Enfim, Antártida!

Além das águas do difamado Paso Drake, a sala de espera da Antártida! O recepcionista é este primeiro iceberg. Esta escultura traz uma beleza tão grande quanto o incomum silêncio envolvendo tudo e todos nós.

South Shetland Islands, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Distanciando-se do Cabo Hornos entramos na Passagem Drake; neste dia, para nossa sorte, muito calma! Foi descoberta por Francis Drake em 1578. O corsário, condecorado pelo governo inglês por suas duvidosas conquistas, foi arrastado por um forte vendaval até o fim da Terra do Fogo, encontrando-se em pleno mar aberto.

Da varanda do MS Zaandam, Paso Drake – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Francis Drake chegou às águas tormentosas onde os gigantes Atlântico e Pacífico se fundem. Modificou-se, então, toda a geografia da terra, pois supunha-se a América unida à Terra Australis/Antártida. Depois da descoberta dessa nova passagem a navegação por aqui aumentou consideravelmente, apesar das trágicas estatísticas. Drake fez a segunda circumnavegação da Terra. Contudo, sua memória é manchada de sangue pelo assassinato de nativos na Patagônia, saques em Valparaíso, tráfico de escravos e especiarias, a captura de navios. O destino reserva a cada um a morte que merece: o pirata morreu de disenteria em Portobelo, Panamá.

• Oceano Pacífico: é o primeiro em extensão e profundidade, cobre um terço da superfície do planeta.

Calmaria no Pacífico – Copyright©2011 Rainer Brockerhoff

No entorno do Pacífico, as cadeias de montanhas são de intensa atividade vulcânica. Foi batizado por Hernando de Magallanes pela ilusão de ser mais calmo do que o bravo Atlântico.

• Oceano Atlântico: vem de Atlas (Άτλας) — filho de Netuno — na mitologia grega, aquele que sustenta o mundo nos ombros. Os gregos acreditavam ser o Atlântico um grande rio em torno da Terra. Chamavam-no Mar Tenebroso. Curioso o relevo no fundo deste oceano: uma extensa cadeia de montanhas de norte a sul, com altura de 3 mil metros, a Dorsal Mesoatlântica.

Dorsal Mesoatlântica Copyright©NOAA

Os oceanos são de inestimável biodiversidade. Destoantes da riqueza destes mares são as manchas de 100 milhões de toneladas de lixo flutuantes. Charles Moore, em 1999, as descobriu por acaso, quando voltava de uma competição no Havaí. Estas ilhas de lixo se transformam em uma sopa tóxica levando peixes e aves à morte.

As perspectivas não são animadoras. Além do Pacífico norte, há grandes aglomerados de lixo a leste das Bahamas, leste do Rio de Janeiro, Madagascar e no Pacífico sul, entre outros. O biólogo Alexander Turra, da USP, qualificou de “moribundo” o estado dos oceanos.

Lixo no Pacífico – autor desconhecido, 2008

Resíduos de todos os tipos são provenientes dos esgotos urbanos, de rios poluídos por fertilizantes, das plataforma de petróleo, das embarcações e dos descartes dos insensatos moradores desta Terra.

Pesquisadores australianos estudam este processo de acumulação de lixo e o rastreamento de suas origens. O biólogico Erik van Sebille afirma: “é impossível limpar o oceano, o lixo permanecerá lá. É necessário, porém, identificar sua origem, para que os responsáveis possam criar estratégias para barrar a poluição.”

Ah! O continente antártico é uma riqueza inigualável. Ainda que pareça inverossímil, cada um de nós, indistintamente, é responsável pela conservação da vida neste misterioso reino gelado!

Passagem Drake, Antártida – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Cabo Hornos — Cape Horn

De Ushuaia navegamos, por vinte e quatro horas, numa imensidão de águas revoltas do Cabo Hornos e Paso Drake. As portas do silencioso Continente Antártico são o prêmio compensador.

Cabo Hornos, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Contornamos o Cabo Hornos/Cape Horn na ilha do mesmo nome. O único lugarejo é Puerto Williams com 1600 habitantes. Em formato de meia-lua a ilha é coberta, em sua maior parte, por líquens, musgos; daí o nome bosques em miniatura e a observação deste rico microcosmos ser com lupa. O Parque Nacional Hornos é um lugar privilegiado na Reserva Mundial de la Biosfera.

