A história de uma vaca

 

Esta, sim, foram doze dias e doze noites nos montes da galiza, com frio, e chuva, e gelo, e lama, e pedras como navalhas, e mato como unhas, e breves intervalos de descanso, e mais combates e investidas, e uivos, e mugidos, a história de uma vaca que se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha a agonia de viver no limiar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, as arremetidas bruscas, as cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por um animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. {…} Ao fim dos doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais.

…está, ipsis litteris, no livro de José Saramago, “A viagem do Elefante”; de uma profundidade infinita, simboliza a vida de mulheres e homens corajosos — e a reação do outro…