Especial para Advogados

Uma Decisão de Peito

Estou acanhado, nem sei por onde pegar este assunto sucinto:
um solerte advogado, possivelmente de pasta preta, não sei, indo ao Forum da Justiça Federal no Rio para cuidar de processos, topou pela frente com determinada funcionária, cujos seios saltavam aos olhos.

Faço aqui um parêntese: vejam como a língua brasileira é safada. Quando escrevo que os seios saltavam aos olhos quero dizer os olhos é que pularam para os seios, visto que estes não saltam, pois a natureza os fez presos e seguros. Ao mesmo tempo, quero significar que os seios eram vistosos.

Entendido?
Fechar o parêntese.

Que faz o advogado? Em vez de requerer em juízo a juntada aos autos, conforme determina a boa processualística, quis fazer justiça pelas próprias mãos e agarrou-os (os seios), presa de incontida emoção, num arroubo que, francamente, só se entende perante jurados.

Não sei como qualificar o gesto.
Atentado violento ao pudor?
Apropriação indébita?
Tentativa de seqüestro?

Sei apenas que a funcionária, embora pública, teve bons motivos privados para protestar, e o fez, numa representação ao diretor do Forum.

Formou-se o processo, e imagino sua finura. Deve ter dado um romance, este opinando assim, aquele opinando assado, um outro pedindo que se ouvissem as testemunhas; enfim, essas coisas todas que a justiça é obrigada a suportar todos os dias.

Corria a coisa na órbita federal, até que os seios foram parar nas mãos do Tribunal Federal de Recursos, que não sabia onde botar aquilo. Reúnem-se os juízes, atarantados. Mexe daqui, mexe de lá, verifica-se que não há jurisprudência firmada sobre o assunto.

O que faz o Tribunal? Lava as mãos, sob a alegação de que a Justiça Comum é que deve cuidar do caso — da mesma forma como trataria, digamos, dos seios de uma comerciária, de uma fazendeira, de uma operária.

O entendimento do Tribunal Federal de Recursos é bastante claro:

“Quem se descontrola perante a beleza estética de uma funcionária pública federal e lhe agarra os seios não comete nenhum crime que deva ser apurado pela Justiça Federal, mas sim pela Justiça Comum dos Estados. Os seios da funcionária não são próprios da administração pública, nem quem os toca comete uma infração ao exercício normal da função.”

Decisão exemplar.

Vejam bem que não se trata aqui de permitir aos advogados o descontrole perante a beleza estética, isso não, pois haveria uma corrida aos cursos jurídicos, que já abundam, em busca de tão esdrúxulo privilégio. Amanhã estaria a enorme população de beca e capelo trocando os pés pelas mãos.

Em absoluto. Continua terminantemente proibido bulir nos seios no recinto do Forum, dentro ou fora do expediente. Este é o ponto que deve ficar bem claro: os infratores serão julgados pela Justiça Comum.

De outra parte, fica-se sabendo que não há seios federais.
Todos os seios são estaduais. E não são próprios da administração.

Cada funcionária deve, pois, administrar o que lhe pertence de direito. De resto, os seios não são públicos; antes, estão subordinados à iniciativa privada, que se encarregará de resguardá-los e defendê-los na medida das necessidades.
Que cada um saiba, pois, onde os deixa e onde bota a mão.

O Tribunal Federal de Recursos manifestou-se com sensatez. Provou, mais uma vez, que a Justiça é mulher experiente e de peito. O erro foi do advogado: acreditou naquela história de que a Justiça é cega.
No Forum, tudo se sabe, doutor.

Crónica de Lourenço Diaféria, 11/1976,
coletada em “Circo dos Cavalões”.

