É uma antiquíssima região da França, cheia de histórias, castelos, trilhas, arte e vinhedos cultivados, ao longo dos séculos, por dedicados monges. O navio Swiss Gloria pernoitou em Chalon-sur-Saône, às margens do rio Saône.
Sob o céu muito claro de primavera desta manhã, subimos para Beaune, uma cidadezinha muito elegante, a capital dos vinhos da Borgonha, principalmente os brancos secos Chardonnay, considerados os melhores do mundo. Por aqui, uma refeição sem vinho é impensável.
A lição do amável sommelier do Cellier de la Cabiote pode ser resumida assim:
• fora da França, os rótulos, em geral, indicam o tipo de uva: Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Carmenère…;
• já os rótulos franceses indicam a região de envasamento: Bourgogne, Beaujolais, Rhône, Bordeaux, Loire, etc.;
• quanto mais específicas as informações constantes do rótulo, melhor e mais caro o vinho. Por exemplo, o rótulo deste Corton-Charlemagne Grand Cru Cuvée François de Salins especifica a região de Bourgogne, a cidade de Beaune, o vinhedo Hospices de Beaune, o terroir Charlemagne e o envasador Albert Bichot. No rótulo de um vinho vinte vezes mais barato só constaria, vagamente, “Mis en bouteille dans Bourgogne“.
Agora, a deliciosa pausa para degustação:
Por aqui também, diz o sommelier, é raro tomar vinho fora das refeições. Para isto, o cardápio do Swiss Gloria, além da boa apresentação, é muito saboroso e convida o vinho de Beaune.
De Lyon, importante porto francês, o Swiss Gloria zarpou para Mâcon, região vinífera do Beaujolais. Dizem por aqui: “Em Lyon vertem três rios: Le Rhône, La Saône e… Beaujolais”. A 25km, a Abadia de Cluny é um monumento espetacular de cultura, ciência e tragédia. Desta maquete do complexo beneditino, infelizmente, resta uma pequena parte.
A Abbaye de Cluny iluminou o mundo ocidental por séculos. Os abades eram muito influentes, interlocutores diretos do Papa; entre os monges, quatro foram eleitos Pontífices e outros, canonizados. A sede da maior congregação beneditina é — sim, ainda hoje — uma saga arrojada de desenvolvimento e grandeza. Tem-se a impressão de viver as páginas de um livro, as cenas de um filme:
— Cluny I, 910-927. A modesta e inicial edificaçãoincluía vinhedos, riachos e moinhos.
— Cluny II, 961-981. As exigências da liturgia e do progresso trouxeram a ampliação da edificação e, principalmente, a primeira igreja com altar em níveis.
— Cluny III, 1080-1130. Atingiu o ápice de magnificência. A catedral de Saint Pierre et Saint Paul, com 187m de comprimento, mais de 30m de altura e torres com 56m foi, por séculos, a maior do ocidente.
— Revolução Francesa, 1798-1808. A perseguição político-religiosa levou à demolição com imensuráveis prejuízos econômicos e culturais. Foi iniciada pela revolução e arrematada pela ignorância de Napoleão Bonaparte. Esta é uma coluna de uma das cinco naves da catedral:
Sempre majestosa e imponente, Cluny continua uma fonte inesgotável de história e espanto. Caminhantes passam por aqui em direção a Santiago de Compostela. Esta torre na muralha norte foi construída em torno de 1300:
Os beneditinos competentes e cultos desenvolveram a ciência, a educação, as artes; produziram vinhos com excelência; alcançaram alto nível de bem-estar e riqueza; isso, certamente, provocou dissidências políticas. Os conflitos internos foram especialmente com os cistercienses.
O arqueólogo Alexandre Lenoir alertou bravamente sobre a loucura e prejuízos da demolição. Foi uma voz clamando no deserto…
As esculturas, as edificações, as obras literárias, musicais e artísticas são atemporais; estão muito acima de qualquer ideologia. Representam a cultura de toda a humanidade. Por isto, deveriam ser intocáveis por mentes radicais, obscuras e partidárias. Contudo a mesma catástrofe se deu no Afeganistão, com a destruição dos Budas milenares de Bamiyan.
