Avignon é mesmo um cenário de filme. Dentro das muralhas todas as tragédias e grandezas das histórias humanas. É uma das cidades mais antigas de França.
A corte papal se estabeleceu aqui devido às ingresias entre o papado e a coroa francesa. Em 1305, o rei Philippe IV forçou a eleição de Clemente V, que recusou mudar-se para Roma, devastada por lutas internas. A partir de então, seis outros papas reinaram aqui. As divergências se agravaram até o Grande Cisma na igreja católica: isto é, por quarenta anos, houve um papa em Roma e outro em Avignon. Esta situação anômala terminou por volta de 1417. Este período dos pontífices favoreceu o desenvolvimento arquitetônico e das artes em geral. O magnífico Palais des Papes é o mais importante em estilo gótico desde a idade média.
O navio se aproxima bem devagar da Pont Saint-Bénézet sobre o rio Rhône. Originalmente com 900m e 22 arcos, foi destruída em 1226 durante uma ocupação; após a reconstrução foi levada algumas vezes pelas enchentes. Hoje restam apenas os românticos quatro arcos. Sur le Pont d’Avignon é a canção, há séculos, desta simbólica ponte.
O centro antigo se transforma para nós em uma “ilha” com queijos, flores, boas risadas e imaginação à solta… assim, Ricardo Reis salta do livro (“O Ano da Morte de Ricardo Reis”, de José Saramago) e vem nos acompanhar sem rumo e sem destino. Do personagem a lucidez:
Solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós.
O navio Swiss Gloria seguiu de Tournon-sur-Rhône para Le Pouzin, de onde fomos para Ardèche. Escondida em uma esquina do rio Rhône e dos Alpes esta região de montanhas de pedras: dessa vizinhança vem toda a beleza. Considerada área remota, com montes ondulados e verdes, lembra a belíssima Serra do Espinhaço.
O império romano dominou toda a Europa, sendo impressionante o avanço das construções nestas vilas seculares que preservam relíquias como este aqueduto:
Surpreendente La Grotte Chauvet-Pont d’Arc. Em 1994 foi redescoberta depois mais de 30 mil anos obstruída por uma avalanche. Esta gruta é riquíssima em pinturas rupestres, estalagmites e estalactites. A visitação iria destruir este patrimônio inestimável, daí a inusitada construção de uma réplica perfeita, incluindo a reprodução das pinturas rupestres.
A pequena cidade, a 30km de Chalon-sur-Saône, guarda uma surpresa: L’Hôtel-Dieu. Este elegante hospital beneficiente foi construído por Nicolas Rolin, com a participação fundamental da mulher, Guigone de Salins, em 1443. O hospital foi dirigido também por jovens freiras, cujo mister era cuidar dos pobres.
Era costume de os católicos ricos receberem as tais Indulgências! Faziam doações de bens, dinheiro, construíam hospitais e igrejas em troca do perdão dos pecados. Através desta “santa propina” os benefícios amenizaram o sofrimento de muita gente. Desde então, a família de Nicolas Rolin mantém os hospitais mais avançados da França, além de rede hoteleira.
O hospital, já muito avançado no séc.XV, funcionou até 1970, quando se transformou em museu. Os equipamentos e instrumentos cirúrgicos eram de ponta. Foi um dos primeiros hospitais a utilizar os raios-X descobertos em 1890 por Wilhelm Röntgen. O brilhante físico alemão, agraciado com o Nobel de Física em 1901, doou o prêmio à universidade de Würzburg, recusando-se a registrar qualquer patente.
Um bom exemplo de filantropia, ainda hoje em Beaune, são os leilões dos melhores vinhos com compradores de todo o mundo.
O Hôtel-Dieu tem um considerável acervo de arte. A extensa e incrível tapeçaria é um conjunto de painéis bordados por artistas anônimos. Um detalhe do cavalo cuja pata é recuperada depois de uma amputação, num lendário milagre de Santo Elígio:
Aos portões do céu e do inferno se encaminham os abençoados e os condenados. Para nós, absolutamente sem viés religioso, as imagens eloquentes representam a saga humana desde sempre: cada um traz, dentro de si, o céu e o inferno.
É uma antiquíssima região da França, cheia de histórias, castelos, trilhas, arte e vinhedos cultivados, ao longo dos séculos, por dedicados monges. O navio Swiss Gloria pernoitou em Chalon-sur-Saône, às margens do rio Saône.
Sob o céu muito claro de primavera desta manhã, subimos para Beaune, uma cidadezinha muito elegante, a capital dos vinhos da Borgonha, principalmente os brancos secos Chardonnay, considerados os melhores do mundo. Por aqui, uma refeição sem vinho é impensável.
