para evitar transparências e “seis mil pedras de strass foram semeadas por todo o tecido, fazendo-o cintilar”. Dezoito costureiras trabalharam por quase uma semana. Impossível vestí-lo; foi costurado, literalmente moldado sobre a pele de Marilyn. Então, ela só pôde entrar no palco com passinhos minúsculos como os de uma gueixa. Delírio absoluto…

O traje custou 12 mil dólares equivalentes a quase 200 mil reais de 2010; foi leiloado pela Christie’s por mais de um milhão de dólares.

A apresentação do  “Happy Birthday, Mr. President” durou 7 minutos e foi o que restou daquela época – de orgias e guerra fria – regada a Dom Pérignon.

Em 4 de agosto do mesmo ano, Marilyn mergulha para sempre, à deriva, “na escuridão de azeviche”.

Quanto desperdício!

(do livro “Marilyn et JFK”, de François Forestier, jornalista e crítico de cinema, romancista e biógrafo.)

Frida

Frida – A Biography of Frida Kahlo (Hayden Herrera, 1983).

A vida de Frida Kahlo é a mais arrojada ficção, ultrapassa qualquer criação imaginária.

As circunstâncias do acidente fazem refletir sobre a imponderabilidade da vida…

Frida e o namoradinho Alejandro pegaram um ônibus na tarde de 17/9/1925. Frida notou que havia perdido a sombrinha e desceram para procurá-la. Pegaram o próximo e logo depois se deu a colisão entre o bonde e o ônibus.

Frida quebrou a coluna em três lugares, a clavícula, a terceira e quarta costelas. A perna direita teve 11 fraturas, o pé direito foi deslocado e esmagado, o ombro direito deslocado, a pélvis quebrada em 3 lugares. O corrimão de aço atravessou a pélvis, empalando-a. Frida sofreu, pelo menos, 32 cirurgias. Na infância, já superara surpreendente e corajosamente, através de exercícios físicos, uma pólio.

Outra pitada surreal: alguém – provavelmente um pintor – trazia um pacote que estourou e um pó dourado cobriu o corpo ensanguentado de Frida, aí as pessoas gritaram “a bailarina! A bailarina!”

À época, Frida não encarou o acidente como tragédia; procurou direcionar, da melhor forma, a imobilidade forçada. Embora tivesse interesse em artes, a ambição maior era tornar-se médica. Como não podia nem sentar-se, decidiu aproveitar a “oportunidade” (expressão dela mesma) de estar por longo tempo na cama, pediu a caixa de pintura a óleo e pincéis que pertenciam ao pai e começou a pintar

Getúlio Vargas, 24 de Agosto de 1954

…tenho nítida na memória aquela manhã tão clara como a de hoje; todas as alunas do curso ginasial – o nome era este – reunidas no anfiteatro para a aula de canto orfeônico (alguém ainda diz isso?); a madre interrompeu a cantoria para informar que as aulas estariam suspensas: o presidente Getúlio Vargas se matara…

Após o impacto de dois segundos, a explosão foi de alegria; estaríamos livres por uns dias! Doce irresponsabilidade da infância…