Aqui nos jardins de Cluny, indiferentes às mazelas humanas, as tulipas são uma festa e uma promessa de primavera. Em qualquer beiradinha brotam como capim…
Navegamos, desta vez, as águas dos conquistadores romanos da Gália, atual território francês. O rio Rhône — a gente aprendeu na escola rio Ródano — nasce nos Alpes suíços, alimenta o Lac Léman, deságua no Mediterrâneo. Ao longo de 812km é um refúgio de vida selvagem. A cada momento, bandos de aves pescam e os flamingos são os moradores mais ilustres. O majestoso rio Saône se junta ao Rhône em Lyon. Formam uma parceria belíssima:
Lyon — a mais antiga da França, habitada desde 600 a.C. — é o principal ponto nas rotas para Paris, Alpes, Espanha, Itália e norte da França. No aeroporto, a elegante estação/Gare Lyon Saint-Exupéry:
Aliás, Lyon acorda a partir de 11:00 quando os cafés, restaurantes, as lojas oferecem “guloseimas” de todos os tipos e níveis. Como qualquer centro comercial rico e ativo, tudo gira em torno de comprar e vender. É impressionante a força desta engrenagem girando ad infinitum. O pessoal compra e compra… objetos desnecessários, inúteis pelos quais gastam-se tempo e energia. Jogamo-los fora e voltamos para a roda.
Os traboules — passagens e escadarias originalmente usadas por contrabandistas medievais— foram pontos de resistência na Segunda Guerra Mundial; hoje são charadas arquitetônicas. As dezenas de pontes são obras de arte; esta lembra van Gogh, não?
Les Halles, o tradicional mercado francês — em Belém do Pará, Brasil, há uma valiosa réplica do de Paris — modernoso, todo de vidro, é um mundo de comida étnica, carnes, frutos do mar, molhos exóticos, queijos, vinhos e cheiro muito bom. Sem dúvida, Lyon é a capital gastronômica da França. Uma doçaria armênia:
Interessante notar a economia de espaços; por aqui, tudo agarradinho, as mesas e cadeiras bem próximas, qualquer corredor ou cantinho é bem aproveitado.
A cidade toda enfeitada com as árvores floridas. Ao longo dos rios Saône e Rhône outras formam intrigantes esculturas:
Embarcamos no confortável navio da Phoenix, MS Swiss Gloria. A partir daqui são cidadinhas muito especiais espalhadas pelos vinhedos a perder de vista. Chalon-sur-Saône, por exemplo, produz os melhores e mais caros vinhos do mundo. As terras ali alcançam a cifra de bilhões de Euros.
Curtimos muito os caminhos por onde este barco nos leva. É uma viagem não muito comum. A paisagem vem ao nosso encontro no deck. Pode não ser o turismo para uma grande maioria. Certamente agradará aos viajantes observadores dos contrastes, do valor do passado, das transformações através dos tempos. As ruínas, as arenas seculares, as tumbas, as peripécias de van Gogh transmitem enlevo, lição, espanto, ironia e… bom humor…
O Vasa — nome da dinastia — afundou numa clara manhã de 10 de agosto de 1628, em poucos minutos, a 1300m do porto do arquipélago de Stockholm, diante do rei, de toda nobreza e de convidados ilustres. Dos 445 tripulantes e soldados pereceram entre 30 e 50 pessoas.
Na maiden voyage — viagem inaugural — a nave mais potente da marinha sueca, a menina dos olhos de Gustavo Adolfo II, inclinou-se sob uma rajada de vento; a água infiltrou nas canhoeiras abertas e a obra-prima desapareceu nas profundezas do Báltico. Aí permaneceu por mais de três séculos.
O Vasa foi projetado corretamente; contudo o rei fez exigências extravagantes para o seu palácio flutuante. Por exemplo, transportar 64 canhões, o dobro do peso previsto. A idéia do resgate, por volta de 1950, veio de Anders Franzén, arqueólogo e técnico naval. Com a obstinação dos visionários, Franzén localizou o navio e a ressurreição do Vasa levou 30 anos! Somente a retirada do mar exigiu quatro de trabalho árduo. Os mergulhadores furaram túneis sob o casco, lançaram cabos de aço e içaram o navio com o madeirame praticamente intacto.
O motivo do bom estado da madeira é também uma grande sorte: o molusco Teredo Navalis é um devorador de madeiras de navio. Não teria sobrado uma lasca do Vasa se o Mar Báltico não estivesse poluído e se fosse mais salgado. O gosto das águas salobras não são do paladar do Teredo.
O Vasa Museet foi construído especialmente. São 7 andares de onde se vê tudo de todos os ângulos. Há réplicas de compartimentos onde a gente pode entrar, bisbilhotar, como se estivesse navegando…
A equipe altamente especializada conseguiu montar o gigantesco quebra-cabeças das milhares e milhares de peças soltas, 700 esculturas de leões, deuses, heróis gregos e romanos, animais marinhos, símbolos da cultura sueca e ambições políticas; eles refizeram, também, esqueletos humanos e pertences.
Vasa, Suécia – Domínio Público
Para a preservação das velas, da madeira, das cores reavivadas cuidadosa e fielmente, a temperatura tem de ser muito baixa e a luz comedida. Tudo aqui exige manutenção contínua. Um ritual cotidiano reconhecido pelos 1 milhão de visitantes / ano.