Copyright©2011 University of North Texas Press

Aqui é abundante o arbusto Canelo ou Casca de Anta, cujas sementes atraem as aves austrais. Estas sementes devem ser saborosas, pois bandos de aves tropicais — fio-fio, Elaena Albiceps — viajam mais de 3500 km até Hornos para nidificar e encher o papo de Canelo.

Fio-fio – Copyright©2010 Flavio Camus

As correntes fortes no Hornos, os açoites de vento, as ondas altíssimas justificam-lhe o apelido de Cementerio Marítimo. Contam-se 800 naves desaparecidas com tripulação de, pelo menos, 10 mil marinheiros! Pelas condições de chuva, neve, granizo também chamam-no Cabo de las Tempestades e Cabo Donde se Acaba el Mundo. Em determinados momentos, deu para avaliar, minimamente, a força destas águas: o vento de 90 km/h nos impediu de abrir a porta da cabine para a varanda!

Cabo Hornos – Copyright©2014-2016 Sidetracked Travel Blog

Por essas e outras, escolhemos o grande navio MS Zaandam da Holland-America. É confortável, oferece concertos de piano e violino, música dançante, cassino, piscina, academia, pista de cooper, jogos de xadrez, bridge, além de fina gastronomia. A convidativa biblioteca tem mesas para quebra-cabeças coletivos que se tornaram um ponto de encontro nos finais de tarde. O lounge tem uma privilegiada vista panorâmica.

Lounge, MS Zaandam – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Tais navios são equipados com estabilizadores e, assim, pode-se minimizar a temida “gangorra” destas águas. Nos navios menores as histórias de seasickness/enjôos desta travessia não são animadoras. Numa viagem transoceânica, de Valparaíso à Austrália, a médica do navio, com bom humor, nos resumiu dois momentos deste incómodo:

inicialmente o passageiro pensa que vai morrer; depois, o pior: ele sabe que não vai morrer!

Com a abertura do Canal do Panamá em 1914, a navegação é praticamente de entretenimento e desportiva; são desafiadoras as competições entre solitários e experientes navegadores que se lançam numa tentativa de circumnavegar o globo terrestre. Para os aficcionados, contornar este cabo, onde Atlântico e Pacífico se encontram, equivale a atingir o cume do Everest.

Curiosa a aventura de um casal inglês em 1956; numa tentativa de contornar o Hornos do Pacífico para o Atlântico, o veleiro Tzu Hang naufragou. Não desistiram; no ano seguinte, lá vão eles! Novo naufrágio… mais uma vez, salvos miraculosamente. É… o Hornos não os quis lá!

O Fim do Mundo…

…é rodeado de montanhas azuis e picos nevados. Aqui se ouvem sotaques de todos os cantos: o encontro de gente amistosa e aventureira.

Ushuaia, Argentina – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Ushuaia, “la ciudad más austral del mundo”, está na última beiradinha da Terra do Fogo, na parte leste, Argentina. O arquipélago tem quase 74 mil km².

Ushuaia, Argentina – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Daqui saem os cruzeiros para a Antártida, os passeios pelas baías Ensenada, Lapataia, pelo Canal de Beagle, onde se pode navegar de catamarã e avistar os intrigantes cormoranes; também safaris e agradáveis trekkings por vales e florestas de Lengas — árvores cuja madeira é de muito boa qualidade. Ainda, Cerro Castor é considerado o melhor centro de esqui da América do Sul.

Ushuaia, Argentina – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O clima hostil afastou os navegadores europeus até 1870, quando desembarcaram os missionários anglicanos vindos das Falklands/Malvinas. Em 1902 foi construída a colonia penal e nasce Ushuaia. Felizmente, o temido presídio desativado somente em 1947 é um museu com histórias de numerosos naufrágios…

Presídio de Ushuaia, Argentina – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

…exposições de arte…

Presídio de Ushuaia, Argentina – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

…lojas e biblioteca. Há, inclusive, uma gravura de Robert F. Scott, explorador da Antártida e — grata surpresa! — exímio desenhista.

