Escócia de trem!

Começando a viagem, aqui vai o “pulo do gato” para percorrer o Reino Unido: os passes de trem do BritRail. Apenas para estrangeiros, por um preço fixo pode-se viajar em primeira classe, por determinado período, pela Inglaterra, País de Gales e Escócia — para só esta, há o ScotRail. A validade varia de 3 dias a 1 mês (consecutive) ou de 3 a 15 dias durante 2 meses (flexible). É vantajoso, muito confortável e, várias vezes, entramos em um trem sem ter idéia do destino! Já descobrimos lugares inusitadas brincando de cabra-cega nas estações… 🙂

De Londres, fomos para Thirsk em Yorkshire; campos de feno cobertos de florinhas amarelas a perder de vista. Thirsk é antiga, com as ruas em paralelepípedos, todas as casas com jardins muito bem cuidados e muita cor. O centro é cheio de vida, um burburinho incessante nos cafés, boas lojas e livrarias com alegres rodas de aposentados. Fomos até Thirsk visitar o Mundo de James Herriot — o veterinário escocês que lá morou e clinicou por décadas. Publicou muitos livros com deliciosas e incomuns histórias dos seus bichos, tema de dois filmes e uma série espetacular na TV inglesa. Sua dedicação incondicional aos animais inspirou uma nova geração de veterinários. Ainda nesta cidade, tivemos a grata surpresa de, ao visitar a magnífica catedral com os jardins cheios de lápides antigas, um organista tocar especialmente para nós. Momentos assim são inesquecíveis e nos dão o valor imensurável do aqui e agora.

Em direção à Escócia, a três horas de Thirsk, está a milenar Edimburgo. A cúpula de Waverley e os vitrais fazem da estação um atrativo especial. A cidade é interessantíssima; cheia de castelos — Castelo de Edimburgo, Castelo Drummond — a destilaria Glenturret, além de catedrais, museus, concertos a céu aberto. Os jardins espetaculares confirmam o bom gosto, a técnica e a arte dos escoceses no paisagismo. Edimburgo oferece o paraíso no Royal Botanic Garden. Os becos subterrâneos tortuosos — os tais “closes” — demonstram as miseráveis condições de vida no século XVII. As casas foram queimadas devido à peste bubônica e o Mary King’s Close permaneceu. O lugar, por si só, representa as histórias de uma época e lugar inusitados; porém foi, infelizmente, transformado em pura atração comercial pelo infeliz marketing turístico quando tem por pretensão “enfeitar” ou “dramatizar” a história. Vale a pena ver o trabalho nos teares nas fábricas de tartan — os emblemáticos tecidos dos clãs escoceses.

Contudo, a melhor sugestão é deixar-se perder pelas ruelas em torno da Royal Mile na Old Town.

Sempre fugimos das cidades grandes, escolhendo para hospedagem uma cidadinha com aquela bucólica e acessível estação de trem na única praça. Assim, a 20 minutos de Edimburgo, descobrimos Linlithgow… uma delícia de lugar para o próximo post!

Escócia de trem #2…

Linlithgow é uma delícia. Aqui nasceu Mary, Queen of Scots, a última rainha da Escócia; foi também a residência da dinastia Stuart. As ruínas bem-preservadas (1420) mostram o Royal Palace às margens do lago. A igreja de St. Michael’s (Miguel Arcanjo), numa paróquia dinâmica, é uma obra de arte. A fonte Cross Well, o Burgh Hall, outras edificações com extensos gramados fazem-nos sentir num filme, nos transportam a uma outra dimensão.

Fizemos compras num excelente supermercado e os vendedores atenciosos faziam-nos sentir em casa. Aqui curtimos mais ainda o café da manhã farto e variado, seguindo ainda o cardápio dos mineradores de carvão: ovos, bacon grosso, feijão adocicado, linguiça, hash browns (purê frito de batatas), resumindo: é o famoso “tropeiro” deles. Íamos de trem para Edimburgo, voltávamos para o aconchegante hotel pertinho da estação e, ainda, aproveitávamos da tarde prolongada neste antiquíssimo lugarejo.

Seguimos para Inverness. Ah! Um lugar encantador cheio de gente hospitaleira, entrecortado de canais e pertinho do mistério Loch (lago) Ness. Com 36km de extensão e 230m de profundidade de águas frias e escuras, é a morada do monstro “Nessie“. Lá o turismo explora inteligente a história de Nessie, com a “Exhibition Loch Ness”: cavernas, espelhos, ondas laser, pesquisas sérias e ilusão de ótica! O cruzeiro pelo lago é muito agradável; o café com chocolate, servido a bordo, tem um sabor especial, contemplando o infinito, as ondas brancas, as gaivotas… é um sentimento único de viver o presente intensamente…

Constatamos outra amabilidade escocesa quando o ônibus do tour nos deixou no nosso hotel. Não paramos em Aberdeen para evitar cidade grande. Subimos para Thurso onde a região continua invadida por canais fartos de água. Aí embarcamos no “North Link Ferries”. Esta balsa é muito confortável, bem bonita, com tapetes altos e macios, espelhos de bronze, corrimãos dourados e um restaurante com gosto muito bom do molho de hortelã. A travessia para Stromness já é um plus: os penhascos, a incrível formacão “Old Man of Hoy“, além da beleza destes mares desertos.

