De Novosibirsk a Moscou — a etapa final — as cidades foram restauradas ou reconstruídas da sanha cruel de Stalin e Lenin. Como fênix, ressurgiram fortes, imponentes e se desenvolvem em ritmo acelerado.
• Novosibirsk, ainda na Sibéria, fundada em 1893 durante a construção da ferrovia Transiberiana, é uma cidade-menina para os padrões russos, banhada pelo rio Ob. Até 1991 o regime soviético proibia as visitas de estrangeiros. Hoje é importante centro industrial e universitário.
• Ekaterinburg, a janela para a Ásia, a quarta cidade da Rússia, outrora rodeada por fortalezas, é uma homenagem a Catarina I. É divisa entre os dois continentes. Neste ponto, se celebra com champanhe a brincadeira dos viajantes: colocar um pé na Europa e outro na Ásia.
A cidade guarda, ainda, a perplexidade e horror ao assassinato do casal imperial, Nicolau II. Os cinco filhos e todos os familiares foram, também, covardemente executados pelos bolcheviques — membros do Partido Operário, liderado por Lenin — em 17 de julho de 1918. Segunda a lenda, uma das filhas do czar teria escapado ao destino trágico. O filme “Anastasia”, um clássico de 1956 com Ingrid Bergman e Yul Brinner, bota mais lenha na fogueira.
Esta catedral/museu foi erguida no local onde os Romanov foram mortos:
• Kazan é espetacular! Situada na confluência dos rios Volga e Kazanka existe desde o século XI. Após a dissolução da União Soviética tornou-se um prestigiado centro científico. Aqui convivem pacificamente, desde a queda do comunismo, credos diferentes e são faladas as línguas russa e tatar.
Kazan abriga a maior população muçulmana da Rússia.
• Moscou! Esta metrópole exala poder e magnificência. Aqui sobram as palavras e pobres as fotos.
Uma voltinha no metrô até a próxima estação; uns jovens gentilmente nos cederam o lugar. Essas pequenas gentilezas trazem leveza:
Tchau, Praça Vermelha:
Na despedida, uma constatação se impõe: se cada um pudesse encontrar a paz dentro de si mesmo, todos os seres vivos compartilhariam, sim, da indescritível diversidade, diferenças culturais, étnicas e religiosas que enriquecem o mundo.
A ansiedade de chegar ao Mar Sagrado da Sibéria nos acorda bem cedo… esta a recompensa.
Baikal é o maior lago de água doce do mundo. É um maravilhoso velhinho de 25 milhões de anos. A profundidade pode alcançar 1700m, contendo 20% da água doce de todo o planeta e 90% da da Rússia.
Por sua biodiversidade é considerado “Galápagos da Rússia”. Com 37 mil km², possui riquíssimas tradições, flora e fauna, cujos crustáceos são hábeis faxineiros do lago: devoram plantas, peixes mortos e qualquer outro material em decomposição. Neste típico mercado, às margens do Baikal, provamos o omul — um salmão de água doce — e outros peixes defumados.
No inverno, as temperaturas são rigorosas, o Baikal se transforma em um continente gelado. Neste verão a temperatura está muito agradável, tornando-o uma imensidão azul.
O Zarengold espera pacientemente o espetacular piquenique às margens do lago: a tripulação arma mesas com toalhas adamascadas, churrasqueiras, bebidas geladas, frutas e sobremesas. Mergulhar no Baikal era inimaginável e a realidade valeu a pena!
Perto daqui, o magnífico Museu Taltsy, reconstruído exatamente igual às aldeias habitadas há 300 anos…
Baikal era bem longe… a motivação nos leva a lugares inacessíveis…
Ao norte da Ásia, entre os Montes Urais e o Oceano Pacífico, esta terra imensa foi formada pelas civilizações nômades antes da era cristã. Em meio a grande desenvolvimento, ainda conserva, sem radicalismo, suas tradições ortodoxas, cujo símbolo é esta catedral.
No final do séc. XV os russos chegaram à Sibéria e mudou-se o rumo da história. No período imperial russo e até recentemente, os terríveis Gulags “abrigaram” camponeses, cidadãos ilustres, intelectuais, entre eles Dostoiévski, pelo crime de pensar diferentemente do sistema. Cerca de 14 milhões de pessoas foram presas — principalmente entre 1923 a 1953. Mais de um milhão de presos teriam morrido sob o severo regime de trabalho escravo.
