Vulcão Cotopaxi — Ecuador

Os vulcões, como os seres humanos, trazem grandeza e destruição dentro de si mesmos.

De Quito, a Avenida de los Volcanes avança para as montanhas, em direção ao Cotopaxi, um dos mais altos, com 5.897m. A Avenida dos Vulcões justifica o apelido dado pelo alemão Humboldt, naturalista, historiador e geógrafo, que esteve por 5 anos pelas Américas no século XIX. Ao largo da Cordilheira dos Andes — um maciço espetacular de, aproximadamente, 8000km — este caminho conecta o norte ao sul do país e abriga lugarejos remotos, vales, formas pitorescas, canions, rios e lagos. Nesta surpreendente avenida, com dezenas de soberbos vulcões, a vida ainda gira em torno das tradições e costumes andinos.

Chegamos ao Parque Nacional Cotopaxi e, daí, a rodovia se estende ao infinito, numa paisagem em 360 graus. O Cotopaxi, o segundo mais alto do Ecuador, se apresenta com o cumbre coberto de neve.

Nesta região dos Andes, o páramo guarda um ecossistema tão simples quanto admirável e eficaz:

a vegetação baixa, alpina, típica dos locais frios e úmidos, forma uma esponja natural, a maior do mundo, coletora de água gota a gota. Este incrível processo contínuo forma fontes cristalinas de pequenos riachos, sem origem glaciar, fundamentais para todos os seres vivos destas paragens.

É um sistema eficiente, mas frágil, e a pecuária é uma ameaça séria.

CuelloDeLaLunaChegamos ao estacionamento do Parque, de onde só se prossegue a pé ou de bicicleta. O Cotopaxi, por ser um cone perfeito com o formato de “ombros” arredondados, tem o apelido de cuello de la luna; isto se vê quando a lua cheia “pousa” na cratera.

A uma altura de 4660m começamos a subida. O vento castiga e a partir de um ponto a respiração é curta, a cabeça vira um insistente tambor-tum-tum, obrigando-nos a parar a cada dez passos. Cristian, nosso guia bem-humorado, nos empurrava morro acima. A 4864m está o Refúgio, um pequeno abrigo para os corajosos aspirantes ao cume.

As erupções do Cotopaxi, cuja cratera mede 480m, são arrasadoras; podemos ver a força da lava pelo extenso canion sulcado pela erupção de 1904.

A terra negra faz um belo contraste com um manto macio de neve que, egoísta, esconde o Cotopaxi. Aqui uma pedra! Oba! É um camarote para recuperar o fôlego e aproveitar o silêncio cheio de sons desse lugar especial. O Cotopaxi, de longe, é gentil e convidativo, mas… vamos dar meia-volta. Alguns continuam o aclive e já se transformam em pequenas figuras lááá em cima.

A descida “es papaya”, como dizem por aqui. Sim, agora, todo o santo ajuda, ainda mais com um caldo quente e chá de coca, aliás, muito raro no Ecuador. Além de artesanías, há no Parque um pequeno museu sobre vulcões e a demonstração dos danos da pecuária e agricultura quando ocupam o lugar das matas nativas.

…saímos daqui leves, quietos, trazendo a beleza do Cotopaxi com a gente…

Quito — Ecuador

O Ecuador é uma grata surpresa! A maior é o mestre pintor e escultor Oswaldo Guayasamín, do mesmo quilate de Picasso.

Foto: Robert Nunn (Creative Commons)

Cidades limpas, gente amável em trajes coloridos, arte e tradição emolduradas por uma natureza generosa.

O aeroporto de Quito tem uma boa estrutura, a passagem pela alfândega bem rápida, as rodovias largas e bem sinalizadas. Inaugurado há 2 anos, o moderno aeroporto se deslocou de Cumayo, a parte antiga, com as casas encarapitadas em ladeiras íngremes. Aqui a Iglesia de Guápulo, uma das mais antigas de Quito, atrai devotos de todo o país.
As ruas em direção ao centro são estreitas e muito movimentadas. Como no Brasil, o uso de veículos privados é geral e o de transporte público é, ainda, restrito.