Gabriel García Márquez — Doze Contos Peregrinos

Estes “Doze Contos Peregrinos” foram escritos ao longo de 18 anos e são recordações de viagens pela Europa. Eram 64 e sobraram este doze contos da “incessante peregrinação de ida e volta ao cesto de lixo“, como nos conta García Márquez; acrescenta, ainda, o curioso episódio:

já que eu havia descrito de memória e à distância as diferentes cidades da Europa onde os contos acontecem, quis comprovar a fidelidade de minhas recordações de quase vinte anos depois e empreendi uma rápida viagem de reconhecimento a Barcelona, Genebra, Roma e Paris. Nenhuma delas tinha nada a ver com as minhas lembranças.

Estes depurados contos são preciosos. Cada um, entremeado com o realismo mágico, nos transporta a um mundo interior de sentimentos doloridos, ternos, disfarçados.
O mundo surreal do mago de Aracataca, Colômbia, retrata o cotidiano de cada um de nós com uma força tão grande, a tal ponto de nos obrigar negá-lo por insuportável.
Gabo, como os amigos o chamavam, íntimo de todas as grandezas e de todas as misérias humanas, é filósofo, xamã, poeta, pajé, mestre, artífice da palavra.

Dos subtextos surgem setas indicando, para quem quiser ver, o caminho ou a busca interior, muitas vezes desesperada. Tais escritos valem séculos de psicanálise.

Um outro livro de García Márquez, “A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada“, aponta o norte na bússola desorientada da vida.

A história de uma vaca

 

Esta, sim, foram doze dias e doze noites nos montes da galiza, com frio, e chuva, e gelo, e lama, e pedras como navalhas, e mato como unhas, e breves intervalos de descanso, e mais combates e investidas, e uivos, e mugidos, a história de uma vaca que se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha a agonia de viver no limiar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, as arremetidas bruscas, as cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por um animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. {…} Ao fim dos doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais.

…está, ipsis litteris, no livro de José Saramago, “A viagem do Elefante”; de uma profundidade infinita, simboliza a vida de mulheres e homens corajosos — e a reação do outro…

O Pensamento de José Saramago

O texto SaraMágico — assim como os dados —  apresenta múltiplas facetas.
Cada uma traz: perspectiva diferente, ângulo luminoso ou lucidez cortante.
Aqui, pinceladas extraídas do livro “A Caverna”, edição 2000:

Ainda que te possa parecer estranha a comparação, os gestos, para mim, são mais do que gestos, são como os desenhos feitos pelo corpo de um no corpo do outro.

 

As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar.

 

A pena pior, minha filha, não é a que se sente no momento, é a que se vai sentir depois, quando já não houver remédio.

 

É uma estupidez deixar perder o presente só pelo medo de não vir apanhar o futuro.

 

A boca é um órgão que será tanto mais de confiança quanto mais silencioso se mantiver.

 

Um pássaro numa gaiola pendurada à janela poderá imaginar que está em liberdade.

 

É preciso compreender que nas circum—navegações da vida uma brisa amena para uns pode ser para outros uma tempestade mortal, tudo depende do calado do barco e do estado das velas.

 

O tempo é um mestre-de-cerimônias que sempre acaba por nos colocar no lugar que nos compete.

João Ubaldo Ribeiro — Diário do Farol

DFEste polêmico livro do nosso baiano é de uma extrema e terrível lucidez.

O assunto é pesado, até assustador! Daí, talvez, a relutância de o leitor aceitar que a natureza humana é, sim, capaz de ultrapassar os limites do Bem e do Mal.

A parte final do livro é destoante e, mais uma vez, a gente desejou que um corajoso Editor tivesse usado, ali, um misericordioso bisturi…

Contudo, o objetivo aqui é, tão somente, transcrever — ipsis litteris — um trecho que, por si só, vale o livro. Cada releitura deste texto faz o coração saltar diante da perturbadora e dura verdade:

A vida é vitoriosa não quando se tem o que se costuma ver
como bênçãos, ou seja, beleza, dinheiro, honrarias e assim por diante.
Essas coisas podem perfeitamente conviver e entrar em simbiose
com a mais completa infelicidade.
Elas não representam uma vitória por mais que seus detentores
e os que erroneamente os invejam queiram pensar assim.
A vida é vitoriosa quando se satisfaz o que de fato há em cada um de nós,
aquilo que de fato ansiamos e quase nunca nos permitem,
nem nos permitimos, reconhecer.