Um pavilhão não foi restaurado exatamente para uma pequena amostra da crueza, do frio e do cotidiano duríssimo. As penas eram por tempo indeterminado. De diferentes nacionalidades, os presos políticos, adolescentes e criminosos ditos irrecuperáveis. A média tinha de 30 a 35 anos. Carlos Gardel também teria se “hospedado” aqui. O destino dos fugitivos era igualmente perverso: voltavam à prisão fustigados pela fome e frio.

Presídio de Ushuaia, Argentina – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Os prisioneiros construíram a ferrovia do Tren del Fin del Mundo que, hoje, percorre o Parque Nacional da Terra do Fogo, bem devagar com paradas na cascatinha Macarena e outros interessantes pontos. Desta ferrovia, 7 km são ainda os mesmos da época da prisão.

Ushuaia, Argentina – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

A floresta completamente devastada já começa a se recuperar. Os troncos lisos e secos não apodreceram e parecem ossos espalhados.

Ushuaia, Argentina – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

O Lago Escondido, no Paso Garibaldi, se esconde mesmo entre as montanhas ponteagudas. Desponta, aqui, a Cordilheira dos Andes, este escudo majestoso que, num crescendum, vai até lá em cima, perto do mar das Antilhas.

Lago Escondido, Ushuaia – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

Pela segunda vez, estas terras singulares nos apresentam novas perspectivas!

 

Entre Patagônia e Terra do Fogo

Punta Arenas, com 110 mil habitantes, está na esquina do mundo e, por isto, fustigada por ventos constantes, como bem demonstram estes bravos Lupinus.

Punta Arenas, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Situada no Estreito de Magalhães, a vila foi fundada em 1848. A gente daqui se considera mais magallanicos do que chilenos.

Punta Arenas, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Têm razão em orgulhar-se de Hernando de Magallanes, o trágico herói realizador da primeira circumnavegação da Terra. Dom Manuel, o pretensioso rei português, não reconheceu os excelentes serviços prestados anteriormente por Magalhães, nem lhe deu crédito quando apresentou o projeto da volta ao mundo pelo oeste. A humilhante rejeição levou Fernão de Magalhães à renúncia da cidadania portuguesa, à troca de nome e ao oferecimento dos serviços ao rei de Espanha, Carlos I, mais tarde coroado Carlos V, imperador alemão.

O intrépido navegante ao realizar “a maior proeza da história da exploração da Terra, a odisséia mais esplêndida na história da humanidade” (Stefan Zweig in “Magellan”, 1938) passou por aqui em 1520.

Estrecho de Magallanes, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Em 1519 Magallanes lançou ao mar, em Sevilha, a frota de cinco navios. Após indizíveis sofrimentos, angústias, motins, a passagem do oeste para leste estava aberta e confirmada a inaceitável e absurda tese, desde Ptolomeu, da redondeza da Terra.

Estrecho de Magallanes, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Até a abertura do Canal do Panamá em 1914, o Estreito era a rota principal entre o Atlântico e o Pacífico.
Com 570km de comprimento e apenas 2km de largura, o Estrecho de Magallanes é uma confusão de enseadas, complicados canais, baías, fiordes, os quais só se pode atravessar com muita sorte e máxima habilidade. As entradas são irregulares, bifurcam-se três ou quatro vezes à direita e à esquerda, sem contar os ventos adversos e redemoinhos repentinos.

Estrecho de Magallanes, Chile — Naufrágio 1968 – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O cemitério de Punta Arenas cheio de ciprestes, curiosos mausoléus e os mais belos canteiros das sepulturas bem simples.

Cemitério, Punta Arenas, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A zona franca de Punta atrai muita gente compradeira. Daqui pode-se fazer os passeios pelas baías e canais azulados do Estreito de Magalhães, pelas reservas de pinguins, pelas haciendas típicas e alcançar as maravilhas de Torres del Paine.

Em Magdalena — a ilha com 120 mil pinguins e uma colônia de leões-marinhos — não há árvores, nem mesmo arbustos. Apenas tufos de grama. Os pinguins de rabo duro são encantadores, apesar do cheiro forte. São dóceis; apenas uns poucos se assustam com o movimento das pessoas. Fazem os ninhos como tatus; vimos alguns ninhos pisados por descuido de um ou outro turista, uma pena!

