Gente Valente

Fomos ao Texas e, descuidados, não consultamos o poderoso Sr. Clima; de costa a costa, com raras exceções, as temperaturas beiravam 104°F (40°C). Foi a primeira vez que estivemos lá no verão… e fizemos meia volta para fugir do calor escaldante.

Não comunicamos nossa volta a ninguém; assim tínhamos mais dias de férias, fomos para um hotel e experienciamos certo exílio: sim, pois sabíamos que o telefone não tocaria, não haveria visitas – um dos bons hábitos em Minas – nada de almoços coletivos, nem cafézinhos com prosa…

Descobrimos, aqui mesmo, lugares interessantes num bairro completamente desconhecido. Vimos o quanto a gente se apega à padaria, ao sacolão, à cabeleireira, à próxima esquina; como limitamos o círculo de convivência!

Deste nosso venturoso degredo pude avaliar a valentia de dois queridos amigos: M. e R. (invejando Freud 😉 ). Ambos com faccia e coragem pediram as contas, juntaram um mínimo de tralha e foram-se… cada um, absolutamente, por sua conta e risco.

M. para Buenos Aires e R. para Paris. Estabeleceram-se nestas outras plagas, conquistaram amigos e boa colocação profissional (sem QI algum!). A certeza de ter as pessoas, o trabalho, a roda na pizzaria forma uma rede reconfortante que eles deixaram para trás.

Nas nossas andanças anônimas por aqui pude avaliar que a aventura dos meus amigos pode parecer meramente romântica, contudo os desafios da cidade grande e da língua estranha exigem boa dose de autosuficiência, determinação.

Este ir e vir solitário, incluindo todas as atividades e decisões, não é pra qualquer mortal. Certamente é uma bela aventura e pode ser um meio – talvez o único – de nos virar pelo avesso e de nos fazer sair de um mundinho morno e, muitas vezes, medíocre.

Amigos M. e R., posso concluir que o impulso para uma corajosa virada só pode ser

…ou uma lança atravessada no peito ou uma esperança desvairada…

Getúlio Vargas, 24 de Agosto de 1954

…tenho nítida na memória aquela manhã tão clara como a de hoje; todas as alunas do curso ginasial – o nome era este – reunidas no anfiteatro para a aula de canto orfeônico (alguém ainda diz isso?); a madre interrompeu a cantoria para informar que as aulas estariam suspensas: o presidente Getúlio Vargas se matara…

Após o impacto de dois segundos, a explosão foi de alegria; estaríamos livres por uns dias! Doce irresponsabilidade da infância…

Mario Vargas Llosa

Travessuras da Menina Má

Mais um presente deste peruano idealista que, um dia, sonhou em apontar outros rumos ao Peru. Como já aconteceu e se repetirá incontáveis vezes, o povo preferiu o caminho falacioso e inconsequente apresentado por Fujimori… deu no que deu. 🙂

Bem, interessa-nos agora as peripécias de um grande amor retratadas de uma forma envolvente; Vargas Llosa consegue realizar o desejo máximo de um escritor: manter o leitor preso irresistivelmente às suas páginas.

A trama tecida por Vargas Llosa se passa em Lima, Paris – aqui, os endereços conhecidos acrescentam uma atração a mais – e Londres; retrata magistralmente as transformações sociais da época dos hippies, da revolução cubana, das origens do movimento Túpac Amaru. Para quem leu outros livros de Vargas Llosa pode-se reconhecer claramente traços autobiográficos e isto enriquece a leitura.

Interessante também uma outra faceta do livro: os motivos, as pulsões, as escolhas dos personagens rendem assunto para tardes inteiras numa boa roda… de uma forma ou de outra todos nós estamos lá!