O motorista gentil, muito bem informado, nos deixou no Hotel Café Cultura, cuja fachada e bonito jardim impressionam bem. Ledo engano! Sob a “capa” de colonial o estilo (?) é o de ambientes fechados com ventilação precária. A saleta de estar no lobby é atulhada de objetos, sofás e livros muito velhos. As belas rosas equatorianas não disfarçam o cheiro de mofo. Não conseguimos ficar, muito menos dormir, no hotel — praticamente vazio — tal a sucessão de espirros… não tivemos a menor atenção da direção deste tal Hotel Café Cultura (?), a não ser a cobrança de dois pernoites; por aqui, isto se chama “asalto”.

Felizmente, a nossa eficiente agência Happy Gringo nos indicou um outro hotel bem situado, com um pessoal atencioso, tudo limpo. O novo e arejado Hotel Nü House tem uma boa vedação das janelas proporcionando uma boa e silenciosa noite de sono.

Nesta época de páscoa a comida típica, muy rica! é a Fanesca, no restaurante Mama Clorinda, ao lado do Hotel Nü House. É um creme de milho com variadas sementes, pescado, bacalhau, banana, ovos cozidos; a sobremesa um delicioso figo acaramelado com queijo fresco. A comida por aqui é muito boa, com peixe, camarão, milho de muitos tipos, abacate, legumes e — sempre — papas, a versátil batata inglesa.

O centro histórico de Quito é imponente com casarões antigos bem conservados. A Calle de Siete Cruces é uma avenida com sete igrejas históricas e suas cruzes. Basta este recorrido para avaliar todo o poder dos colonizadores espanhóis retratado pelo esplendor das igrejas que, por si só, vale a viagem ao Ecuador!

Iglesia de la Compañía de Jesús é a expressão máxima do estilo barroco. Fotos, apenas com permissão especialíssima. Foi construída durante 160 anos pelos maiores artífices jesuítas e centenas de exímios artistas anônimos da Escuela Quiteña. À luz do sol, através das clarabóias, a igreja revestida em ouro 23k é de uma beleza inimaginável.

Basílica del Voto Nacional em estilo gótico lembra a catedral de Colônia — Alemanha. Também magnífica a Iglesia de San Francisco, um verdadeiro museu de milhares de obras de arte colonial.

Na Plaza de la Independencia, um significativo monumento aos heróis de 1809 que, liderados por Bolivar, lutaram bravamente contra os opressores espanhóis, vencendo-os. O monumento veio da Bélgica: uma altiva mulher representa a liberdade; um condor com as correntes quebradas simboliza o Ecuador; nos degraus, um leão escorraçado, a Espanha.

Muito conhecido por aqui é o monumento La Mitad del Mundo: o museu Inti Ñan — com esculturas de povos adoradores do sol — e a demonstração de fenômenos da latitude zero. É um lugar tipicamente turístico.

Uma belíssima surpresa foi nossa descoberta, por acaso, do mestre pintor e escultor Oswaldo Guayasamín. A divulgação deste visionário artista indígena e a visita à Fundación Guayasamín deveriam ser ítens imprescindíveis em todos os roteiros em Quito. Diante de Guayasamín, a esperança na humanidade se renova.

Ilha Isabela — Galápagos

Na manhã fresquinha o mar prateado convida para um mergulho agora, antes mesmo do café. As ondas descansam, relaxam, renovam toda essa engrenagem de corpo e mente!

No farto café da manhã os sucos exóticos são saborosos e o tal suco de Babaco é um néctar…

Rumamos para as terras altas de Isabela. Veículos não são permitidos além da entrada do Parque Sierra Negra. A partir daqui é uma boa caminhada, sem esforço, de 2km, até a cratera do vulcão Sierra Negra. A vista de 360 graus das elevações vulcânicas, do mar, das ilhas lá embaixo, traz uma boa sensação.

