Uma colher de chá na insônia

As ervas são um mundo mágico, saboroso e medicinal. Abrangem plantas, flores, folhas, frutos, raízes, cascas e sementes. Desde sempre, as ervas acompanharam o homem nas alegrias, na morte, na saúde e na doença.

As receitas preciosas de chás, tisanas ou unguentos sempre foram segredos dos sábios, feiticeiras, monges e herbalistas conceituados.

Os jardins de ervas eram uma farmacopéia com alecrins cheirosos, rosas inigualáveis, açafrão, aniz, tomilho, e muitas outras preferidas de reis, rainhas e de estudiosos como Galeno e Dioscórides. Estes herbalistas, no auge do império romano, estudaram centenas de plantas e seus princípios ativos.

Na Índia, as ervas eram consideradas “filhas diletas dos deuses, só podiam ser colhidas por pessoas puras e piedosas e deviam crescer longe da vista humana e do pecado”, inAs Ervas do Sítio, Rosy L. Bornhausen, 5ª Edição.

É importante lembrar que os efeitos de todas as ervas dependem da boa qualidade do cultivo, armazenamento e validade.

Com estes nobres precedentes fica explicada a aura especial dos chás.
Os momentos de intimidade, a pausa silenciosa, a sensação de bem-estar e boa prosa presentes no ritual do chá podem apresentar “subprodutos” valiosos.
Um dia produtivo e uma postura positiva diante da vida regados regularmente com chás aromáticos podem gerar a “serragem” de uma noite boa.

Vale experimentar diariamente e, muito melhor, em boa companhia:

  • a versátil e cheirosa camomila — anthemis nobilis ou matricaria chamomilla — é o calmante imbatível na “receita da vovó” e a princesa de todas ervas;

 

  • tília — tilia platyphyllus — é uma árvore belíssima, muito resistente à poluição. As flores, ricas em néctar, são usadas em infusões calmantes;

 

  • lúpulo — humulus lupulus — é uma planta riquíssima! É usada na fabricação de cervejas e lhes dá o inconfundível sabor amargo. É o tempero da cerveja.
    Entre outras propriedades, é antibacteriana. Os cervejeiros costumam aconselhar uma cervejinha quando se tem dúvida da procedência da água ou do gelo. É valioso sedativo, aliviando a ansiedade e a insônia.

 

Insônia — não tente vencê-la!

Não há pretensão alguma de examinar um tema tão vasto e complexo. Cabem aqui as considerações interessantes do filósofo norueguês Jon Elster, citado por Juan Antonio Rivera, in “O que Sócrates diria a Woody Allen (2004, Ed. Planeta), sobre a obsessão de certas pessoas com a insônia. Perseguir uma boa noite de sono é receita certa para o inverso:

  • a pessoa tenta esvaziar o pensamento, num esforço incompatível com a “ausência de concentração que se está tentando conseguir”;
  • a pessoa se coloca num estado de pseudo-resignação à insônia: uma leitura, TV, bebida, etc.. É a tentativa inútil de enganar a insônia… 🙂
  • finalmente, a autêntica resignação baseada na convicção, na certeza de que a noite será eterna e malvada; há a entrega, a luta acabou. Neste momento, o sono chega!

Jon Elster, com lucidez, compara esta situação com aquela em que perseguimos certos objetivos inatingíveis. Isto porque são subprodutos, assim como a serragem, quando se serra a madeira. A serragem vem gratuitamente e vale muito menos, mas não podemos obtê-la diretamente, como o sono e a felicidade, mesmo se concentrando e colocando todos os cinco sentidos em ação.

O sono, a felicidade, o desejo de se apaixonar, o aumento de auto-estima, o esquecimento de uma perda, entre uma infinidade de estados, não virão através de processos racionais, de metas programadas, de exercícios deliberados… porque tudo de bom nesta vida é de graça: é essencialmente subproduto. Esta “serragem” está ligada ao mais íntimo de nós.

O filósofo e economista inglês do séc.XIX John Stuart Mill já descobrira que a busca da própria felicidade é estéril. A única opção — o pulo do gato — é escolher um outro fim, escolher um outro objetivo como propósito de vida. A partir daí, o subproduto virá de mansinho, sem alarde, em silêncio: aí sim, a “serragem” da felicidade chegou!