A Confissão de Guimarães Rosa

A genialidade de Rosa dispensa qualquer superlativo. Na centésima leitura ainda há segredos, mistérios e achados.

Em “Jardins e Riachinhos” (1983), Guimarães Rosa faz uma confissão preciosa. É de uma clarividência doída, é um grito de alerta:

Não gosto de falar da infância. É um tempo de coisas boas, mas com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo, estragando os prazeres. Recordando o tempo de criança, vejo por lá um excesso de adultos, todos eles, mesmo os mais queridos, ao modo de soldados e policiais do invasor, em pátria ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então. Já era míope e nem mesmo eu, ninguém sabia disso. Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia. Mas tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta.

Heloísa Schürmann – Sempre um Papo

Para a velejadora acostumada a domar ondas e ventos fortes, a tempestade de verão, pouco antes do “papo”, deve ter sido amigável e refrescante…

A autora lançou, no programa “Sempre um Papo“, o livro “Pequeno Segredo – a lição de vida de Kat para a família Schurmann”. Antes publicara “Dez Anos no Mar” (1995), “Um Mundo de Aventuras” (2000) e “Em Busca do Sonho” (2006).

Heloísa se mostra tão disponível, bem-humorada, e o seu abraço é um aconchego, um acolhimento imediato; assim, sentimo-nos como se já a conhecessemos há muito. Daí já se pode imaginar a aceitação incondicional da filha Kat.

Esta rica história deveria mesmo ser contada. Nenhuma ficção poderia tecer os fios entrelaçados destas vidas. Todas as pessoas envolvidas e sensíveis cresceram naquela situação, se transformaram e, em ondas sucessivas, transmitiam calor humano, dedicação e responsabilidade.

Sabemos das contradições e falhas da natureza humana e neste livro pudemos vivenciar, com a família Schürmann, a extensão dos preconceitos, dos julgamentos, das “verdades” pré-estabelecidas. Contudo, a força maior foi — e continuará sendo — o resultado positivo da alegre, intensa e fecunda vida de Kat, apesar de muito breve.

O mais importante foi a lucidez da família na educação e convívio com a pequena e inteligente menina. Com eles, Kat pôde, sem superproteção, se desenvolver plenamente, pôde aproveitar ao máximo de todo o mundo de viagens, experiências e aprendizagem.

O bom leitor — aquele que lê nas entrelinhas e/ou apreende o subtexto — pode perceber, através do estilo leve — não superficial — da autora a profundidade do drama, as incontáveis dificuldades e os percalços não escritos, mas superados.

O lúcido capitão Vilfredo, Heloísa, esta mulher forte, e os dedicados rapazes são admiráveis exemplos.

Felizmente em novembro de 2013 estarão se lançando ao mar em mais uma aventura enriquecedora… bons ventos!

Os livros de Heloísa nos inspiraram, muitas vezes, os roteiros de viagens exóticas. Visitamos as ilhas dos Mares do Sul e já chegamos até Brunei, seguindo os nossos sonhos, e as aventuras da, ainda bem, família “maluca” Schürmann!

Lançamento de livro

Ana Maria Mansoldo lança novo livro. O primeiro, “Ipês Amarelos” (2008), é uma coletânea de deliciosos contos.

12 de setembro de 2012, na Livraria Mineiriana, Belo Horizonte.

Fique Mais Jovem a Cada Ano (2)

Este livro nasceu de uma consulta para melhorar o condicionamento do advogado aposentado Chris Crowley e da programação e planejamento do geriatra Henry S. Lodge (Harry para os íntimos). Boa parceria, melhores resultados.

A prática de exercícios físicos coloca em movimento cascatas químicas quando começamos a transpirar. É neste momento que começam os ciclos de reparação nos músculos e nas articulações. Harry chama esta ação dos exercícios de “base da química cerebral positiva”.