Esta cratera — 10km de diâmetro — é considerada a segunda maior do mundo entre os vulcões ativos; a primeira é do Ngorongoro, na Tanzânia. A última erupção do Sierra Negra, em 2005, durou uma semana e, felizmente, se restringiu à cratera.

Num ponto mais distante e de acesso bem mais difícil está o vulcão Chico, em plena atividade, com fumarola e tudo. Os mais corajosos prosseguiram… nós voltamos para um excelente almoço no Rancho Primicias, uma fazenda de pioneiros na ilha. A comida muito gostosa com hortaliças e frutos do pomar. Mangueiras carregadas são uma festa de doçura suculenta. Ofereci uma manga amarelinha para um jovem americano e valeu vê-lo sorver, pela primeira vez, o caldo com a cara mais surpresa do mundo! Nas redes, na sombra, uma soneca é inevitável.

Em convênio com o Parque Nacional Galápagos, estes fazendeiros cuidam de tartarugas gigantes ali mesmo no quintal. Os cuidados com a preservação são bem avançados; o gado é controlado em corrales, cultivam banana, cana, papaya em áreas determinadas.

À tarde passeamos em volta de uma laguna — uma antiga mina — alimentada pela água das chuvas abundantes por aqui. Hoje é o habitat de flamingos e outras espécies de aves.

Centro de Crianza de Tortugas desenvolve um programa da máxima importância na criação e preservação das tartarugas, mantido por organizações internacionais. As tartarugas-bebês são criadas em caixas ventiladas a 1m do solo, com alimentação balanceada e cuidados especiais até os 5 anos, pois a carapaça dos bebês é muito frágil. A partir daí são mantidas em compartimentos separados conforme a idade. Em todo o parque há enormes pés de mancenilheiras — as “maçãs venenosas” nativas — um dos alimentos preferidos das tartarugas a partir dos 5 anos.

Por volta dos 25 anos as tartarugas voltam para o habitat; nesta época a carapaça já está bem dura e resistente aos ataques de ratos, gatos e — até recentemente — cabras e porcos. Antes destes programas, as tartarugas não sobreviviam. Uma medida drástica, mas eficaz, em 2005, resolveu de uma vez os ataques. 300 mil cabras e porcos foram abatidos por caçadores, inclusive australianos, especialmente treinados. Foi um churrascão sem precedentes nas ilhas e em Guayaquil, Ecuador.

Agora, na volta ao confortável Hotel Red Mangrove/Isabela Lodge, a praia é irresistível. Com uma gentil turista peruana aproveitamos muito as ondas e as estrelas.

Para a despedida, Las Tintoreras, ilhotas de lava retorcida, habitat dos pássaros de pés azuis, de pinguins tropicais — a única e menor espécie — de colônias de iguanas e leões marinhos e dos tubarões de pontas brancas que vivem na fartura dos mangues abrigados pelas pedras negras no mar esmeralda à vista dos cumes dos vulcões.

Aqui, mais uma vez o “snorkeling” em meio a milhares de peixes coloridos, tartarugas e minúsculas plantas suculentas. Mal pude acreditar em um cardume de peixinhos de poucos centímetros, da espessura de uma agulha de linha grossa, transparentes, visíveis apenas sob determinado ângulo da luz do sol. Inimaginável! O silêncio sob as águas é repousante e tranquilizador.

Ao longo do tempo, certamente este turismo constante prejudicará o frágil ecossistema e suas encantadoras criaturas.

O transporte existente entre as ilhas é complicado e cansativo devido às distâncias. Assim, em navios de cruzeiro, o aproveitamento é, sem dúvida, muito maior.