O resgate e a reconstrução representam uma esplêndida odisséia. Aqui a atmosfera do passado, futuro, devaneio, aventura nos faz ficar suspensos…
Aqui, a marca indelével é a diversidade deste mundo de águas. Visitamos Caburini descendo pelo rio Japurá. As margens oferecem o toque pitoresco das moradias…
Impressiona a boa adaptação dos bichos e dos homens. Nas cheias, as onças, por exemplo, se empoleiram nos galhos mais altos das árvores. A comunidade Caburini transporta as casas conforme o deslocamento do rio nas cheias. É uma praia de areias ricas em nutrientes transportadas pela correnteza. Perfeito o banho nas águas mornas do rio!
É frequente, também, elevar o nível das “pernas” das palafitas, pois a água chega a ultrapassar os 5 metros. Implantaram a boa idéia de uma cozinha comunitária; cada qual leva um ingrediente.
Os ovos de tartaruga são cuidados e protegidos sob orientação do patriarca, seu Sandro. Para multiplicar a sobrevivência, enterram-nos mais perto de suas palafitas e ajudam os filhotes a alcançar o rio. Afastam os pássaros fregueses do manjar de ovos!
Aqui vive a maioria dos funcionários da Pousada Uacari. A criatividade dessa gente amável atinge o máximo nessa academia; aí o seu Sandro “puxando ferro”:
Os frutos de Mamirauá se devem à iniciativa de mentes brilhantes e dos saberes dos ribeirinhos longe dos centros do poder e de gente cheia de teoria. O grande mérito de Marcos Ayres foi acolher o jeito de cuidar dos bichos e plantas transmitido pelos bisavós, acrescentando-lhes a técnica adequada e pesquisa científica. A participação dos ribeirinhos tornou-se fundamental para fixá-los à terra de origem, incentivo à propriedade privada e à limpeza das áreas sem uso do fogo.
Ao voltar, é forte a sensação de ter vivido nem um milésimo de toda a fartura deste universo.
O regime de enchentes e vazantes estabelece modus vivendi específico e diferente para bichos, peixes, aves, plantas e ribeirinhos da Reserva de Mamirauá. Nas cheias, de dezembro a maio, 1 milhão de hectares ficam submersos. Na seca, de junho a novembro, a admirável cigana ou hoatzin…
Exímios mergulhadores preferem peixes pequenos, não representando assim concorrência para os ribeirinhos que os protegem. Aí o merecido descanso depois do expediente.
Embaixo destas árvores, nas cheias, alguns peixes fazem cavernas nas margens e ali depositam ovos; pode-se ver este “estacionamento” de buracos. Também nas cheias, em uma adaptação formidável, outros peixes se alimentam dos frutos altos das árvores e desovam entre suas raízes. As enchentes podem alcançar até 15m ou mais. O único meio de transporte é o barco.
Mesmo com todos os cuidados da Reserva de Mamirauá há, na Amazônia, segundo estudos recentes, 48 espécies de aves ameaçadas de extinção, principalmente pela implantação de hidroelétricas e do desmatamento. Estes passarinhos enfrentam, sim, a ameaça cruel: a indiferença do homem…
Logo depois da confluência dos rios Japurá e Solimões entra-se no Canal Mamirauá… aqui a primeira imagem — ou será uma miragem? — das telhas cor de tijolo feitas de garrafas-PET ao estilo das ilhas do Pacífico sul: a Pousada.
O visionário e brilhante biólogo Márcio Ayres anteviu, num projeto pioneiro de 1997/99, uma reserva ambiental protegida cuidada pelos ribeirinhos, os legítimos senhores da floresta.
Este incrível primatologista tornou possível a utopia de promover o manejo sustentável dos recursos naturais com a efetiva participação das seis comunidades integrantes da reserva.
A região é muito quente; a umidade triplica a sensação térmica. Assim, os passeios são, inteligentemente, programados para bem cedo e à tardinha. Ao meio-dia, o zênite solar leva todos — até os jacarés vizinhos — a uma reparadora soneca depois do delicioso almoço. A temperatura e a umidade nos fizeram antecipar a volta!
O exótico macaco Uacari — o querido de Marcio Ayres — corria sério risco de desaparecer, assim como peixes-boi, pirarucus, tracajás e, em consequência, outras espécies endêmicas. Hoje essas espécies se multiplicaram e a degradação regrediu drasticamente. Ainda há muito trabalho, mas o resultado de Mamirauá, através do desenvolvimento e capacitação das comunidades deveria ser buscado por todo este Brasil.