Stromness é um lugar maravilhoso com 2200 habitantes, curiosamente sem árvores. Os vikings ocuparam o arquipélago Orkney até 1231 e, até hoje, sua influência no dialeto, costumes e comidas é marcante.

As pousadas estilo B&B (Bed and Breakfast), maioria na Escócia, são confortáveis, bem decoradas e no “Miller’s House“, perto do cais, havia um skylight que deixava toda a casa ensolarada. O café da manhã, além do “tropeiro”, oferecia 6 tipos de geléia, frutas, torradas, sucos, peixes defumados, queijos… energia suficiente para perambular pelas ruelas.

No ferry de volta a Thurso, conversamos com uma senhora muito elegante e bem-humorada nos seus gloriosos 90 anos. Ela nos contou, encantada, sobre a aposentadoria, sendo uma novidade receber de “um buraco na parede” com um cartão. 🙂 O governo paga aluguel para os pensionistas, além de uma ajuda de custo de 70 a 130 libras por semana. A “nursery” — a casa dos idosos — é bem fiscalizada e a nossa amiga desfruta de uma velhice tranquila. Após 2 horas de agradável travessia tomamos um trem para Kyle of Lochalsh, através de Dingwall.

Kyle of Lochalsh está situada entre lagos e montanhas. O hotel “The Old Bankhouse” é muito romântico e confortável, administrado por um casal de aposentados. Ali vimos “100 Great World Cup Moments”: todos os melhores lances, vitórias, falhas e curiosidades no futebol, como o caso do gol contra de um jogador colombiano; por isso, foi assassinado por um torcedor fanático na Colômbia… 🙁  Neste hotel estavam um casal de Cambridge e uma amiga; conheceram-se na China e, desde então, viajam anualmente juntos. Estes encontros são, para quem está disponível, momentos especiais e criam laços afetivos que nos acalentam.

Escócia – Ilhas e Jardins

De Reykjavik, na Islândia, alcançamos o arquipélago de Orkney — ao norte da Escócia — com aproximadamente 70 ilhas, cuja capital é Kirkwall. O porto majestoso recebe balsas, navios de cruzeiro e de carga. A cidade é bem antiga (1305), sendo muito agradável perambular pelas ruas cheias de lojinhas, restaurantes, excelentes livrarias. A cidadinha é cheia de surpresas: na próxima esquina, um campo cheio de árvores enormes é um bucólico cemitério com interessantes histórias gravadas em lápides de 1804; mais além, as imponentes ruínas do Bishop’s Palace ou Earl’s Palace. As ruas e casas são agradavelmente floridas e os nativos muito atenciosos; todos cumprimentam os turistas. A Catedral de St. Magnus é uma belíssima edificação em arenito.

Subimos mais ao norte até Lerwick, a única cidade do arquipélago de Shetland. Como em outras cidadezinhas escocesas há os pitorescos “closes”, que são tradicionais becos ladeados por incríveis e agarradinhas construções de pedra. Numa lojinha, vimos novelos de lã composta de fibras de leite com 30% de seda, que torna as peças muito macias.

A gentileza mais uma vez se revelou, quando a prefeita, ao som de violino, veio ao cais receber os passageiros. As ilhas de Shetland são muito antigas e Lerwick tem mais de 5000 anos. A biblioteca é invejável! Oferece, gratuitamente, os mais variados cursos de informática, línguas, trabalhos manuais, etc.; empréstimo de DVDs, CDs; salas abertas aos cidadãos para reuniões e assembléias e um acervo surpreendente.

Pudemos constatar um desdém bem-humorado ao “invasor” inglês (a Escócia foi anexada em 1707), através de um diálogo com um casal, quando nos referimos às origens inglesas do futebol, a esposa, prontamente, respondeu: “aqui é a Escócia!” Perguntamos “não é Reino Unido?” Retrucaram os dois em uníssono: “depende com quem você fala!” 😉 Nota-se um desejo (e esperança) subjacente de independência através da sistemática preservação da cultura, língua e costumes. Curioso é que os três principais bancos da Escócia cunham moedas para circular apenas entre os escoceses – orgulhosos disto!

“Não existe clima ruim e sim roupa inadequada”, contudo a sensação de frio, na Escócia, aumenta devido aos ventos frequentes. Tivemos sorte e a temperatura foi muito agradável no “verão nas ilhas”: máxima de 14°C. Os nativos? Na praia!

A Escócia é rica, culta, sólida, bem plantada em seus castelos e construções de pedra. Suas extensas terras onduladas envoltas em silêncio e quietude são privilegiadas. Os jardins na Escócia são excepcionais em qualidade e beleza, cultivados desde o século XIII! Dispensam quaisquer adjetivos. É puro enlevo!