Poema urbano e um destino trágico

Uma árvore delicada
quase frágil
presa à calçada
se cobre de pendões
amarelos…
iluminam a avenida
cheia de ruídos
e gente distraída.
Se enfeita
ignora a desfeita
dos desiludidos.
Os galhos floridos
sob a chuva
ou sol matutino
estão plenos abertos
prontos e certos…
Admirável
esse destino!

Copyright ©2013 Maria Brockerhoff

Dias depois…

Este belo e útil ser vivo renascerá das feridas?

Galápagos — Ecuador

O arquipélago é de origem vulcânica. As sucessivas erupções formaram montanhas submarinas gigantescas, das quais as ilhas são apenas uma pequena amostra.

A Copa Airlines voa de Belo Horizonte MG a Guayaquil, Ecuador, com escala na cidade do Panamá. Evitamos, ao máximo, qualquer conexão em São Paulo. A companhia oferece bons serviços, não houve atrasos; as poltronas são espaçosas mas os “pés” ainda não se elevam o suficiente. A mais confortável poltrona-leito — a “flat bed” — é a da South African Airways. O melhor toalete a bordo é o do Airbus 330-300 da Lufthansa; o projetista inteligente teve a excelente idéia de abrir ali uma janela. A luz do sol e as nuvens pertinho iluminam aquele cubículo, ops! o banheiro, e o melhoram muito!

Pernoite em Guayaquil, a maior cidade do Ecuador, no tradicional e bom Hotel Hampton Inn. No dia seguinte, vôo para Galápagos. O aeroporto da Ilha de Baltra tem modernos equipamentos de energia solar e cuidadoso programa de preservação ambiental. Paga-se uma taxa de turismo de US$100 por pessoa, razoável!

O destino é Puerto Ayora na ilha vizinha de Santa Cruz, a 42km. A princípio bem árida, a ilha vai se cobrindo de verde até atingir uma densa vegetação. Puerto Ayora é um vilarejo limpo, com bons hotéis, restaurantes e muito boa estrutura de turismo. A Galeria de Arte Aymara é surpreendente, com belíssimas obras de artistas peruanos. Pertence a um suíço que veio visitar Galápagos… …há 28 anos.

O Hotel Red Mangrove, muito agradável, está em meio ao mangue cheio de caranguejos coloridos. O restaurante aberto para o Pacífico, onde as iguanas e lobos marinhos são os hóspedes principais.

O segundo dia foi para remar nas águas turquesa e observar os tubarões — tiburones — e os filhotes bem pertinho do caiaque. Ao alcançar a baía de águas cristalinas, o irresistível “snorkeling” cercado de pássaros — aqueles de inacreditáveis pés azuis — enormes pelicanos, lobos marinhos e tartarugas. Uma fragata — aquela ave com um enorme papo inflável — não se dignou a fazer uma demonstração.

À tarde partimos para a Ilha Isabela, a maior, em formato de cavalo-marinho. São mais de duas horas numa barulhenta lancha/voadeira. Na travessia, um “pão-de-açúcar” de rocha amarelada, entre outras formações, surge das águas revoltas do Pacífico. Na chegada, outra taxa, esta de US$20.

O hotel, da mesma cadeia Red Mangrove, espaçoso e confortável, está a poucos metros da praia muito limpa de Puerto Villamil com boas e convidativas ondas; aproveitei! Bem perto, um pitoresco bar abandonado, onde as pedras vulcânicas em círculo resistem às ondas bravas.

As espreguiçadeiras do hotel, na praia, são um camarote…

Dwarika’s Hotel — Kathmandu

Este hotel 5 estrelas é um elegante conjunto formado por uma antiga vila nepalesa, um museu cercado de jardins e um repositório arquitetônico com todas as amenidades e conforto modernos.

P1120094Ambica, a mulher do fundador Dwarika Das Shrestha, desempenhou um papel fundamental na realização dos sonhos do marido. Visionária, muito à frente do seu tempo, quando as mulheres eram ainda mais desvalorizadas e submetidas às ordens rigorosas, às vezes cruéis, da sogra e dos parentes machistas.