A construção da ferrovia transiberiana foi de extrema importância para a conexão entre províncias distantes.
Ulan-Ude é a cidade fronteiriça entre Mongólia e Rússia. Aqui a burocracia russa é das mais refinadas. Os agentes russos fazem questão de “conhecer” e fotografar cada passageiro. No Zarengold, tiveram a gentileza de subir às cabines, pois costumam exigir que os passageiros desçam. Então ficamos gratos em, ainda na cama, abrir os olhos pesados de sono, às 5:00 da madruga, para uma bela foto…
O exotismo, a gentileza dos nativos, compensaram tudo. O mosteiro tibetano:
…o teatro…
A apresentação folclórica do povo buriat é muito rica:
Irkutsk, onde pernoitamos, é uma grande cidade, centro de intelectuais desde os famosos decembristas — grupo de revoltosos contra o czar Nicolau I — apelidada “Paris da Sibéria”. Aqui o museu, antiga e elegante residência do corajoso revolucionário Volkonsky:
O centro antigo de Irkutsk era um antro de prostituição e drogas; através de lúcida administração pública transformou-se, com o investimento de empresários, numa área turística/cultural segura e rentável:
Os 1800km de Irkutsk a Novosibirsk foram muito bem aproveitados no Zarengold; aulas de russo, apresentação de violino, canções folclóricas, a prova de fogo da degustação de vodka de todas as cores e para todos os gostos: de bacon, de pimenta, de canela, de pistache, etc., e o delicioso almoço típico:
O Zarengold permanece na estação, havendo as opções de pernoite no hotel em Ulan Bator ou no Parque Terelj. Escolhemos pernoitar sob a luz das estrelas no confortável acampamento. Esta escolha traz-nos surpresas: pode-se caminhar em todas as direções, absorver o por-do-sol, saborear lentamente os diferentes pratos no jantar, deitar na grama com o céu estrelado quase no nariz…
O espetacular Parque Nacional Ghorki-Terelj é apelidado de Suíça da Mongólia. Até lá, “SÓ” paisagem! Envolvente silêncio, monumentos de pedras…
…e este oportuno banheiro perdido no verde:
O parque está a 90km de Ulan Bator. A cidade vai ficando para trás; na saída, cavalos garbosos trotando ao lado de Mercedes-Benz. Logo, logo, o verde dos campos, a entrada do parque — uma das maiores áreas de vida selvagem protegida na Mongólia, apesar do avanço de acampamentos em vários pontos. Ao norte, no Khan Khentii, ainda há animais selvagens. Por aqui, os afáveis iaques.
A hospedagem neste acampamento é em iurte ou ger ; essas elegantes cabanas circulares nas planícies onduladas, é como estar num filme. Apropos, recomendamos o premiado documentário “Camelos Também Choram”, da diretora Byambasuren Davaa.
No Camping Juulchin-Bayalag há este espaçoso iurte-restaurante, serviços de lavanderia, sauna e banheiros limpos.
O ger é a casa dos nómades, é de fácil e rápida montagem e desmontagem. É bem aquecido; até dormimos com a porta aberta para refrescar!
Visitamos uma das famílias nômades, experimentamos um tipo de creme de nata delicioso e a espontaneidade dos mongóis. Serviram-nos, também, o chamado airag, leite fermentado de égua, forte teor alcoólico. Tem um gosto entre doce e salgado, é mesmo o sabor da Mongólia.
O anoitecer é um momento inesquecível, ainda mais que não havia outros hóspedes. Nesta imensidão quieta, a espantosa luminosidade das estrêlas traz a boa e rara sensação de completude na despedida da Mongólia.
Arruinados pelos comunistas, os templos foram reconstruídos e preservam a cultura, os bons costumes seculares. O budismo, por sua filosofia de inclusão, é a única saída — se houver — para o caos do mundo…
Escapamos do mufurufo de Ulan Bator, visitando a antiga residência de inverno de Bogd Khan, o último imperador antes da ocupação comunista. O palácio é, hoje, um inestimável acervo e uma história viva.
