Aeroporto — o melhor lugar…

…do mundo! Aqui cessam as obrigações e as amarras.

Ouvem-se, apenas, queixas contra os aeroportos. Certamente há motivos, mas a gente consegue transformar este quadro. Aliás, tudo nesta vida, todos os acontecimentos têm a coloração, o sabor e o impacto determinados pela postura e pela disposição interior de cada um de nós. Claro, esta teoria é, quase sempre, rejeitada. Sim, é uma tarefa espinhosa reconhecer nossa parte e responsabilidade pelo modo de encarar e reagir aos fatos. Estes são alheios à vontade. A reação, não.

Bem, vamos à prática. Para curtir e transformar o aeroporto — e a viagem — há táticas comprovadas repetidamente. Apenas experimentando-as você verá ser possível executá-las e desfrutar do prazer daí decorrente.

É um método Zen. Calma, muuuita calma:

  • antecipar — sobretudo para si mesmo — a data oficial da viagem para um dia de antecedência. Isto é, avise pra todo mundo o “dia 2”, por exemplo, quando a viagem for mesmo no dia 3. Na volta, o mesmo esquema, para garantir um dia de sossego. Ao invés de “desperdício” de dois dias, esta folga será altamente compensadora;
  • no dia antecedente — “dia 2”, no caso — todos os compromissos, telefonemas, visitas, pagamentos, aniversários, presentes e outras encrencas estão resolvidos: você JÁ viajou!
  • leve isso a sério. Acredite nesta data oficial e terá o “dia 2” para:

    se levantar com calma,
    tomar lauto café com música,
    desligar telefones e internet,
    especialmente o Sr. Celular seu chefe,
    um banho comprido e namorar;

  • a malinha — quanto maior a mala, maior a insegurança do passageiro — já fechada proporciona ao corpo e mente o início de relaxamento para se incorporar à leveza Zen;
  • no dia seguinte — esta tática pode-se botar em prática sem delongas — a saída para o aeroporto será com quatro horas de antecedência. Aqui, uma regra de ouro: vá SEM carona. Recuse firmemente qualquer oferecimento. Uma chatice levar alguém ao aeroporto. Chatice ainda maior é buscar! Amigos e familiares ficarão sinceramente surpresos e agradecidos;
  • a ida ao aeroporto JÁ é a viagem! Com o exercício Zen é possível e gostoso deixar os olhos e a mente deslizarem pelas ruas, construcões, buracos, jardins, lixo, pessoas… a cidade será outra;
  • são quatro horas de antecedência, sim; pois no check-in antecipado as atendentes estão mais solícitas. Não há os aflitos empurrando um monte de malas, bolsas e mochilas sobre os outros, como se o balcão fosse desaparecer;

  • agora, com apenas uma nécessaire — ah! o luxo da leveza! — um tour, preferencialmente sozinho/a, pelos arredores. Nos aeroportos há os refúgios silenciosos e desertos de templos/capelas; alguns surpreendentes. Há exposições de bordados, artesanato, antiguidades, fotos, livrarias, jardins, bons restaurantes… etc. Com disponibilidade encontramos pessoas inteligentes e bem-humoradas. Há cantinhos escondidos, onde se pode ler sossegadamente e até meditar;
  • os lounges das companhias aéreas, também quando se chega mais cedo, são um mini-hotel com boa comida, sofás macios e banho confortável;
  • desligue-se da previsão do tempo. Agora, no aeroporto e para a viagem, a sorte está lançada: sol, chuva, vento, frio, calor estão fora de controle. É lamentação inútil, melhor aproveitar;
  • nada de entrar em lojas! Enquanto a gente fizer compras não há, realmente, viagem. Diferentemente é deixar-se perder nos bazares orientais, mercados e feiras étnicas;
  • viajar com familiares e amigos de longa data traz vantagens. Contudo, esta “juntidade” impede o inestimável benefício de viajar: a releitura à distância do habitat, da convivência e do cotidiano. Este distanciamento traz insights inesperados.
  • Duas regrinhas para minimizar arrependimentos:
    • marcar hora e lugar de reencontro, para que cada um possa ceder espaço e tempo ao outro;
    • instituir o sagrado direito de ninguém esperar ninguém. A não ser, claro, para quem não consegue ficar consigo mesmo — aí não tem remédio, “não tem jeito mesmo”, nem viagem!

As pessoas viajam. Muitas vezes, na volta nada trazem. Vão, mas a viagem não volta com elas.

Curta ou longa, uma viagem significa via de mudança. Ver, cada vez, como se fosse a primeira… incluindo o aeroporto.

A Confissão de Guimarães Rosa

A genialidade de Rosa dispensa qualquer superlativo. Na centésima leitura ainda há segredos, mistérios e achados.

Em “Jardins e Riachinhos” (1983), Guimarães Rosa faz uma confissão preciosa. É de uma clarividência doída, é um grito de alerta:

Não gosto de falar da infância. É um tempo de coisas boas, mas com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo, estragando os prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá um excesso de adultos, todos eles, mesmo os mais queridos, ao modo de soldados e policiais do invasor, em pátria ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então. Já era míope e nem mesmo eu, ninguém sabia disso. Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia. Mas tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta.

Bert Hellinger — o mago das constelações familiares

O psicanalista de 87 anos é uma delícia de gente! Sim, é a conclusão depois do privilégio de ouví-lo em três ocasiões diferentes, por períodos prolongados.

Bert Hellinger atingiu o último degrau da sabedoria, da grandeza: o da simplicidade. É sereno, de gesticulação mínima e de um bom humor admirável. Aliás, o bom humor é manifestação explicíta de inteligência.

A princípio, não queria a publicação pelo “perigo da generalização”. A base filosófica de Bert Hellinger é: cada caso é único, especial, particular; daí a terapia única, especial, particular. Finalmente, para maior reflexão, publicaram-se os livros e, para quem estiver disponível, são muito bons.

Perdoe, Bert Hellinger, a expressão “mago”. Posso ver seu significativo sorriso… um levíssimo arquear de sobrancelha. Você tem toda razão. Não, não há nada de sobrenatural, de espíritos, de magia, de energia oculta, de outras explicações esotéricas e/ou místicas para os resultados da atuação de Hellinger. O mago, neste caso, quer dizer, competência, seriedade, uma irrefutável base técnica, observação pertinente, humildade, compreensão das causas e e efeitos.

Vejamos a profundidade de uma proposição de Hellinger; as relações humanas são, fundamentalmente, trocas. Na maioria dos casos os pratos de dar e receber desta balança se desequilibram — ou alguém recebeu muito mais ou doou muito pouco. Normalmente, aprendemos que, se você recebe o bem, deve retribuir com o bem… eh! Qual a novidade disto? Aqui, nenhuma.
Contudo, vem o insight ímpar de Hellinger, indicando o caminho — se você receber algo ruim, deve retribuir na mesma moeda, com uma substancial diferença:

Quando receber o bem, retribua-o um pouco maior.
Ao receber o mal, retribua-o um pouco menor.