Aqui o viajante apreciador dos mistérios dos rios e das florestas vai descobrir um lugar maravilhoso! Já o turista apressurado poderá submergir em ondas de tédio.
Em um vôo de 50 minutos chega-se a Tefé. A cidade bem antiga com, aproximadamente, 70 mil habitantes, era a região dos índios Tapibas e centenas morreram na luta contra os espanhóis.
Na região cultiva-se a mandioca brava para a produção de farinha e, também, a macaxeira para o consumo culinário. A venda e compra de peixes é importante fator econômico. Incontáveis barcos de todos tipos, apinhados de gente, cortam de cima a baixo o lago formado pelo rio Tefé, afluente do Solimões.
No porto o esgoto corre a céu aberto para o rio, parecendo bem precário o recolhimento de lixo. Aliás, o hábito de brasileiros jogarem tudo na rua é incompreensível e, infelizmente, impõe-se uma conclusão: se nós somos incapazes de um ato civilizado tão simples, jamais alcançaremos a cidadania.
Neste porto embarcamos no barco da Pousada Uacari para uma imersão na floresta. São deliciosos 90 minutos flutuando entre árvores, flores, frutos e pássaros.
Na várzea entre os rios Solimões e Japurá entra-se pelo Canal do Lago Mamirauá. Aí, presa às margens por cordas a pousada flutuante Uacari, nosso destino.
O nome Maraú vem da antiga aldeia indígena Mayrahú descoberta por frades capuchinhos em 1705; está a 140km do aeroporto de Ilhéus. Chega-se à Pousada do Cassange pela rodovia BR101, com uma parte de terra. A viagem é agradável, com muito verde e vista para o mar.
Por esta trilha no meio do mato, bem pertinho da pousada, chega-se à lagoa.
Aqui, nesta reserva da Mata Atlântica, é ótimo para esportes à vela, stand-up, caiaque e repouso na água.
Esta singular arquibancada nos reserva um luminoso entardecer.
As ondas valentes e mornas são massagens revigorantes e saram tudo! Todo o tempo é curto. Daí ser inexplicável o turismo-vitrine, quer dizer, “observar apenas”… a uma distância regulamentar. A propósito, e para reflexão, um comentário no livro de hóspedes:
Mar maravilhoso. Desta vez, entrei pouco, não faz diferença, porque voltarei ano que vem.
Não é mesmo um grande desperdício deixar para o “ano que vem” tudo isso?
Fizemos a viagem pela Andarilho da Luz, inclusive o transporte de ida e volta para Ilhéus. Nas imediações há dezenas de outras praias e cidadinhas antigas, além da Cachoeira de Tremembé.
Nosso motorista e guia — Zé Domingos, (73)99824-8297, muito eficiente e bem-humorado — nos levou, também, às piscinas naturais de Taipu de Fora e nos apresentou a elegante graviola:
O nosso berço esplêndido nos oferece milhares de quilômetros de litoral; ninguém precisa procurar praias estrangeiras… se, mesmo assim, tiver forte comichão vá para o Arquipélago das Seychelles.
Seychelles são um dos países mais ricos da África, com 81 mil habitantes. Fala-se Kreol Seselwa — uma linguagem crioula, derivada de uma mistura de outras línguas — além de francês e inglês. A capital é Victoria, na ilha Mahé.
O arquipélago de 115 ilhas é um santuário para fauna e flora. O mundo misterioso dos peixes nos é revelado por snorkel nas águas transparentes. Aqui o cheiroso Jardin du Roi de especiarias e de plantas raras:
Interessante e exótico o coco-de-mer — um “cocão” gigante, aliás a maior semente do mundo — é produzido pela palmeira Lodoicea Maldivica, endêmica das ilhas Praslin e Curieuse. O coco atinge 30kg e a palmeira pode viver mais de 200 anos.
As tartarugas daqui se equiparam às de Galápagos. Estivemos nas Ilhas Mahé, Praslin e La Digue. Em algumas ilhas, o governo exige, apropriadamente, autorização para visita; são reservas ambientais.
A música de raiz africana é contagiante e a dança reflete a alegria dos seychellois. Aqui, em La Digue, um silêncio incomparável:
Nesta vila, em Praslin (pronuncia-se Pralã) a proibição de carros traz tranquilidade, conforto e, felizmente, nada de shopping centers. O comércio é aí mesmo debaixo das árvores, com um dedo de prosa e frutas frescas:
É uma nação créole com raízes multiétnicas, essencialmente matriarcal. As mães solteiras tem status legal e os pais são obrigados a dar suporte financeiro. Escola pública até os 18 anos, livros didáticos gratuitos. A idade para o casamento é a partir de 15 anos; isto ainda reflete costumes ancestrais.