Isla Magdalena, Chile – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

Do farol se tem acesso, por uma escada estreita em caracol, a uma vista espetacular em 360 graus.

Isla Magdalena, Chile – Copyright©2006 Rainer Brockerhoff

A beleza silenciosa da costa chilena é envolvente e especial para nosotros dos trópicos. A cada vez, esta natureza solitária e altiva nos mostra quão pequenos somos!

Rumo à Antártida

Voamos para Santiago do Chile e, por caminhos bem agradáveis, chegamos em Valparaíso, o ponto de partida de navegação de mais de 4000km até ao continente branco. A Cordilheira dos Andes nos recebe, assim, em Santiago.

Andes, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Valparaíso — porto muito antigo — tem uma curiosa aura de decadência; é uma volta a um tempo distante.

Valparaíso, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Puerto Montt, colônia de alemães desde 1863, era considerado o fim de linha para qualquer viajante. Hoje é um importante centro pesqueiro; a região é cheia de lagos, rios e cascatas glaciares sob a imponência do vulcão Osorno. Perto daqui, as cidadinhas Frutillar e Puerto Varas cheias de rosas.

Petrohué, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

O Arquipélago Chiloé foi o maior centro de pesca de baleias no séc.XIX. No porto de Castro, fundado em 1567, uma belíssima igreja totalmente de madeira. No arquipélago catequizado pelos missionários espanhóis há mais de 150 igrejas católicas construídas pelos indígenas.

Castro, Chile – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Puerto Chacabuco é o porto principal da Patagônia chilena; uma das poucas vilas nestes belíssimos fiordes. Aqui, a gente pode sentir o valor inestimável de florestas e vales silenciosos, onde o homem não conseguiu ainda devastar.

Fiordes Chilenos – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A partir daqui, Canal Darwin, o mundo já começa a se transformar em glaciares, em esculturas de rochas vulcânicas rodeadas de espertos pássaros pescadores.

Fiordes Chilenos – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff
Glaciar El Brujo – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A nossa próxima parada será Punta Arenas. Até lá navegamos nesta região austral por inúmeros canais —incluindo o estreito de Magalhães — e passagens impressionantes; aqui, o Paso Shoal.

Paso Shoal – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

2016

Antártida – Copyright©2016 Rainer Brockerhoff

 

 

 

Ano novo?
Depende
pra onde acenas
penas ou Athenas!

 

 

 

Copyright©2015 Maria Brockerhoff

Além do Danúbio — Sérvia

A Sérvia — uma região belíssima — é um exemplo de tenacidade: guerras, ocupações, migrações forçadas não lhe tiraram a força cultural assentada nestes alicerces milenares.

Fortaleza Kalemegdan, Belgrado – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Belgrado é uma cidade moderna, dividida pelos rios Sava e Danúbio. O bairro boêmio Skadarlija pretende rivalizar com o Montmartre de Paris. Curioso o prato típico, Kajmak, leva uma semana de preparação: são camadas empilhadas, uma por dia, de natas de leite com especiarias.

Ainda em Belgrado, esta surpresa:

Belgrado, Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Uma estrada plana corta campos verdes de variadas plantações. Esta infinitude traz uma sensação muito agradável e nos leva a Novi Sad, um importante centro industrial sérvio.

Novi Sad, Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Andar pelo centro antigo, muito arborizado, com ruas para pedestres, a torre colorida da antiga catedral, com o telhado de placas de cerâmica verde-amarelo, nos faz sentir dentro de um cartão postal.

Sremsky Karlovci, de 1553, foi a mais importante diocese ortodoxa do séc. XVII. Na pracinha, temos a sorte de um concerto particular: chega até aqui o som do organista da igreja histórica.

Sremski Karlovci, Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Não muito longe, uma cerveja no restaurante do Dunav Hotel numa curva do Danúbio, claro! O lugar, cheio de flores, construção de madeira e a surpresa da sopa típica diretamente do panelão.

Restaurante Hotel Dunav, Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Krušedol — significa vale das peras —é um importante mosteiro ortodoxo, construído em 50 anos no séc. XVI.

Krušedol, Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Limpíssimo, bem cuidado; encravadas nas paredes, lápides dos patriarcas mais ilustres. O admirável mosteiro, no Parque Nacional Fruška Gora, é uma fonte espiritual de história e de arte.