Dwarika também sempre teve idéias avançadas. Na década de 40, conhecia os benefícios e praticava vigorosos exercícios físicos, já escandalizando o pessoal com uma invejável barriga-tanquinho, além de ser favorável à educação formal de mulheres. Isto enfurecia os familiares e amigos conservadores. A filosofia de Dwarika era revolucionária: se a mãe estiver bem, se tiver boa saúde e educação, as crianças crescerão bem.

P1120136Interessante como, sob as crenças, as lendas, as superstições, os costumes, o hinduísmo avilta, hoje ainda, a condição feminina. O próprio Dwarika convenceu Ambica que a solução seria saírem do clã familiar. A gota d’água foi uma “escandalosa” volta de moto por Kathmandu, com Ambica na garupa.

P1120116O jovem casal partiu para vida e carreiras novas. Ambica começou a lecionar inglês — um deus-nos-acuda! — e Dwarika abriu a primeira agência de turismo, no Nepal, para peregrinos ao Pashupatinath. Compraram um terreno, onde sobre os alicerces antigos levantaram uma casa nova. Dwarika tinha um conceito diferente sobre a preservação da cultura e dos costumes nepaleses através da conservação do patrimônio arquitetônico e da história entalhada nos pórticos pelos antigos mestres Newari.

P1120097O insight se deu quando Dwarika, ao passar por umas ruínas, viu os marceneiros serrando peças ricamente entalhadas. Os marceneiros explicavam que tais entalhes só serviam para queimar, aquecendo-os no inverno. Diante dos marceneiros atônitos, propôs a troca da madeira velha por madeira nova. A partir de então, Dwarika vasculhava demolições e acumulava tudo. Daí nasceu a idéia de montar um empreendimento comercial: fundaram o hotel Dwarika’s “meramente como veículo para financiar o sonho”.

P1120106A construção do hotel levou 40 anos. Dwarika morreu em 1992, um ano antes de completar a obra. A esposa Ambica, a filha e o neto continuam a gerir o precioso legado. Hoje, o valor da diária das suítes de luxo é de, até, US$1500. Ambica mantém e dirige uma associação que incentiva mulheres a se tornarem independentes e empreendedoras.

P1120119Cá dentro do Dwarika’s, o caos de Kathmandu se transforma em oásis. Dá pra dormir à beira da piscina, que é uma reminiscência dos banhos reais do Séc. XII apreciados pela dinastia Malla.

P1120110A conscientização do valor da preservação feita pelo casal foi tão importante que se estendeu para a conservação das tradicionais cidades Patan e Bhaktapur.

O Ritual da Cremação — Kathmandu

Indefinível a sensação diante da pira incandescente… o corpo é consumido pouco a pouco.

O Templo de Pashupatinath está a 10km do centro de Kathmandu em um parque muito grande cortado pelo rio Bagmati, cujas águas parecem uma massa pesada, escura e lenta. Aqui a divindade Shiva teria repousado e “Pashupati” significa “o senhor e protetor de todos os seres vivos”. À entrada é cobrado, justificadamente, um ingresso dos turistas e bancas de todo o tipo de artesanato tem a oportunidade de bons negócios em um dos países mais pobres do mundo.

Pashupati tem centenas de templos, santuários e edificações, tudo muito antigo. Entre estas, visitamos um asilo onde os velhos sem família são levados para aguardar a morte e a cremação ali bem pertinho.

No alto, o templo principal de Pashupatinath, com a cúpula em ouro, é um dos maiores do Nepal.

No interior, vimos de longe o gigantesco boi Nandi, que teria sido a montaria de Shiva. Só é permitida a entrada de hinduístas.

É inusitado, no portal do templo, um modernoso display com informações em nepalês e inglês.

A plataforma de cremação tem degraus até o rio, onde se lavam os pés do morto e as famílias se aspergem. Os ricos são cremados na parte superior do rio. Há algum tempo, a pira dos ricos era de sândalo, uma madeira perfumada; como está quase extinta, hoje coloca-se apenas uma pequena tora.

