O Vestido Branco — Conto

O melhor das reuniões na casa do avô era justamente o fim de festa.

Quando a maioria dos convidados já havia se retirado, cada um dos veteranos destes encontros se acomodava para ouvir as narrativas bem-humoradas.

Assim, começa o avô:

— Coragem e medo se entrelaçam de tal forma, impedindo saber qual emoção forjou os heróis e os covardes em situações incomuns.

A atenção de todos se mobilizou, pois viria a seguir, como sempre, um caso inédito e — melhor — verdadeiro.

— Uma amiga dos tempos de juventude viveu uma experiência na qual a mistura frenética de temor e audácia trouxe-lhe assombrosa presença de espírito.

Mariana fora a uma festa. À saída, alguém propôs acompanhá-la, devido à hora tardia e à distância do sítio, fora da cidade. Ela declinou o oferecimento, pois gostava de dirigir pelas pistas vazias na madrugada e o mundo era outro. A violência urbana estava longe, figurava nos jornais da cidades grandes; os assaltantes, ainda, pareciam seguir um código de honra e a figura do malandro se enquadrava na romântica descrição de Chico Buarque.

A amiga dirigia sem pressa, quando veio um vento forte anunciando chuva boa. Depois de alguns instantes, a estrada pareceu-lhe estranha, embora passasse por ali algumas vezes, erma e abandonada.

Nenhum carro à vista; Mariana, sem saber bem a razão, subiu os vidros; naquele trecho não havia postos de gasolina, botecos, nem fiscalização; sentiu laivos de arrependimento por não ter aceito companhia. Com mais alguém, certamente, a ameaça de tempestade não a perturbaria tanto.

Para aliviar a tensão, Mariana tenta planejar a viagem da semana seguinte. Um ruído diferente no motor, porém, desviou-lhe o pensamento. A velocidade do carro diminuiu mesmo com pé no acelerador. Falta de gasolina? Tinha de sobra.

Dirige-se ao acostamento onde o motor morre. Um pesadelo! Acordar… o único remédio para se livrar dos receios apertando-lhe o peito. Respirou fundo para se controlar e refletir sobre uma possível saída.

Como num ritual para baixar a excitação, retirou, lentamente, as pulseiras, os anéis, os brincos, o colar, colocou todas as jóias na bolsa, deixando-a debaixo do banco.

Ao descer do carro o vento fustiga-lhe o rosto, agita-lhe os cabelos. Mesmo assim, tentaria fazer o motor funcionar; possuia, para a gozação da turma, alguns dons de mecânica e, até, sabia trocar pneus… com rapidez!

Abriu o capô.  A sua figura esguia, num longo esvoaçante vestido branco, era mesmo surrealista… antes de se curvar sobre o motor, uma voz grossa a faz virar:

— A bolsa ou a vida! (este era o jargão naqueles bons tempos)

Diz-lhe um sujeito forte apontando-lhe um revólver.

O susto imobilizou Mariana à luz de um relâmpago, tornando-a terrivelmente pálida. O pavor a faz fitar diretamente os olhos do assaltante, respondendo com uma firmeza e segurança que, naquelas circunstâncias, somente um ser sobrenatural teria:

— É interessante, quando eu era viva, ninguém pediu-me a bolsa… agora, já morta, você quer a minha vida?!

O ladrão, como atingido por um raio, desaparece morro abaixo sem sequer olhar para atrás.

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