É indelével a imagem de homens e mulheres, exaustos e desnutridos, curvados sob o peso de botijões de gás, sacos de cimento… transportam tudo, como animais de carga.
O rumo é Kalimpong, uma cidade a 50km de Darjeeling. Se esta viagem tivesse nome, seria o roteiro do espanto, da perplexidade. Chega a ser brutal o contraste entre a natureza exuberante e as condições de vida nessas bandas ao norte da Índia.
A região é belíssima, com o Himalaya cada vez mais verde e recortado. Mas, os deslizamentos de pedras e terra — pela falta de contenção e corte de árvores na abertura de acessos — são uma roleta russa nessas estradas.
Aparentemente, a manutenção de estradas se faz, apenas, em casos extremos. Agora mesmo, fomos parados para uma desobstrução: uma pedra despencou, e não faz muito tempo.
As montanhas são salpicadas por incontáveis e belíssimas quedas d’água de centenas de metros de altura. Muitas vezes, essas correntes caudalosas inundam as estradas que serpenteiam à beira de profundos despenhadeiros e canyons. É de uma beleza arrepiante. Não há outro caminho. Ao cruzar com outro veículo, a gente fecha os olhos. Numa das curvas, vimos um veículo “aterrissado” lááá no fundão, com as rodas para cima.
Os campos de chá são uma incrível paisagem ondulante a perder de vista. Caminhar pelas cheirosas trilhas de chá é muito agradável. A gente tem vontade de ficar por ali. A colheita é feita, principalmente, por mulheres, a 2 dólares/dia — 130 rúpias. A fábrica de chá de uma multinacional está cheia daqueles chavões de marketing: missão, objetivos, proteção ao trabalhador, ao meio ambiente, etc. etc.. Na prática, tudo muito longe deste discurso.
O centro de Kalimpong, sem a vista ímpar do Kanchenjunga — o 3º pico mais alto do mundo — é ainda mais caótico do que Darjeeling. A cidade é velhíssima.
Mulheres de todas as idades são enfeitadas, envoltas em saris e echarpes de cores fortes e douradas. As sandálias com pedrarias mostram unhas — sim, a dos pés! — pintadas e compridas como garras.
Nesta mistura de mercado, frituras, gente, sujeira e montes de tubulações, as pessoas são muito amáveis; a cidade é segura para turistas. Não há notícias de roubos ou assaltos.
O comércio é intenso e variado. Não vimos grades e as mercadorias se espalham pelas ruas, pelos balcões sem aparente vigilância.
O Hotel Silver Oaks — da cadeia Elgin — pertenceu, no passado, a gente importante. Tem amplos salões, incluindo um bom restaurante. Os jardins mostram a riqueza da flora de Kalimpong, rododendros, orquídeas e magníficas folhagens.
Saindo da cidade — ufa! — as estupas do Mosteiro Durpin. Aqui, e onde há monges budistas, é significativa a diferença. Tudo limpo. A atmosfera é leve e cativante!
As pinturas e mandalas, ricamente detalhadas, contém a doutrina e a tradição do budismo tibetano. Dá para perceber que o budismo é um ponto de encontro: recolhe, aceita, incorpora as diferenças culturais; parece não haver exclusão do outro, nem donos da verdade.