Os sadhus — uns homens seminus, cabelos aos metros, faces coloridas e corpos cobertos de cinzas — estão em toda parte e sobrevivem posando para os turistas. Dizem as boas línguas que são “sadhus para turista”; os verdadeiros, sim existem, estão em cavernas distantes em jejum e meditação.

A gente assiste, esbugalhados, a preparação da pira, o ritual de envolver o morto em lençóis brancos e laranja. Na boca se coloca um pavio de cânfora e manteiga, onde se acende a chama, pois pela boca começa e termina a vida. Significativo é o “leito” formado sobre as toras para aconchegar o corpo coberto de palha; não se usa líquido inflamável.

Toda a cerimônia é envolta numa atmosfera de respeito e silêncio.
O restante das cinzas e todos os resíduos são lançados ao rio. Ali, crianças e mulheres recolhem as sobras de madeira e possíveis moedas, anéis, brincos no rescaldo.

Mais abaixo no rio, custei a acreditar ao ver — e conferir! — duas mulheres recolherem os restos de um tronco humano.

Kathmandu — Nepal

O alpinismo, o glamour e as glórias da conquista do Everest são um mundo elitizado muito distante da realidade do gentil povo nepalês.

O Vale de Kathmandu é habitado há mais de 2500 anos. Recebeu imigrantes do Tibet, das planícies do Ganges e da Birmânia. Os nativos são, entre outros, os Newar, uma etnia culturalmente rica que floresceu entre os séculos XII e XVIII. Apesar do número reduzido — menos de 6% da população total — ainda tem grande influência econômica e política, além de conservar sua língua ancestral.

Kathmandu era rota comercial entre Índia/Tibet, permitindo à dinastia Malla investir em arte e cultura, como ainda se pode ver pelos mais de 3000 artísticos templos.

No século XV o vale foi dividido em três principados: Kathmandu, Patan/Lalitpur e Bhaktapur. Essas cidades antigas foram meticulosamente planejadas. Os detalhes urbanos guardavam significado artístico, social e religioso. Muitos símbolos definiam a casta do clan familiar. Outros eram estritamente reservados aos templos.

Em cada uma destas cidades havia — ainda hoje isto se conserva — a Durbar Square, a praça dos palácios, com os templos, as fontes, os bazares e monumentos cuidadosamente entalhados em madeira.

Naqueles bons tempos, uma “bica” jorrando água continuamente, mantido por um sistema de reaproveitamento e coleta dos lençóis subterrâneos, era assegurada a cada família.

As construções newari, de madeira e terracota emboçadas em barro, eram mais resistentes aos terremotos. Hoje, na zona rural, ainda se conserva o costume de misturar à argamassa o esterco de vaca.

A monarquia — absolutista e, mais tarde, parlamentarista — perdurou por 240 anos, quando, em 2008, o Nepal se tornou uma República Democrática Federal. Em 2001, o reino sofreu o duro golpe do massacre da família real, quando o príncipe regente assassinou os pais — o rei Birendra e a rainha Aiswarya — e todos os parentes mais próximos, suicidando-se em seguida.

Kathmandu, Patan e Bhaktapur são, ainda, os principais centros de turismo com 4 milhões de habitantes.
Hoje, a arquitetura decadente, a poeira dos séculos nos desenhos dos templos e sobrados, as ruas muito estreitas, as portas muito baixas para impedir a entrada dos maus espíritos, nos levam a uma incrível viagem a um tempo perdido.
O toque de realidade, além dos gigantescos fios elétricos embolados e dependurados por toda parte, vem das belas nepalesas arrastando saris coloridos e brilhantes pelas ruelas.