Os bordados em seda são magníficos; neste museu, uma vivência muito rica dos costumes e cultura:
O templo de Gandantegchenling / Гандантэгчинлэн (impronunciável! Aliás, estivemos em uma livraria sem sequer identificar uma só letra no alfabeto cirílico) é reverenciado:
Os monges recebem, aconselham qualquer pessoa que os procuram com mansidão e sabedoria, são excelentes terapeutas:
Mais tarde, o almoço em um fogão esperto:
Saímos da cidade grande, ufa!, ansiosos para pernoitar no Parque Nacional Terelj, região apelidada de “Suíça da Mongólia”, a próxima parada. O pernoite em Ulan Bator é para quem curte compras e muita gente.
A partir de Erlian — fronteira entre China e Mongólia — o Zarengold atravessa a vastidão das estepes até a capital Ulan Bator, “herói vermelho”. São planícies com vegetação rasteira, numa área de transição entre o cerrado e o deserto.
É uma sensação muito boa deixar-se levar por estes campos sem fim…
Cruzamos o Gobi, o quinto maior deserto do mundo, um dos lugares mais remotos do planeta.
Aqui perambularam dinossauros e cientistas ainda descobrem ossos e ovos de novas espécies destes bichinhos. Gobi, significando “grande seco”, com extrema variação de temperatura, é hostil aos aventureiros, contudo o ecossistema é muito rico. Nos pontos mais altos há lagos e pântanos salgados, perfeito habitat para pássaros. Há cavernas com pequenas aberturas, onde monges se isolavam para meditação.
Não passamos pela paisagem belíssima das dunas, fica o desejo de visitar este mundo misterioso de areias e rochas.
Depois das estepes, Ulan Bator é um susto: crescimento desordenado, trânsito intenso, edifícios modernosos. Esta praça é a principal e pode-se notar a mescla de estilos:
Gentilmente, este casal se deixou fotografar ao lado de nossa guia:
Conseguimos escapar desta cidade grande para o refúgio nos monastérios budistas tibetanos. É um contraste bem-vindo este silêncio e as tocantes esculturas de Buda.
Esta terra de grandes e cruéis conquistadores, como Genghis Khan, 1206, e Átila, o huno, era um grande império cobrindo partes da Rússia e da China. Hoje é uma soberania de estepes sem fim, de montanhas de pedra e de gente amável.
De Datong — China — chegamos à fronteira em Erlian. Na rodovia, estas curiosas esculturas em homenagem aos “nativos” descobertos pelos paleontólogos.
Erlian é uma vila espalhada…
… em torno dos trens do caminho transiberiano.
Repentinamente, não se sabe de onde, surgem dezenas de recrutas uniformizados que, agilmente, transportam as incontáveis malas para o Zarengold, trem privativo para turistas. As cabines não comportam bagagens volumosas. Então, a maior parte das malas é empilhada no estreito espaço entre os vagões. Assim, para aqueles turistas cujo maior prazer consiste no “peso” das malas, é uma decepção: roupas, preciosos adereços, mais sapatos etc. etc. ficam fechadinhos e inacessíveis!
Mongólia recebe seus visitantes com um concerto de morin khuur, um instrumento típico com cabeça de cavalo e impressionante som gutural, uma técnica vocal chamada khoomei.
Mongólia não tem saída para o mar, limita-se com o sul da Rússia e norte da China. É o pais menos densamente populado, com 3 milhões de habitantes; destes, 40% vivem na capital Ulanbataar. Em 1990, os mongóis conseguiram se livrar do comunismo, tornando-se uma república parlamentarista. O regime soviético arrasou os monastérios budistas tibetanos e mais de mil monges desapareceram. Essa ocupação comunista gerou situações curiosas: nossas duas guias frequentaram a universidade na Alemanha Oriental, formaram-se em engenharia e beneficiamento de couro e, por isso, falam alemão muito bem!
A mineração estrangeira de ouro, cobre, carvão e urânio tem devastado as terras, ameaçando, irremediavelmente, os camelos selvagens, ursos, gazelas e os últimos leopardos-das-neves do norte, além de gastar os recursos hídricos. O gentil povo mongol parece não saber avaliar as consequências destes danos ambientais. Certamente algo parecido aconteceu no Brasil; a terra sendo tão vasta, os campos e rios infinitos, as florestas densas pareciam perenes. Então pode-se, sem limites, gastar, queimar, cortar, vender para exploradores!
Às margens dos caminhos fitas coloridas amarradas às arvores e nas pedras empilhadas simbolizam pedidos e desejos; resquícios do xamanismo antigo.