Esta prática de exercícios vigorosos aumenta a qualidade do sono, melhora o sistema imunológico, reduz o excesso de peso, normaliza a taxa de insulina e queima de gordura, melhora a vida sexual, além de conferir resistência a ataques cardíacos, derrames, hipertensão, mal de Alzheimer, artrite, colesterol alto e depressão. Tais resultados são incrivelmente animadores, dá pra levantar defunto, não? 🙂

Agora, a “má notícia” é que basta deixar os músculos ociosos para que a decadência recomece. Assim, devemos nos exercitar diariamente. O stress provocado pelos exercícios razoavelmente intensos desencadeia um tipo de demolição do corpo e o reconstrói um pouco mais forte. A atividade física desgasta pequenas partes que precisam ser substituídas após cada utilização.

O processo dos exercícios no nosso corpo é semelhante a uma reforma da nossa casa, compara Harry. Os glóbulos brancos que começam o trabalho de demolição fazem como os profissionais que vêm com marretas, carrinhos de mão, latões de lixo, para por abaixo o velho reboco, abrir as paredes e devolver à casa suas fundações saudáveis. Terminada a demolição, instalam-se o crescimento e a reparação.

Este fator é tão significativo que, mesmo um fumante com excesso de peso, mas que pratica exercícios intensos diários, tem um índice estatístico de mortalidade inferior ao de um não-fumante magro mas sedentário.

Resumidamente, as citocinas (proteínas que controlam o processo inflamatório) estão trabalhando no nosso corpo, regulando o crescimento e a decadência em todos os tecidos e células. A citocina C6 é relativa à inflamação/decadência, a citocina C10 é relativa à recuperação e ao crescimento.

A C6 é produzida nas células musculares e na corrente sanguínea em resposta aos exercícios, enquanto que a C10 é produzida em resposta à C6. Este é o mecanismo brilhante existente no corpo para acoplar decadência e resistência. Em síntese, a C6 desencadeia a produção de C10: a decadência deflagra o crescimento.

Neste momento, espero ardentemente, você já deve estar de pé, preparando-se para uma corrida… 🙂

Fique Mais Jovem a Cada Ano…

…não, não é botox nem lipoaspiração nem máquina do tempo, muito menos plástica.

O livro do advogado Chris Crowley e do geriatra Henry S. Lodge traz uma abordagem científica e maravilhosa sobre a atividade física. Se você não se transformar imediatamente (!) é porque já morreu e não sabe. 🙂

O corpo é feito de carne, tendões, gordura, e de muitas outras partes que se desgastam e têm que ser renovadas constantemente. O interessante é que o corpo não fica esperando que uma ou outra parte se desgaste; o corpo a destrói no fim de determinado tempo e a substitui por outra nova. Não é fascinante?

Por exemplo, a sua perna está em constante renovação: as células musculares da coxa são substituídas inteiramente, uma por vez, a cada 4 meses; 3 vezes por ano, temos músculos novos. As células sanguíneas, a cada 3 meses, são repostas. As plaquetas, de 10 em 10 dias. As papilas gustativas são renovadas todos os dias. Os ossos, de dois em dois anos.

O entendimento mais atualizado é o de que a maioria das células está programada para morrer dentro de um prazo relativamente curto, porque este processo nos faz adaptar a novas circunstâncias e as células mais velhas tendem a ser cancerosas. Assim jogamos fora, de propósito, partes inteiras que estão em perfeito estado para começar o novo crescimento. Existem bilhões de células especiais cujo único trabalho é dissolver os ossos para que outras possam reconstruí-los. Segundo a belíssima imagem do geriatra Henry S. Lodge:

…é um processo idêntico ao da poda do outono, que serve para dar lugar ao crescimento na primavera.

Nem é preciso explicitar que o grande lance é promover mais o crescimento do que a destruição; está aqui a importância dos exercícios físicos. Através de toda a biologia e fisiologia destes exercícios o corpo aciona os mecanismos que reconstroem os ossos, os tendões, os vasos sanguíneos, o coração, enfim, toda a máquina humana.

Continua…