A lição do amável sommelier do Cellier de la Cabiote pode ser resumida assim:
• fora da França, os rótulos, em geral, indicam o tipo de uva: Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Carmenère…;
• já os rótulos franceses indicam a região de envasamento: Bourgogne, Beaujolais, Rhône, Bordeaux, Loire, etc.;
• quanto mais específicas as informações constantes do rótulo, melhor e mais caro o vinho. Por exemplo, o rótulo deste Corton-Charlemagne Grand Cru Cuvée François de Salins especifica a região de Bourgogne, a cidade de Beaune, o vinhedo Hospices de Beaune, o terroir Charlemagne e o envasador Albert Bichot. No rótulo de um vinho vinte vezes mais barato só constaria, vagamente, “Mis en bouteille dans Bourgogne“.
Agora, a deliciosa pausa para degustação:
Por aqui também, diz o sommelier, é raro tomar vinho fora das refeições. Para isto, o cardápio do Swiss Gloria, além da boa apresentação, é muito saboroso e convida o vinho de Beaune.
De Lyon, importante porto francês, o Swiss Gloria zarpou para Mâcon, região vinífera do Beaujolais. Dizem por aqui: “Em Lyon vertem três rios: Le Rhône, La Saône e… Beaujolais”. A 25km, a Abadia de Cluny é um monumento espetacular de cultura, ciência e tragédia. Desta maquete do complexo beneditino, infelizmente, resta uma pequena parte.
A Abbaye de Cluny iluminou o mundo ocidental por séculos. Os abades eram muito influentes, interlocutores diretos do Papa; entre os monges, quatro foram eleitos Pontífices e outros, canonizados. A sede da maior congregação beneditina é — sim, ainda hoje — uma saga arrojada de desenvolvimento e grandeza. Tem-se a impressão de viver as páginas de um livro, as cenas de um filme:
— Cluny I, 910-927. A modesta e inicial edificaçãoincluía vinhedos, riachos e moinhos.
— Cluny II, 961-981. As exigências da liturgia e do progresso trouxeram a ampliação da edificação e, principalmente, a primeira igreja com altar em níveis.
— Cluny III, 1080-1130. Atingiu o ápice de magnificência. A catedral de Saint Pierre et Saint Paul, com 187m de comprimento, mais de 30m de altura e torres com 56m foi, por séculos, a maior do ocidente.
— Revolução Francesa, 1798-1808. A perseguição político-religiosa levou à demolição com imensuráveis prejuízos econômicos e culturais. Foi iniciada pela revolução e arrematada pela ignorância de Napoleão Bonaparte. Esta é uma coluna de uma das cinco naves da catedral:
Sempre majestosa e imponente, Cluny continua uma fonte inesgotável de história e espanto. Caminhantes passam por aqui em direção a Santiago de Compostela. Esta torre na muralha norte foi construída em torno de 1300:
Os beneditinos competentes e cultos desenvolveram a ciência, a educação, as artes; produziram vinhos com excelência; alcançaram alto nível de bem-estar e riqueza; isso, certamente, provocou dissidências políticas. Os conflitos internos foram especialmente com os cistercienses.
O arqueólogo Alexandre Lenoir alertou bravamente sobre a loucura e prejuízos da demolição. Foi uma voz clamando no deserto…
As esculturas, as edificações, as obras literárias, musicais e artísticas são atemporais; estão muito acima de qualquer ideologia. Representam a cultura de toda a humanidade. Por isto, deveriam ser intocáveis por mentes radicais, obscuras e partidárias. Contudo a mesma catástrofe se deu no Afeganistão, com a destruição dos Budas milenares de Bamiyan.
Aqui nos jardins de Cluny, indiferentes às mazelas humanas, as tulipas são uma festa e uma promessa de primavera. Em qualquer beiradinha brotam como capim…
Navegamos, desta vez, as águas dos conquistadores romanos da Gália, atual território francês. O rio Rhône — a gente aprendeu na escola rio Ródano — nasce nos Alpes suíços, alimenta o Lac Léman, deságua no Mediterrâneo. Ao longo de 812km é um refúgio de vida selvagem. A cada momento, bandos de aves pescam e os flamingos são os moradores mais ilustres. O majestoso rio Saône se junta ao Rhône em Lyon. Formam uma parceria belíssima:
Lyon — a mais antiga da França, habitada desde 600 a.C. — é o principal ponto nas rotas para Paris, Alpes, Espanha, Itália e norte da França. No aeroporto, a elegante estação/Gare Lyon Saint-Exupéry:
Aliás, Lyon acorda a partir de 11:00 quando os cafés, restaurantes, as lojas oferecem “guloseimas” de todos os tipos e níveis. Como qualquer centro comercial rico e ativo, tudo gira em torno de comprar e vender. É impressionante a força desta engrenagem girando ad infinitum. O pessoal compra e compra… objetos desnecessários, inúteis pelos quais gastam-se tempo e energia. Jogamo-los fora e voltamos para a roda.