A Transiberiana, de Moscou a Vladivostok, uma das estradas de ferro mais longas do mundo, foi construída entre 1891—1916, pelos prisioneiros na Sibéria, principalmente. Foi uma obra monumental com florestas inteiras abatidas, rios desviados e centenas de pontes. O enorme custo de vidas humanas nunca foi revelado. É o mais importante meio de transporte na Rússia para exportação, turismo e passageiros domésticos.
Há três rotas principais:
• Moscou—Beijing via Mongólia, 7.621km;
• Moscou—Vladivostok, 9.289km;
• Moscou—Beijing via Harbin, Manchúria, 8.986km.
Os trens rodam nos dois sentidos. Podemos dizer que todos os caminhos de ferro levam à Transiberiana.
Estes trens públicos regulares fazem o trajeto entre 6 a 9 noites, parando rapidamente nas estações intermediárias. Passageiros perdidos nas estações são muito comuns. O passageiro também pode, claro, comprar separadamente os bilhetes para as cidades onde quiser pernoitar ou ficar mais tempo.
O filme “Transsiberian” — Brad Anderson, 2008 — retrata a viagem no inverno, época não recomendável para nós dos trópicos: chega a -50°C, ainda que a paisagem seja de tirar o fôlego. O filme dá uma idéia, nem sempre glamorosa, do ambiente no trem regular, pessoas de todos os tipos, níveis e temperamentos, além de constatar o atendimento até hostil das comissárias, aliás procedimento comum na Rússia, fora dos locais destinados a turistas.
Exclusivamente para turistas há os trens privados, à disposição dos passageiros, inclusive com pernoites em hotéis e permanência de até dois dias. Na rota Beijing—Moscou embarcamos no Zarengold, o charmoso trem dos Czares. O trem siberiano foi, desde sempre, sinônimo de elegância imperial: os garçons em black-tie, os passageiros em gala e a bebida oficial era o champagne da Geórgia.
O Zarengold recebeu todo o conforto de um hotel, adaptando-se às exigências modernas. Há seis tipos de cabine. Nos extremos, a Standard, para 4 pessoas e 1 banheiro por vagão, e a Bolshoi Platinum, espaçosa para 2 pessoas e com banheiro privativo. Todas as refeições e algumas bebidas estão incluídas, bem como alguns passeios. O atendimento é muito bom, apesar de a tripulação só falar a língua russa, com exceção dos guias. Para a categoria Bolshoi há um excelente restaurante especial…
…bem como concertos e grupos de, no máximo, 8 pessoas para os passeios, além de farta degustação de vodka e caviar.
Pegaríamos o trem em Beijing. É o trem chinês, com bitola especial, até a fronteira da Mongólia. Estivemos aqui em 2009; é impressionante o desenvolvimento de tudo neste curto espaço de tempo. A China está superlotada com 400 milhões de turistas… chineses! Sim, os nativos conseguiram permissão para viajar pelo próprio país, uma condição impossível na época de Mao e até recentemente.
Agora, os chineses estão em todos os pontos turísticos e têm a preferência dos hotéis, pois até no Kempinski, uma das melhores redes do mundo, dificilmente algum funcionário fala inglês.
Supreendentemente, o governo chinês suspendeu aquele embarque de turistas na Transiberiana, pois o trem fora requisitado para transportar altos funcionários. Como se pode fazer uma caipirinha de um limão, a Lernidee, nossa agência de viagens, substituiu, com muitas vantagens, o trem chinês por confortáveis ônibus e a compensação de 2 dias em Datong.
Também estivemos aqui em 2009, e a transformação do local é muito grande. Datong — com 1 milhão de habitantes era uma cidade pequena para os padrões chineses — tem agora mais de 3 milhões e até uma gigantesca muralha “antiga”, recém-construída para restaurar as glórias passadas da dinastia Wei há 1600 anos. Foi maravilhosa a surpresa de rever as cavernas dos Budas em Yungang!
Impressionantes as imagens de até 15m, cavadas na montanha de arenito pelos monges no séc.V.
Estas imagens são espetaculares e, em um contraste especialíssimo com a sua grandeza, Buda nos transmite pelo olhar, pela postura, pelo gestual uma profunda sensação de calma. Este lugar está, para sempre, dentro da gente.