A Durbar Square de Kathmandu, onde estamos agora, é um mundo muito rico de histórias, de lutas, de arte, de música envolto em poluição com ruelas sem calçadas, cheias de pó e buracos. Vê-se um povo desnutrido, as crianças pequenas já independentes nas ruas. Às mulheres cabe o trabalho mais pesado de içar a água, de qualidade duvidosa, do poço na praça.

Os cortes de energia são frequentes e diários. Os grandes hotéis tem geradores e não sentimos nenhum desconforto. O transporte público é precário e sem rodovias o fornecimento de víveres é muito complicado e os grandes restaurantes e hotéis cultivam as próprias hortaliças. Apenas 1/4 da população tem acesso a água potável. 63% são analfabetos.

O Himalaya é uma belíssima moldura fora do alcance de quase todos. O guia comentou, entre divertido e irônico: “aqui, a sola do pé já acabou”, ao esclarecer o desinteresse dos nativos de Kathmandu por caminhadas, escaladas e esportes correlatos, pois andam a pé grandes distâncias para trabalhar e tudo o mais.

A visita ao Nepal traz-me reflexões. Aqui, a miséria escancarada em contraste com a riquíssima cultura milenar não me deixa leve nem saltitante. Pelo contrário, assalta-me um tsunami emocional: em volta de templos de ouro, de hotéis de luxo, de esculturas de uma beleza penetrante e de edificações surpreendentes as duríssimas condições de vida são profundamente perturbadoras, sendo impossível ficar indiferente.
Entretanto, ainda em fase de elaboração, a experiência muito forte é, inegavelmente, enriquecedora.

O Reino da Felicidade — Bhutan

Os formidáveis caminhões do Bhutan são engenhosas e criativas alegorias. As cabines coloridas, cheias de espelhos, desenhos e símbolos culturais são uma festa ambulante em cada curva!

O tema de divulgação do Bhutan é a felicidade, como medida do PIB — Produto Interno Bruto. Esta meta auspiciosa e desafiadora pode ser uma esperança para nós do lado de cá.

Certamente, os butaneses alcançam altos níveis de segurança, invejável calma nas cidades, produção farta de alimentos, acessibilidade a escola e preservação da cultura e dos costumes. Aqui não há fumantes; é rigorosamente proibida a entrada de qualquer tipo de produtos de tabaco. Contudo, o alcoolismo relativamente alto e a pobreza nas vilas desequilibram esta balança de felicidade. Ainda assim, o modelo é exemplar.

Punakha, nosso próximo destino, foi a capital até 1955. A região é um vale fértil às margens dos belíssimos rios Pho Chhu (masculino) e Mo Chhu (feminino). Devido às constantes inundações a cidade foi transferida para as partes mais altas e, então, quase todas as construções são novas, naquele estilo elegante e original.

Imperdível o majestoso e antiquíssimo Punakha Dzong; o mosteiro, com várias edificações artisticamente decoradas, tem no pátio uma árvore milenar sob a qual Buda teria tido a iluminação.

Um símbolo cultural interessantíssimo são as figuras pintadas nas casas para afugentar os maus espíritos.

São atrações os magníficos desfiladeiros, passos, gargantas entre as montanhas dos Himalayas:

Dochu La — 3115m — um marco impressionante de 108 stupas, construidas recentemente pela rainha-mãe para liberar as almas dos soldados mortos na luta contra rebeldes indianos em 2003.

• O primeiro mosteiro de monjas da Ásia. Entre adolescentes e adultas, as monjas estudam, cuidam de todos os afazeres, além de serem exímias artesãs.

A alegria e a simplicidade das jovens monjas são tão envolventes que brincamos juntas ao pé da stupa por inesquecíveis momentos.

Lowa La — 3360m — é o acesso ao vale sagrado de Phobjika, onde assistimos um tradicional festival budista.


Em Thimphu, a capital atual, não há semáforos. Até 1962 nem havia carros de passeio! No Hotel Osel, inaugurado há uma semana, os funcionários se desdobravam em adivinhar os desejos dos hóspedes. Tivemos notícia da construção de dezenas de luxuosos hotéis; infelizmente, uma séria ameaça a este Shangri-La.