Krušedol, Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Donji Milanovac fica dentro do maior parque nacional — o Parque Đerdap — com plantas raras e incontáveis espécies de pássaros. Curiosamente, é uma cidadezinha andarilha; fugindo do exército turco, mudou-se em1690 para a ilha Porec; fugindo das enchentes subiu as encostas em 1830. Finalmente, em 1970, deslocada pela grande hidroelétrica “Portões de Ferro”, estabeleceu-se numa curva acentuada do Danúbio, a 180km de Belgrado. Em compensação, hoje é um admirável jardim com 30 mil rosas. Nas proximidades, o importante sítio arqueológico Lepenski Vir, com mais de 8 mil anos.

Em contraste com esta natureza sérvia riquíssima, vê-se do deck do Rousse Prestige uma nota dissonante: às margens, as lembranças do bombardeio da OTAN em 1999.

Sérvia – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Os Portões de Ferro — Sérvia

Danúbio Sérvio cava o maior canion — 134 km! — da Europa, entre os Montes Cárpatos e os Balcãs em direção à Romênia. Esta passagem chega a, apenas, 150m de largura em determinados trechos. É um legado histórico da idade da pedra, do império romano e de ocupações recentes.

Mosteiro Mraconia, Danúbio – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Neste trecho do Danúbio, de Golubac (Голубац) até Negotin (Неготин), a correnteza muito forte, os redemoinhos, as corredores e enormes pedras submersas eram um tormento para os navegantes.

Portão de Ferro, Danúbio – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Desde Tiberius, 33 d.C., Trajano, 103 d.C. até 1834, houve frustrados projetos e tentativas para superar os obstáculos nesta travessia. Finalmente, em 1964, o megaprojeto das hidroelétricas “Portões de Ferro/Iron Gates”, entre Romênia e Iugoslávia, iniciou a construção de barragens e eclusas. O Danúbio foi transformado em um gigantesco reservatório: meio rio, meio lago.

Portão de Ferro, Danúbio – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Para os navios, não há mais impedimentos, mas tal interferência trouxe amargos resultados para a população ribeirinha, fauna e flora:

  • a imediata interrupção da rota de reprodução para uma espécie de salmão;
  • a bela ilha turca Ada Kaleh afundou-se para sempre, com sua mesquita e o mosteiro franciscano;
  • a parte antiga de Orșova, a cidade romena, foi inundada;
  • a má distribuição das águas prejudica os países rio abaixo, tornando o delta, em certas épocas do ano, intransitável pelo nível baixo.

Fato histórico relevante é o massacre em Kragujevac (Крагујевац), a primeira capital, o maior centro educacional da Sérvia. Aqui, em outubro de 1941, adolescentes e professores do ginásio foram executados em massa, ainda que a população não tivesse participado de qualquer ataque aos servidores de Hitler. O acervo do Parque Memorial de Šumarice e as impressionantes esculturas são uma homenagem viva às vítimas e um veemente ALERTA!

Voltando à beleza presente da paisagem, as ruínas e o marco da ousada Ponte de Trajano. Aí, do lado romeno, a face de Decébalo esculpida recentemente.

Portão de Ferro, Danúbio – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Hoje, esta é uma rota de prazeres ao ar livre bem aproveitada por ciclistas, pescadores, veleiros… as vilas hospitaleiras servem rica culinária, fruto da influência secular de outros povos.

Portão de Ferro, Danúbio – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Um Tesouro Húngaro

Esztergom é, antes de tudo, a sua belíssima Basílica! Um verdadeiro tesouro cultural e histórico.

Esztergom – Copyright©2013 Hungary Taxi

Esztergom foi a capital da Hungria por dois séculos até a mudança para Buda, pelo Rei Béla IV, em meados do Séc.XIII. Os primeiros povos nesta região foram os celtas em torno de 350 a.C..