Os traboules — passagens e escadarias originalmente usadas por contrabandistas medievais— foram pontos de resistência na Segunda Guerra Mundial; hoje são charadas arquitetônicas. As dezenas de pontes são obras de arte; esta lembra van Gogh, não?
Les Halles, o tradicional mercado francês — em Belém do Pará, Brasil, há uma valiosa réplica do de Paris — modernoso, todo de vidro, é um mundo de comida étnica, carnes, frutos do mar, molhos exóticos, queijos, vinhos e cheiro muito bom. Sem dúvida, Lyon é a capital gastronômica da França. Uma doçaria armênia:
Interessante notar a economia de espaços; por aqui, tudo agarradinho, as mesas e cadeiras bem próximas, qualquer corredor ou cantinho é bem aproveitado.
A cidade toda enfeitada com as árvores floridas. Ao longo dos rios Saône e Rhône outras formam intrigantes esculturas:
Embarcamos no confortável navio da Phoenix, MS Swiss Gloria. A partir daqui são cidadinhas muito especiais espalhadas pelos vinhedos a perder de vista. Chalon-sur-Saône, por exemplo, produz os melhores e mais caros vinhos do mundo. As terras ali alcançam a cifra de bilhões de Euros.
Curtimos muito os caminhos por onde este barco nos leva. É uma viagem não muito comum. A paisagem vem ao nosso encontro no deck. Pode não ser o turismo para uma grande maioria. Certamente agradará aos viajantes observadores dos contrastes, do valor do passado, das transformações através dos tempos. As ruínas, as arenas seculares, as tumbas, as peripécias de van Gogh transmitem enlevo, lição, espanto, ironia e… bom humor…
Este poema de tradição celta percorre as terras irlandesas como um talismã. Estes versos, também em gaélico, se transformam em melodias nos festivais como um sortilégio para uma boa viagem. Escrita e arte de Irish Blessing do linguista americano Háj Ross.
O blog Poemança, da Folhinha Poética chegou às cem mil visualizações (equivalente a um Maracanã em dia de Fla-Flu, no tempo em que o Maracanã era do povo), em oitenta e três países. Em se tratando de um blog de poesia, dá-nos um alento e tanto. A todos os colaboradores, o nosso sincero agradecimento.
Aplausos, recomendamos!
A Folhinha Poética faz a poesia entrar na nossa vida de modo significativo:
liberta-nos da rotina
atiça-nos a fantasia
aproxima-nos do outro…
O Vasa — nome da dinastia — afundou numa clara manhã de 10 de agosto de 1628, em poucos minutos, a 1300m do porto do arquipélago de Stockholm, diante do rei, de toda nobreza e de convidados ilustres. Dos 445 tripulantes e soldados pereceram entre 30 e 50 pessoas.
Na maiden voyage — viagem inaugural — a nave mais potente da marinha sueca, a menina dos olhos de Gustavo Adolfo II, inclinou-se sob uma rajada de vento; a água infiltrou nas canhoeiras abertas e a obra-prima desapareceu nas profundezas do Báltico. Aí permaneceu por mais de três séculos.
O Vasa foi projetado corretamente; contudo o rei fez exigências extravagantes para o seu palácio flutuante. Por exemplo, transportar 64 canhões, o dobro do peso previsto. A idéia do resgate, por volta de 1950, veio de Anders Franzén, arqueólogo e técnico naval. Com a obstinação dos visionários, Franzén localizou o navio e a ressurreição do Vasa levou 30 anos! Somente a retirada do mar exigiu quatro de trabalho árduo. Os mergulhadores furaram túneis sob o casco, lançaram cabos de aço e içaram o navio com o madeirame praticamente intacto.
O motivo do bom estado da madeira é também uma grande sorte: o molusco Teredo Navalis é um devorador de madeiras de navio. Não teria sobrado uma lasca do Vasa se o Mar Báltico não estivesse poluído e se fosse mais salgado. O gosto das águas salobras não são do paladar do Teredo.
O Vasa Museet foi construído especialmente. São 7 andares de onde se vê tudo de todos os ângulos. Há réplicas de compartimentos onde a gente pode entrar, bisbilhotar, como se estivesse navegando…
A equipe altamente especializada conseguiu montar o gigantesco quebra-cabeças das milhares e milhares de peças soltas, 700 esculturas de leões, deuses, heróis gregos e romanos, animais marinhos, símbolos da cultura sueca e ambições políticas; eles refizeram, também, esqueletos humanos e pertences.
Vasa, Suécia – Domínio Público
Para a preservação das velas, da madeira, das cores reavivadas cuidadosa e fielmente, a temperatura tem de ser muito baixa e a luz comedida. Tudo aqui exige manutenção contínua. Um ritual cotidiano reconhecido pelos 1 milhão de visitantes / ano.
O resgate e a reconstrução representam uma esplêndida odisséia. Aqui a atmosfera do passado, futuro, devaneio, aventura nos faz ficar suspensos…