De Thimphu voltamos a Paro, com pernoite no tradicional Hotel Olathang, com belos jardins, comida farta e deliciosa. Bem cedinho voaremos pela Druk Air para Kathmandu, Nepal.

Aqui termina essa aventura. Não se passa incólume pela imersão nestas misteriosas terras. Ainda bem!

As diferenças culturais nos fazem rever os conceitos e os pré!! É enriquecedor abrir-se para outros mundos, outras novas idéias, respeitar os costumes e admirar a generosa gente nativa.

PS. Enquanto não for ao Bhutan, vale a pena visitar no Brasil, em Cotia/SP, o belíssimo Templo Zu Lai — Monastério Fo Guang Shan.

A Cidade de Brinquedo — Paro, Bhutan

Paro parece mesmo de brinquedo, com as cortinas vermelhas de pimenta secando ao sol nas janelas e nos telhados; com toda a gente elegante usando túnicas drapeadas, coloridas com punhos brancos. Os “saiotes” das mulheres são compridos, os dos homens vão até os joelhos com meias 3/4. Este traje típico é de uso obrigatório em lugares públicos. A arquitetura é única, variando as cores e os desenhos. Só vendo!

A cidade de Paro é o único aeroporto de Bhutan; uma cidadezinha cercada de altas montanhas completamente verdes. A paisagem é magnífica mas complicadíssima para pousos e decolagens. Apenas alguns exímios pilotos estão autorizados.

As estradas para Paro, Punakha e Thinpu — a capital de Bhutan — estão ainda em construção. Mais uma preparação para o turismo. É uma obra pesada e custosa, pois corta florestas, montanhas em curvas apertadas e salpicadas de cachoeiras. Além disso, o trabalho, iniciado há muitos anos, avança muito pouco devido às constantes paradas para o tráfego de veículos.

Bhutan limita-se com o Tibet e Índia, é uma monarquia constitucional com parlamento nos moldes ingleses. O rei e a rainha são bem jovens. O país se abriu ao turismo em 2006. Assim, temos a sorte de encontrar uma terra praticamente virgem, sem os pecados do turismo de massa. A Internet, por exemplo, só chegou no ano passado; o acesso é intermitente e eventual. Na verdade, é uma vantagem: nos faz imergir nos costumes, no cotidiano de pessoas bem diferentes, nos cheiros e cores.

O espetacular TaktsangTiger’s Nest/Ninho do Tigre — é o símbolo de Bhutan, um mosteiro budista encravado na face de uma montanha de pedra muito íngreme. Já foi destruído por terremoto e incêndio; a reconstrução é uma prova indiscutível da tenacidade e força dos seus seguidores. Originalmente uma caverna de meditação do Guru Padmasambhava, que aqui chegou, segundo a lenda, voando nas costas de uma tigresa, o mosteiro foi construído em 1692.

Cumprindo o roteiro, saímos bem cedinho para o “ataque” ao Ninho do Tigre. Paro está a 2200m de altitude e, na caminhada, sobe-se outros 800m. O acesso, bem difícil, é de aproximadamente 6 horas ida e volta. Fomos até a casa de chá, um pouco além da metade do caminho. A parte final, dizem, é pedra pura, além de centenas de degraus entalhados na montanha. A vista cá de baixo satisfaz completamente. Já fizemos o nosso Everest!

P1110743No Hotel Tenzingling recuperamos a alma! Há os banhos com pedras quentes, muito comuns nas pequenas vilas também. São construções de pedra de onde se pode ver as estrelas. No hotel, o ofurô é de madeira, com uma parte separada por tela, onde se colocam as pedras vermelhas em brasa retiradas de uma fogueira. A água é fervente e, cá fora, a temperatura é bem fria. Depois de um tempo, a gente consegue afundar-se e ficar só com o nariz de fora. Deve ser assim a sensação no útero materno.