Esztergom, a primeira arquidiocese da Hungria, teve a mais antiga e próspera comunidade judia. No final da Segunda Guerra suas lojas foram confiscadas, os judeus executados em massa. Em todos os tempos, a intolerância trouxe sofrimento e morte. É forçoso concordar com José Saramago:

…o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também, o mais irracional entre todos eles. [Cadernos de Lanzarote, 13/05/93]

Devastada pela guerra, Esztergom foi se recuperando; tornou-se um importante centro cultural e industrial. Ainda hoje, as escavações arqueológicas continuam…

De longe as torres sinalizam a imponência de todo o complexo arquitetônico. Emocionantes os sons dos enormes sinos ultrapassando as margens do Danúbio.

Esztergom, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A Basílica, em mármore de todas as tonalidades…

Basílica Esztergom, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

…é um repositório de arte sacra.

Basílica Esztergom, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Aqui está sepultado o Cardeal József Mindszenti, o corajoso arcebispo de Esztergom, ferrenho opositor do domínio soviético, lutou em defesa dos oprimidos e da liberdade de culto.

O preço foi muito alto: preso, torturado, o cardeal recebeu asilo político na embaixada americana em Budapest, onde permaneceu por 15 anos. O mais longo cativeiro em embaixadas de que se tem notícia. Sob veementes protestos do mundo civilizado, o íntegro József Mindszenti foi libertado. Impedido de permanecer na pátria amada, exilou-se em Viena. Morreu 4 anos depois. Sua vida inspirou os filmes Guilty of Treason – 1950 e The Prisoner – 1955.

Hoje é venerado como um mártir. O seu exemplo tornou Esztergom um celeiro de vocações sacerdotais, que cresceram exponencialmente depois do comunismo. O seminário Pietati et Scientiis é o maior da Europa.

Os concertos neste órgão atraem visitantes de todas as partes.

Basílica Esztergom, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Do lado de lá do Danúbio, na Eslováquia, a cidade de Štúrovo. A ponte unindo as duas cidades foi destruída pelos alemães em 1944. A reconstrução levou 50 anos, sendo inaugurada em 2004; será um símbolo de um futuro comum sem fronteiras severas? A ponte Mária Valéria é uma beleza por si só, cheia de pedestres e ciclistas. A ligação entre Hungria e Eslováquia faz renascer a teimosa esperança de que haja, em cada um de nós, boa vontade!

Esztergom, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

A Cidade-Fênix — Hungria

Visegrád é uma cidadela a 350m morro acima! Destruída pelos mongóis e pelos turcos, ficou soterrada por mais de um século. Hoje descortina-se daqui este panorama do “Joelho do Danúbio” — Donauknie ou Danube Bend.

Visegrád, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Visegrád é um nome eslavo para uma antiquíssima fortaleza e residência de reis húngaros a partir de 1240. Por aqui foram encontrados traços humanos desde a idade da pedra. Foi fundada em 1009.

Visegrád, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Neste ponto estratégico do Danúbio, o rei húngaro Béla IV construiu a cidadela. Compensadora a maratona dos degraus até aqui, no alto da fortificação.

Visegrád, Hungria – Copyright©2015 Rainer Brockerhoff

Os seus sucessores acrescentaram o palácio, outras ampliações e renovações em estilos gótico e renascentista. Assim, na parte mais baixa, a torre de Salomão — 1258 — em forma hexagonal é imponente, tendo uma pitada exótica por ter aprisionado Vlad Țepeș, o Drácula.

Visegrád é mesmo uma Fênix — a ave da mitologia grega que renasce das próprias cinzas. Os húngaros reconstruíram-na após a invasão mongol. O cruel império Otomano ocupou a região entre 1544 e 1685; todo o complexo foi destruído, ficando soterrado até 1867, quando começaram as escavações e a restauração das edificações. Podemos constatar o admirável avanço arquitetônico ainda do Séc.XIII.

Visegrád ©2009 Hungarian Tourism PLC

Nas imediações, percorremos vilas antigas e bem conservadas, onde moraram, por muito tempo, alemães, russos e ucranianos. É reconfortante pensar que, pelo menos, houve um lugar onde a convivência pacífica entre os vizinhos era o valor mais importante do que cor, etnia ou credo.

Hoje o vilarejo Visegrád, a 40km de Budapest, com menos de 2000 habitantes, tem bons hotéis e agradáveis termas onde a gente recupera a alma!

Visegrád, Lepence Spa – Copyright©2015 Mr. Zsezo